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Quem vê o advogado Edivaldo
Godoy à frente de tantas reivindicações
e lutas na área social, não pode imaginar a
história que está por trás de toda essa
garra para melhorar a situação de crianças,
jovens e adultos que vivem em condições de miséria
na cidade de São Paulo, com grande atenção
para os egressos do sistema penitenciário, já
que ele já foi um também.
Edivaldo ficou órfão
de mãe aos sete anos, e, junto com os irmãos,
foi criado pela avó, já que seu pai era dependente
de álcool e não tinha condições
de cuidar da família. Aos 12 anos, já com a
avó falecida, Edilvado resolveu deixar Catanduva, cidade
do interior paulista, e seguir viagem sozinho para São
Paulo. Ele conta que "deu um jeito de ir para a capital
paulista" de trem, contando com a ajuda de uma senhora
na estação. "Contei uma historia para ela,
dizendo que iria encontrar com a minha mãe na cidade,
e pedi que se alguém perguntasse era para dizer que
eu era filho dela", recorda.
Em São Paulo, Edivaldo foi
viver nas ruas, principalmente na região do Centro
da cidade, como os bairros da Luz, Sé, República,
entre outros. Em pouco tempo, o garoto já estava envolvido
com outros colegas em roubos e pequenos delitos, com um grupo
que chegou a reunir mais de 20 adolescentes nas ruas. Devido
a este comportamento, Edivaldo foi encaminhado à Febem
(Fundação do Bem-Estar do Menor) e, apesar de
chegar a permanecer por diversos meses no local, fugiu 14
vezes e participou de rebeliões.
"A situação
era barra. Tinha muita tortura e espancamento. Agora mudou
a política. Mas, antes, os funcionários tratavam
os jovens como um infrator comum, como um adulto. Eles estavam
ali somente para punir. Não havia essa separação
por idade e crime, como estão tentando fazer agora",
comenta.
Quando completou 18 anos, Edivaldo
permaneceu apenas oito meses em liberdade. Foi preso por diversas
vezes por roubo, mas pagava a liberação e era
colocado em liberdade. No entanto, quando foi pego em flagrante
pela policia, acabou sendo realmente condenado por diversos
processos. "Eu fiquei uns cinco anos indo somente nas
audiências do fórum. E a pena foi aumentando.
Chegou a vir de uma vez três mandados de prisão
com condenação, com quatro, cinco anos cada.
Chegou uma hora que eu pensei que nunca mais iria sair da
prisão". No total, foi condenado a ficar 62 anos
recluso.
Durante os dezoito anos que ficou
preso, Edivaldo passou por diversas penitenciárias,
como a Casa de Detenção, a Penitenciária
do Estado, além das cidades de Araraquara, Avaré,
Campinas, Sorocaba, entre outras. Isso acontecia porque ele
tinha fama de agitador, que comandava as rebeliões,
mas somente como o "cabeça" da operação.
"Para eles, se tinha um homem ali pensando, então
era ele o culpado, no caso eu. De madrugada eu estava dormindo
na cela, me pegavam, jogam dentro do camburão e me
mandavam para outro lugar. Minhas malas estavam sempre arrumadas.
Eu nem arrumava a cela que ia ficar quando chegava numa nova
penitenciaria. Muitas vezes nem sabia porque tinham me mudado
de lugar", afirma.
Edivaldo se recorda da extrema violência
que ocorria nas prisões, com muitas mortes, devido
à constante luta pelo poder. Para se manter vivo, ele
tinha que ser neutro e lutar pela sua neutralidade, principalmente
quando surgiram as facções. "Você
não sabia se vai estar vivo no dia seguinte",
destaca. Em alguns momentos, Edivaldo teve ainda de vivenciar
a experiência do isolamento, onde uma vez chegou a ficar
por seis meses. "Você fica isolado de tudo mesmo
e não tem noção de tempo, dia e noite.
