"Passei
a ver a vida com outros olhos. O meu jeito de ser também
mudou. Eu era uma menina que não tinha muito valor
aos olhos dos outros; era muito zoada. Aqui, aprendi a dar
valor a mim mesma, a usar minha inteligência, a mostrar
o que sinto e trocar experiências. (...) O programa
tenta mobilizar a comunidade, usando as máquinas [computadores].
O que eu gosto é que não se reduz a uma capacitação
em informática. Tem também a parte de entender
a comunidade e a si mesmo".
É assim que Monique de Oliveira Souza, uma jovem
de 17 anos, que vive no Jardim São Gonçalo,
no extremo leste da cidade de São Paulo, define o Garagem
Digital, programa desenvolvido a partir da parceria entre
a Fundação Abrinq - pelos Direitos da Criança
e do Adolescente e a HP Brasil, e realizado pelo Centro Profissionalizante
de Adolescentes Padre Bello (CPA).
Há apenas três meses, a adolescente participa
do Módulo de Formação do Programa, mas
parece já ter entendido sua proposta. Conforme define
Roseni Reigota, coordenadora do Programa pela Fundação
Abrinq, "o objetivo é capacitar jovens, usando
a tecnologia como ferramenta do processo de aprendizagem".
Na sua opinião, "a tecnologia não pode
ser vista apenas como um meio de consumo, mas uma ferramenta
para a construção de um mundo mais igualitário.
A inclusão digital é um direito de todos, assim
como a escolarização, a cultura, o trabalho.
Ela vem, portanto, agregar-se a esse leque de direitos, por
vezes negados a pessoas de baixa renda, e que trazem a possibilidade
de melhora da qualidade de vida, contribuindo para a justiça
social".
Aproveitando as oprtunidades
Mobilizar a comunidade para que ela consiga lutar
por seus interesses também foi a principal lição
apontada por Paulo de Jesus Cunha Filho, de 17 anos, nesses
três primeiros meses de curso. "Apesar das dificuldades
e das diferenças de uma comunidade que não tem
tantos recursos como a nossa, sabendo aproveitar as oportunidades,
acho que a gente pode alcançar o que se deseja. Acho
que o curso reforçou a idéia - que eu já
trazia - de que é fundamental a gente se conscientizar
sobre a própria situação, sobre as potencialidades
e sobre os direitos para depois ir atrás do que quer.
Não dá para argumentar com os políticos
de mão abanando, tem que ter argumentos para levar
isso adiante", sugere o Paulo.
Os dois adolescentes, junto com mais 118 jovens de 14 a
24 anos, que fazem parte da quarta turma do Garagem Digital,
vão passar mais seis meses capacitando-se em tecnologias
de informação e comunicação (TICs).
No final do curso, vão construir um site e um jornal
para debater temas como drogas e violência. Em seguida,
seus currículos serão disponibilizados no Rede
de Oportunidades, um site lançado no início
de maio pela Fundação Abrinq e pela HP, que
tem a função de promover o encontro entre empresas,
instituições educacionais e outras organizações
com esses jovem que saíram do curso.
Juarez Zortea, coordenador do Conselho de Responsabilidade
Corporativa da HP Brasil, recorda que as organizações
parceiras sentiam a necessidade de dar continuidade ao Programa
depois de concluir o curso e por isso criaram o Rede de Oportunidades.
"Os jovens que saem do curso sabem trabalhar não
só com a tecnologia, mas também desenvolvem
outras aptidões, que aumentam sua competitividade no
mercado de trabalho", avalia Juarez.
O site aproveita a rede de contatos da Fundação
Abrinq e da HP para atrair novos parceiros para o Programa.
Embora o objetivo da Rede, segundo Juarez, não seja
assegurar que o adolescente saia do projeto com um emprego
garantido, o coordenador afirma que, dessa forma, "o
Garagem Digital ajuda a promover a inclusão digital
do adolescente e sua inserção no mercado de
trabalho". Ele acrescenta que o Rede de Oportunidades
ainda é um projeto piloto, restrito a um número
limitado de jovens, mas que deve ser ampliado, por meio da
incorporação de outras iniciativas.
Conexão Aprendiz
Gláucia Cavalcante, 18 anos é ex-aluna
do Programa Garagem Digital. Hoje, ela é contratada
do Conexão Aprendiz, um site realizado em parceria
entre o CPA, a ONG Cidade Escola Aprendiz e a empresa JP Morgan,
e lançado no início de junho para divulgar a
Lei do Aprendiz, sistematizar informações e
incentivar as empresas a contratarem aprendizes. Lá,
ela cuida da tecnologia do site, inserindo todo o conteúdo
no ar.
