Não
sabia que iria enfrentar a criminalidade das letras dos funks
-e, ao mesmo tempo, das ruas de Cidade Tiradentes
Obrigado a se vestir com um sisudo uniforme, Renato Barreiros
estudava num colégio religioso, dirigido por freiras
franciscanas que não apreciavam homens de cabelo comprido
e brincos -nem bandas de rock.
Deixou a escola porque gostava de deixar o cabelo crescer,
usar brincos e tocar numa banda de rock. Agora, com 30 anos,
ele não toca em nenhuma banda, mas tenta inventar a
rebeldia do funk. "Podia imaginar muita coisa na minha
vida, menos que iria ajudar a produzir funk. E, ainda por
cima, fazer sucesso."
Renato comandou o grêmio, filiou-se ao PC do B, tornou-se
diretor da União dos Estudantes Secundaristas, em São
Paulo, fez cursos de arte em Cuba. Formou-se em história
na PUC e, depois, se especializou em relações
internacionais. Entrou no serviço público e
trabalhou na Subprefeitura da Sé. "Até
aí, tudo estava relativamente previsível."
Não sabia que iria enfrentar a criminalidade das letras
dos funks -e, ao mesmo tempo, das ruas.
Quando se tornou, neste ano, subprefeito da Cidade Tiradentes,
ele viu que traficantes e criminosos atuavam como uma espécie
de produtores culturais, distribuindo dinheiro. Isso ajudava
a inflamar as já inflamadas letras dos funks, estimulando
a violência e o consumo de drogas, com ataques à
polícia e elogios à facção criminosa
PCC.
Era ingrediente extra para deixar mais violentas as baladas,
que terminavam ao amanhecer, muitas vezes, em brigas. "Joguei
a regra do jogo." Jogar a regra do jogo significava bancar
as produções dos discos e viabilizar os shows.
Como tinha muitas reclamações dos vizinhos por
causa do barulho, aproveitou para determinar que as festas
acabassem mais cedo. "Por causa de várias experiências,
sabíamos que fechar os bares antes diminui a violência."
Para receber apoio, as bandas deveriam moderar a agressividade
das letras -até porque não cairia bem para a
prefeitura patrocinar elogios às drogas e ataques à
polícia.
Toparam as condições e, então, se apresentaram
num festival. Espertamente, algumas bandas criaram funks educativos
e, assim, sonharam com um disco gravado. "Só não
esperávamos que algumas músicas virassem hit
por aqui". Afinal, chegaram a falar da importância
de estudar e acatar as ordens das mães. O que era esporádico,
como o festival e as eventuais gravações, a
partir deste mês torna-se permanente.
Previsto para ser inaugurado neste mês, o centro cultura,
batizado de Estação
Juventude, foi montado em uma casa abandonada.
Ali, será possível gravar músicas gratuitamente
e apresentar shows, além de ser um local para as mais
diversas oficinas. "Estou aprendendo a lidar com a rebeldia."
PS- Coloquei neste
link as músicas produzidas pelos jovens. Está
aí uma homenagem interessante à rebeldia de
Tiradentes -o que se ve lá, até hoje, uma das
regiões mais pobres de São Paulo, nada tem a
ver com independência.
Coluna originalmente publicada na
Folha de São Paulo, editoria Cotidiano.
|