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Em apenas
um ano, de 2007 a 2008, o número de brasileiros que
aprendem com cursos a distância quase dobrou
Filho de alfaiate e empregada doméstica, negro, ex-aluno
de escola pública, Osvaldo Nascimento é uma
raridade estatística. Não só porque se
formou em engenharia elétrica, especializou-se em administração
na FGV e em Harvard, mas por ser um dos raros negros (talvez
o único) a dirigir o departamento de recursos humanos
de uma grande empresa no Brasil.
Lá, aplica programas para reduzir mais improbabilidades
estatísticas.
A empresa é a IBM, que, por 16 anos seguidos, é
a campeã mundial de registro de patentes e investe,
por ano, cerca de R$ 12 bilhões em pesquisa -muito
mais que o Brasil.
Ele sabe que um dos obstáculos dos negros, dentro de
uma empresa multinacional, é não falar outras
línguas fluentemente e reforçou a oferta de
cursos de inglês e espanhol. Isso facilitou a entrada
em cursos de pós-graduação e MBAs, usando
os mais diferentes recursos, entre os quais o ensino a distância.
"Como vamos manter as pessoas preparadas e com disposição
para inovar se elas não aprendem permanentemente?",
pergunta Osvaldo, que, com 27 anos na IBM, também tira
proveito do ensino a distância misturado com aulas presenciais
num MBA de gestão de pessoas da Fundação
Dom Cabral (MG) Esse é um detalhe de uma das mais interessantes
novidades brasileiras- aliás, poucas tendências
são tão extraordinárias no país.
Em apenas um ano, de 2007 a 2008, o número de brasileiros
que aprendem com cursos a distância quase dobrou, pulando
de 397 mil para 761 mil- as indicações são
de que, neste ano, as matrículas continuem a crescer
com rapidez.
Neste ano, o governo federal anunciou um plano bilionário
para a formação de professores em todo o país,
viável apenas por causa das novas tecnologias. Na semana
passada, o governo de São Paulo seguiu a mesma trilha,
ao lançar uma universidade virtual, com direito à
transmissão direta pela TV.
O que está acontecendo, em resumo, é a soma
de novas possibilidades tecnológicas trazidas pelas
mídias digitais, a generalizada convicção,
entre os mais pobres, de que, sem diploma de ensino superior,
eles empacam e, para completar, a disposição
das empresas em bancar o estudo dos funcionários.
Quanto mais sofisticada a empresa, obrigada a se inovar, maior
a disposição de apostar na formação
-e, portanto, mais sofisticado seu departamento de recursos
humanos. As intranets viraram salas de aula.
É o que se vê nas edições especiais
dedicadas à escolha das melhores empresas para trabalhar.
Na imensa maioria delas, além da capacitação
interna, são oferecidas bolsas para graduação,
mestrado, doutorado, MBAs, além de idiomas. A Google
banca 75% dos cursos que nada tenham a ver diretamente com
o trabalho. Basta o indivíduo querer estudar, já
está valendo o estímulo.
Há uma crescente percepção de que não
existe mais estabilidade e a melhor empresa, portanto, não
é necessariamente aquela que oferece os salários
mais altos, mas um ambiente de aprendizagem acoplado a um
plano de incentivos ao progresso individual -aí sim
está a chance de estabilidade no mercado de trabalho.
Daí se entende o desmonte de um preconceito contra
os cursos a distância, vistos com desconfiança,
a tal ponto que, neste ano, a greve dos funcionários
da USP atacou essa modalidade de ensino. As avaliações
mostraram, porém, que, no geral, os alunos que estudam
de longe exibem notas melhores.
Uma das explicações: eles são mais maduros,
trabalham, sabem do valor que aquele conhecimento vai significar
rapidamente em suas vidas. Portanto, são mais motivados
e disciplinados, afinal é necessário estudar
sozinho à noite ou nos finais de semana em casa.
Quando olhamos o Brasil pelos políticos e seus palácios,
parece que pouca coisa muda -e aí vemos debates que
vão da corrupção aos diplomas suspeitos.
Mas quando olhamos pelas centenas de milhares de pessoas estudando
sozinhas à noite na tela de um computador, vemos que
muita coisa está mudando.
PS - Esse novo Brasil é visível numa das mais
profundas investigações já feitas sobre
a cidade de São Paulo, realizada pelo Datafolha e,
na semana passada, publicada no livro intitulado "DNA
Paulistano". Um detalhe, em especial, me chama a atenção.
Mesmo nas regiões mais pobres e violentas da cidade
-o extremo da zona sul, por exemplo-, 45% dos jovens e adultos
têm ensino médio, e 9%, superior. A média
na cidade é, respectivamente, 44% e 16%. O que significa
cidadãos com escolaridade um pouco mais avançada
e expectativas de aprendizado -e para quem o ensino a distância
talvez signifique estar mais perto de um projeto de vida.
E gente como Osvaldo Nascimento entra na galeria dos heróis
contemporâneos.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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