"O teatro tem uma função,
principalmente num país que precisa de qualquer tipo
de manifestação com caráter de transformação
social", afirma Neriney Moreira, advogado, ator e um dos
fundadores do Teatro Popular União e Olho Vivo (TUOV).
Em fevereiro de 2004, o TUOV completou 38 anos de teatro e impulsiona
a troca de experiências culturais com as comunidades carentes
da cidade de São Paulo.
União e Olho Vivo é conhecido por desenvolver
um trabalho social ao levar o teatro para o povo com um enredo
simples de autores nacionais. "Nós levamos para
o povo a oportunidade de conhecer o teatro. O pessoal de periferia,
geralmente, mora a 40 km do centro e dos teatros. Como eles
vão para esses lugares, sendo que todos acordam cedo
para trabalhar no dia seguinte? É uma coisa inviável",
diz Neriney.
A proposta da TUOV não é de revolucionar a
dramaturgia nacional nem o modo de interpretar, mas a troca
de experiência na periferia. "Todos são
capazes de fazer teatro", declara Neriney. Seguindo esse
pensamento, o elenco é formado por bancários,
professores, advogados, pintor, dona-de-casa e outras ocupações.
O teatro surge como um forte instrumento de inclusão
social, quando o grupo mostra que todos são capazes
de fazer arte. "O grupo nasceu daquela idéia que
a cultura e a educação é direito de todos,
não é privilégio de alguns", afirma.
Para sobreviver, o grupo segue a prática Robin Hood
já que faz e vende os espetáculos para prefeituras,
clubes que têm condições de pagar e com
a arrecadação desses cachês a peça
vai para periferia por um preço simbólico, pois
a população carente não tem condições
de gastar com lazer. Segundo Neriney, o grande problema é
conseguir financiamento para desenvolver teatro popular entre
o poder público e privado. Nesses 38 anos, o TUOV praticamente
ficou sozinho, sem subsídios.
A maioria das apresentações ocorreram em locais
com pouca infra-estrutura, como salas de aula em que as apresentações
eram realizadas em cima de carteiras; em praças da
comunidade; quadras de esporte e outros locais. Os lugares
não tinham palco e a comunidade ajudava os atores da
peça a carregar tijolos e tábuas para os atores
simularem um palco.
O professor de português Oswaldo Ribeiro, já
atuava em teatro com a comunidade São José Operário,
no Itaim Paulista, zona Leste da cidade de São Paulo,
e em 1992 ingressou no TUOV. "Para mim, o teatro representa
um transformador social, um meio de desinibição
e expectativa no crescimento contrário à linguagem
teatral industrial", afirma.
O Olho Vivo se apresentou mais de 3500 vezes para um público
superior a três milhões de pessoas. O grupo trabalha
com temáticas relacionadas à arte popular e
história brasileira, como: carnaval, bumba-meu-boi,
literatura de cordel, circo e outros. Já foi reconhecido
por meio de vários prêmios nacionais e internacionais,
entre eles estão: EnCena Brasil do Ministério
de Cultura Brasília, em 2001; Prêmio Carlos Miranda
Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, em 2001;
Prêmio Casa das Américas, de Havana (Cuba), em
1985; Prêmio Santos Dias de Direitos Humanos Assembléia
Legislativa do Estado de São Paulo, em 2003 etc.
O nome
O grupo surgiu em 1966 entre os estudantes que queriam reativar
o departamento da cultura do Centro Acadêmico XI de
Agosto, da Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo (USP), denominado Teatro das Onze. O objetivo era fazer
um teatro estudantil voltado para o público acadêmico
e convencional. Em 1972, o nome passou para Teatro Popular
União e Olho Vivo, originário do Grêmio
Recreativo Escola de Samba União e Olho Vivo que figurava
no espetáculo "Rei Momo" e era uma saudação
("União e Olho Vivo"), usada na vida real
por D. Pedro I, personagem daquela encenação.
Desde o começo, o grupo discutia como desenvolver
um tipo diferente de teatro e era composto por elementos da
classe média, mas com o tempo passou a ter componentes
do meio popular, usando a linguagem popular. Há uma
troca de experiências culturais já que ninguém
ensina nada para ninguém. É uma interação
entre ensino e aprendizado.
Teatro para São Paulo
Olhos atentos para a cortina do teatro do Centro Educacional
Unificado Pêra Marmelo, zona noroeste de São
Paulo. Começa mais um espetáculo para a comunidade
do Jaraguá. Marinheiros desciam da platéia para
o palco, remetendo um episódio da História do
Brasil. A peça "João Candido do Brasil-
A Revolta da Chibata" relata a façanha dos marinheiros
majoritamente negros em 1910, em que eram maltratados por
seus superiores. Em comemoração ao dia da Consciência
Negra, a peça é carregada de sátira e
batuques da percussão, que enfatiza a ação
dos atores.
Em seguida, com muita mímica e expressão corporal,
"Os Queixadinhas" dão um show de representação,
em que remete a greve da década de 60 na cidade de
Perus, em que uma família de porquinhos do mato tem
o cotidiano de milhares de trabalhadores explorados, mas conseguem
se juntar para matar o caçador-explorador. A peça
é resultado do Programa Fomento ao Teatro da Secretaria
Municipal da Cultura da cidade de São Paulo.
O Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a Cidade
de São Paulo, promovido pela Secretaria Municipal da
Cultura, tem o objetivo de apoiar a manutenção
e a criação de projetos de trabalho continuado
de pesquisa e produção teatral, visando o desenvolvimento
do teatro e o melhor acesso da população.
Há cerca de um ano e meio, o TUOV trabalha teatro
com alunos da Escola Municipal Brigadeiro Fontenelle e moradores
do bairro do Jaraguá na faixa etária de 14 até
19 anos, por meio do Programa. O projeto é denominado
Fonteatro Olho Vivo Jaraguá. Neste ano, o projeto está
na segunda etapa, em que o grupo faz apresentações
em bairros periféricos e se prepara para seguir sua
trajetória de continuidade da orientação
teatral.
Leonilton Souza de Jesus é da comunidade do Jaraguá
e está há dois anos com o grupo Fonteatro Olho
Vivo Jaraguá. "Já tinha feito um curso
de teatro que durou cinco meses no colégio Fontenelle
e vi que meu negócio era o teatro mesmo, porque interpretar
é coisa fácil. Tudo não passa de uma
brincadeira. Apesar de continuar com o estilo de largado,
mudei muito com o teatro. Parei de beber, pichar e freqüentei
mais teatros, mais cultura", confessa Leonilton.
Ana Célia Souza Almeida, dona-de-casa e integrante
do Fonteatro Olho Vivo Jaraguá, entrou no teatro apenas
por distração, mas já sabia como era
o teatro de rua, pois aos 15 anos participava de um grupo
no Maranhão, sua cidade natal. "Esse trabalho
é muito bom, porque TUOV apóia a gente em tudo.
Não é fácil conciliar casa, filho e teatro.
Eu sempre gostei de lidar com o público e me ajudou
muito numa época bastante complicada de minha vida.
Hoje, estou bem melhor e aprendi algumas técnicas como
ritmo, voz até desenvoltura", conta Ana.
SUSANA SARMIENTO
do site Setor3
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