Às 8h30, elas saem de facão
em punho em busca de caules de bananeira, árvore que
empresta a fibra usada em grande parte dos produtos que criam,
como braceletes e brincos. A jornada só termina às
17h30. E ajuda a reduzir os custos da moda originalíssima
que produzem. O grupo de 14 artesãs fez sua estréia
no Fashion Rio e agora quer ganhar o mundo.
No Fashion Rio, enquanto os desfiles
aconteciam nas passarelas, num dos estandes da feira de negócios
que acontece em paralelo, elas exibiam suas criações:
braceletes e brincos de palha de bananeira, colchas de algodão
com macramê, vestidos com renda de algodão e
xales franjados.
Em cada um deles, as aplicações de sementes
e contas garantiam o sucesso das peças e divulgavam
o trabalho das artesãs da cooperativa Estação
do Nó, todas de Miguel Couto, bairro de Nova Iguaçu
(Baixada Fluminense).
"Quando vimos estávamos
todas envolvidas. Parecia um sonho. Nem conseguíamos
acreditar que nossos produtos estavam num evento tão
chique", comemora Adriana Marcionílio, de 30 anos,
uma das artesãs.
Retorno meteórico
Em dezembro, o sucesso se repetiu. A participação
na Feira da Providência, no Riocentro, em Jacarepaguá,
Zona Oeste carioca, contribuiu para tornar os produtos da
cooperativa ainda mais conhecidos e ainda rendeu em torno
de R$ 1 mil.
Um empurrãozinho da ONG Visão
Mundial fez com que peças de cama e mesa da Estação
do Nó também chegassem a uma feira de Olinda,
em Pernambuco. "Mandamos três caixas de produtos
e vendemos bastante", orgulha-se Adriana.
O entusiasmo das artesãs só
não tem sido maior que a surpresa. "Tudo tem acontecido
tão rapidamente. Nem bem começamos, já
estamos colhendo os frutos de nosso trabalho. Muitos artesãos
e estilistas que participaram da Fashion Rio já estavam
no mercado há anos, enquanto nós, com poucos
meses, estávamos conseguindo todo esse reconhecimento",
anima-se Adriana.
Com razão. A cooperativa foi
criada há apenas oito meses, e elas ainda estão
aprendendo a gerir o próprio negócio. Apesar
disso, vêm recebendo mais encomendas do que esperavam.
Vítimas do sucesso
É bem verdade que a cooperativa tem contado com algumas
parcerias valiosas. Do Sebrae (Serviço Brasileiro de
Apoio às Micro e Pequenas Empresas), elas têm
a colaboração constante. E contam com a Coopefati,
uma cooperativa ligada à Casa do Menor, por onde todas
passaram pelo aprendizado de artesanato, para cuidar das questões
burocráticas.
Mas o sucesso, para elas, foi uma
faca de dois gumes. Ajudou a divulgar e a deslanchar o trabalho
da cooperativa, mas tem sido também um de seus grandes
problemas. As encomendas, em número crescente, têm
exigido maior dedicação para um retorno financeiro
ainda quase nulo.
Com isso, das cerca de 25 artesãs
que deram o pontapé inicial à cooperativa, hoje
apenas 14 prossiguem com o negócio.
Até dezembro passado, elas
não tiravam nem um tostão da cooperativa. Todo
dinheiro que entrava servia como capital de giro e era usado
para investir em matéria-prima, segundo garante a responsável
pelas finanças do grupo, Anna Lucy Chenaud, de 49 anos.
"Foi um período
de investimentos, e nem todas concordaram. Muitas não
tinham outra fonte de renda e precisavam de dinheiro, então
acabaram saindo do grupo", garante.
Trabalho duro
O trabalho é pago por produção. "Quem
produz mais ganha mais. É mais justo e evita confusão",
afirma Anna. Ela não esconde que houve muitos conflitos.
Chegaram a tirar dinheiro do bolso para pagar dívidas
e comprar material.
"Mesmo com encomendas
grandes não é fácil, porque existe prazo
para pagamento e o dinheiro demora a chegar. Algumas meninas
não compreendiam e muitas ainda sofriam a pressão
da família", lembra Anna.
Mesmo hoje, o saldo é pequeno,
embora positivo, na opinião das artesãs. Cada
uma delas recebe entre R$ 50 e R$ 100 por mês. Ainda
é muito pouco, principalmente se se levar em conta
a dureza do trabalho. "Mas temos a certeza de que a tendência
é melhorar", anima-se Anna.
