Chamado
pelos filhos de “Professor Pardal”, tantas eram
suas engenhocas espalhadas pela casa (a tampa aquecida da
privada ou um tobogã dentro da sala, por exemplo),
o engenheiro industrial Felício Sadalla sempre foi
obcecado com a ideia de que as cidades deveriam criar ciclovias.
Falava e dava o exemplo: todos os dias, percorria 13 quilômetros
até o trabalho, montado numa bicicleta elétrica
desenvolvida em sua garagem, há 35 anos. “Eu
provavelmente era a única pessoa no país a andar
de bicicleta elétrica.”
Mas ele não achava nada extravagante. “É
apenas uma simples questão de bom senso.” Para
ele, uma bicicleta pesa 20 quilos e carrega sem problemas
um ser humano – um carro pesa uma tonelada. “Nada
é tão barato, comparado com as rodovias e metrô,
do que abrir uma ciclovia.” Sem contar a óbvia
economia de combustível, reduzindo a poluição.
A bordo de sua invenção, Felício sentia-se
isolado como uma espécie D. Quixote urbano. Por isso,
ficou emocionado com a notícias recebida, no mês
passado, no dia de em que completou 81 anos. “Fiquei
quase cinco noites sem dormir direito.” Com tanta agitação,
o médico recomendou-lhe repouso fora de São
Paulo.
Vindo do Mato Grosso, quando tinha 4 anos, Felício
fez parte de uma das primeiras turmas da FEI ( Faculdade de
Engenharia Industrial) e se especializou na Inglaterra. Poliglota,
falava sete línguas, e um dos seus prazeres era vasculhar
sebos.
De volta ao Brasil, montou sua empresa e sempre acompanhou
as experiências do carro elétrico desenvolvido
no Brasil pelo empresário Amaral Gurgel, de quem era
amigo pessoal. “O motor não funcionava direito
para o carro.” Ajudou a adaptar um motor híbrido,
combinando eletricidade e gasolina – também estar
em seu currículo ter ajudado o navegante Amir Klink.
Fez a sua bicicleta elétrica, acreditando que as cidades
deveriam construir uma alternativa urgente aos automóveis.
Mas sentia que ninguém prestava atenção
– a modernidade se traduzia nos carros ou no metrô.
Com a idade avançada, a bicicleta ficou encostada.
Mas não ficou parada. Uma seguradora (Porto Seguro)
já usava bicicleta para oferecer socorro aos seus segurados
e soube do modelo desenvolvido por Felício. Decidiu
estudar a possibilidade produzir em série, contratando
ume escritório de design. Felício dava as dicas
sobre o motor, sem qualquer preocupação com
patente.
No dia aniversário, ele recebeu a notícia do
início da produção brasileira das bicicletas
elétricas para circularem em São Paulo, com
motor ecológico. Na data de seu aniversário,
se comemorava os 40 anos que o homem pisou na lua. Foi um
dia tão marcante que Felício que aquela viagem
espacial era um bom jeito de festejar sua bicicleta.
PS- Coloquei abaixo a foto de Felício com sua bicicleta.
Felício com sua bicicleta em 1979:
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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