A jovem diz que a experiência mais rica que teve no
Garagem Digital foi ser representante de turma. "Com
essa experiência, aprendi que, para trabalhar em grupo,
é preciso ter paciência. Entendi que é
preciso respeitar a opinião dos outros".
Aliás, ouvir o que os jovens têm a dizer é
uma característica do CPA. O monitor do Garagem Digital,
Rubens Tavares Macena Rocha, 20 anos, que já tinha
feito cursos no CPA antes de trabalhar nesse Programa, diz
que o diferencial do curso é "a forma como os
jovens têm poder de voz". Ele considera que isso
também diminui a evasão. "Até agora,
só saiu um aluno de cada turma. Um porque preferiu
fazer outro curso, outro porque conseguiu um emprego",
esclarece. Adelson Rodrigures da Silva, assistente de projetos
do CPA, completa que a "a instituição tem
a filosofia da democratização do conhecimento
a partir da construção coletiva. Aqui, acreditamos
que o conhecimento é um direito de todos".
No ano passado, a turma do Garagem Digital construiu o site
do projeto Presidente Amigo da Criança, da Fundação
Abrinq. Ronaldo Manoel da Silva, 18 anos, que hoje trabalha
no estoque do Atacadão Guarujá, coordenando
o trabalho de mais dois funcionários, diz que "quando
o site entrou no ar, ninguém acreditava. No começo,
a gente se perguntava como 120 alunos iriam conseguir fazer
um site, que fala de um assunto tão importante. Mas
conseguimos dividir o trabalho de tal forma que a construção
foi possível". Ele diz que essa experiência
lhe ensinou a lidar com conflitos, situação
com a qual ele se depara freqüentemente hoje em dia no
seu ambiente de trabalho.
Metodologia
O Garagem Digital é um programa que vem sendo
desenvolvido de forma piloto desde 2001. Passou pela Associação
Meninos do Morumbi e hoje é realizado apenas no Centro
Profissionalizante Padre Bello (CPA). O Programa já
capacitou 360 alunos. Atualmente, as organizações
parceiras estão estudando formas de replicar o programa.
"Agora que a metodologia está consolidada, a disseminação
vai facilitar a democratização do acesso às
tecnologias", diz Roseni.
O projeto está organizado em quatro eixos: o Módulo
de Formação, Acesso Livre, Integração
(do projeto com outros que são desenvolvidos pela ONG
parceira) e Mobilização Comunitária.
No módulo de formação, os jovens participam
de um curso de 300 horas. Embora elas se apresentem de forma
integrada, o currículo está dividido em cinco
áreas temáticas: tecnologias da informática
e comunicação; administração e
marketing; arte e design; ciências sociais e linguagem
e escrita. Ao final do curso, os alunos devem construir um
produto concreto. Até agora, foram criados os site
do projeto Presidente Amigo da Criança, da Associação
Meninos do Morumbi e da Escola Estadual Adolfo Gordo.
Os computadores utilizados no curso podem ser usados pela
comunidade em geral. Alguns alunos do Módulo de Formação
são voluntários no Acesso Livre. Dona Maria
Dores Santana, é agente comunitária do Programa
Garagem Digital. Há oito anos no Jardim São
Gonçalo, ela diz que sempre atuou na mobilização
da comunidade, pois já trabalhou para a Pastoral da
Criança e é presidente da associação
de moradores.
Ela conta que a receptividade da comunidade em relação
ao Garagem Digital "foi maravilhosa" e que ela já
está se apropriando do espaço. "A inclusão
digital é importante porque ajuda o cidadão
em todos os sentidos: a tirar a segunda via de documentos,
a colocar o currículo na Internet ou até a pegar
a receita de um bolo no site da Ana Maria Braga", afirma.
O objetivo da mobilização comunitária
no Garagem Digital é pensar o desenvolvimento local
a partir das tecnologias. Para isso, foram formados grupos
de discussão, as chamadas "Rodas de Inclusão
Digital", na qual representantes da associação
de moradores, de telecentros se reúnem para afinar
o discurso e apresentar práticas que possam influenciar
as políticas públicas na comunidade. "A
intenção é dar autonomia para a comunidade
tocar o Garagem Digital e também para criar novos projetos
de inclusão digital na região", afirma
Roseni.
LAURA GIANNECCHIN
do site setor3
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