O que começou a partir de
um curso promovido pela Casa do Menor, na comunidade, dirigido
pela igreja católica local e com apoio do Sebrae, passou
a ser alternativa de vida e caminho profissional.
"Aprendemos técnicas
de artesanato, como macramé, bordado e confecção
de bijuterias e aproveitamos as afinidades para formar um
grupo e levar adiante um negócio próprio",
conta Anna.
Carregando nas costas
Foi no curso que elas aprenderam a cortar o caule da bananeira.
"Aprendemos isso no curso. E como essa fibra não
é comercializada, onde encontramos uma árvore
que possa ser cortada vamos à luta", diz Adriana.
Ela explica que apenas as árvores
que já deram frutos e que não voltarão
a florescer podem ser cortadas. Pior mesmo é carregar
o caule para casa. "Sempre encontramos um homem caridoso
que nos ajuda a cortar, mas na hora de carregar sobra pra
gente", garante a professora aposentada Joana Pozzi Ferreira,
de 50 anos.
O caule cortado tem que ser usado
no máximo em uma semana. É preciso desfibrá-lo
manualmente e colocá-lo para secar por três dias.
Só então se obtém a matéria-prima
final, parecida com uma fita de palha.
Estação
é terapêutica
Apesar do trabalho pesado, não falta animação
à nenhuma delas. "Tem dia que é dureza,
tem tanta coisa a fazer que as meninas ficam quase loucas.
Então, trocamos idéias, conversamos. É
preciso rir um pouco das próprias dificuldades",
afirma Anna Lucy. Apesar de tudo, ela faz questão de
afirmar que a rotina dura só lhe fez bem.
"Me salvou da depressão.
Dava aulas de reforço escolar em casa, fazia bicos
como manicure, mas estava sem perspectivas e com problemas
pessoais. Achava que ia morrer", lembra.
Depois do curso de artesanato, tudo mudou. Mas a grande virada,
para ela, se deu quando conheceu suas atuais companheiras,
no ano passado.
"Com a chegada dos cursos
de qualificação do Sebrae, o grupo ficou mais
unido. É muito mais prazeroso produzir em quantidade,
ver que as chances de venda aumentam. Sozinha não daria
conta", admite.
Para Joana, que nunca havia trabalhado
com artesanato, a cooperativa foi uma opção
de trabalho independente. Os filhos têm um salão
de beleza e preferiam que ela ficasse em casa descansando
ou que ajudasse no salão. Joana cansou de ouvir que
a cooperativa tinha trabalho demais e dinheiro de menos.
"Queriam que eu desistisse,
mas para mim não é só o dinheiro que
me interessa. A Estação é como uma terapia.
Quero continuar me divertindo, fazendo o que gosto",
afirma, sorridente.
"Pagam sem reclamar"
Com a grana curta, às vezes bate desânimo para
todas elas. A própria Anna admite que chegou a pensar
em desistir. "Mas quando quis chutar o balde, lembrei
do quanto lutamos para chegar aqui e acabei voltando atrás",
confessa.
Agora, nem mesmo a pouca receptividade
das peças na vizinhança faz Anna mudar de idéia.
"Acho que há um certo preconceito. Quando falamos
que trabalhamos com artesanato, tem gente que acha moleza,
não valoriza o que fazemos, preferindo comprar em lojas
conhecidas", reclama.
Ela vai além ao explicar:
"Fazemos roupas que são vendidas em butiques ou
grandes feiras por R$ 80 ou mais. Aqui, oferecemos pela metade
do preço e as pessoas não compram. E não
é por falta de poder aquisitivo porque nos shoppings
elas pagam caro sem reclamar", conta.
Para resolver esse e outros problemas,
elas organizam reuniões periódicas, em que discutem
de questões de relacionamento aos altos e baixos do
mercado.
A consultoria constante do Sebrae
tem sido fundamental para elas. Como muitas de suas peças
já chegaram a outros países pelas mãos
dos estrangeiros que visitam a Casa do Menor, onde alguns
produtos ficam expostos, elas querem preparar estratégias
para conquistar estes mercados no exterior e no restante do
país.
"O próximo passo
é a preparação de um catálogo
de nossos produtos. Mas isso é caro e leva algum tempo",
explica Anna. Também querem qualificar novas profissionais
para ampliar o grupo. "Estamos trazendo gente nova e
com disposição para nos ajudar com o trabalho.
É importante repassar o que aprendemos. Vamos aumentar
ainda mais esta família", afirmam, otimistas.
No que depender de sua vontade, a Estação do
Nó veio para ficar.
CRISTIAN FERRAZ
do site setor3
VILMA HOMERO
do projeto Viva Favela
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