É desesperador. Ali, o preso pode ler somente a Bíblia
ou livros da sua religião".
E foi desta maneira que Edivaldo
se aproximou da religião. "O que mudou a minha
vida foi a fé e o trabalho. Na prisão você
está muito aberto para isso, já que está
passando por uma situação de fundo de poço
mesmo. A fé é fundamental para a mudança.
Muitos, por sua própria vontade não conseguem
mudar, mas quando buscam uma força exterior, e acreditam
que vai mudar aquilo, aí muda", afirma o advogado,
que hoje é também pastor da Assembléia
de Deus.
Com o tempo, Edivaldo decidiu retomar
os seus estudos. Ele fez supletivo e participava das aulas
do Telecurso, que eram transmitidas em uma sala da penitenciária.
"Às vezes, só dava eu na frente da televisão.
O guarda passava pela cela chamando o pessoal que tinha se
inscrito, mas todos ficavam dormindo. Eu, no entanto, estava
lá na sala antes mesmo de abrir. Ficava estudando enquanto
os caras estavam jogando bola. Eles falavam que eu estava
maluco. Mas foi por essa razão que eu consegui coisas
que outros não conseguiram", conta.
Como sempre gostou de ler, Edivaldo
começou a estudar também os códigos e
as leis brasileiras, até mesmo para ajudá-lo
nos processos, já que a questão jurídica
nas prisões é muito difícil, tendo em
vista que a grande parte da população carcerária
não tem advogado. Com ele a situação
não era diferente. Edivaldo pegou alguns livros da
biblioteca da penitenciária e depois começou
a solicitar também das editoras. Aos poucos, ele já
fazia recursos para ele e também para os outros colegas.
"Os seja, assim eu mantinha também a minha neutralidade.
Eu não estava de lado nenhum e todo mundo precisava
de mim".
Em 1996, por meio de um contato com
a Embaixada dos Estados Unidos, Edivaldo conseguiu fazer cursinho
preparatório para o vestibular e passar no curso de
Direito na Pontifícia Universidade Católica
(PUC). No entanto, o juiz não autorizou a saída
do detento para as aulas regulares. Edivaldo decidiu então
ingressar no curso de Direito do Centro de Educação
Aberta à Distância da Universidade de Brasília,
por meio de tutoria, feita por um professor da Universidade
de Campinas (Unicamp).
Quando foi transferido para a Penitenciária
de Franco da Rocha, Edivaldo conseguiu um tutor da Universidade
de São Paulo (USP) para continuar seus estudos. Nesta
época, devido ao seu bom comportamento, ele foi beneficiado
com reduções de pena, obtendo o direito de prisão
em regime semi-aberto. Passou então a freqüentar
as aulas regularmente por meio do Centro Acadêmico (CA)
na Faculdade do Largo São Francisco da USP. Conseguiu
um trabalho no CA e acabou se tornando diretor de cidadania.
Com outros colegas de estudo, ajudou a criar diversos projetos
sociais, entre eles o Instituto Sou da Paz.
Enquanto ainda cumpria pena em regime
semi-aberto, Edivaldo inaugurou a Associação
SOS Carentes, na Barra Funda, zona Oeste de São Paulo,
tendo em vista as dificuldades que ele já tinha passado
nas ruas da cidade. Os amigos emprestaram o dinheiro para
a parte burocrática de fundação da entidade.
A primeira ação da associação
que uniu mais alguns voluntários, foi a entrega de
sopa para moradores de rua. Com o tempo, pessoas vieram se
unir ao SOS Carentes para aprender a experiência e inaugurar
outros grupos, como o Anjos da Noite. De 10 voluntários,
a ação chegou a ter mais de mil pessoas envolvidas.
A SOS Carentes atende, em média
100 pessoas por dia, oferecendo alimentação,
roupas, cobertores e encaminhando para albergues, tratamento
médico, casas de recuperação de drogados.
Há também uma atenção especial
para a situação das crianças que vivem
na região conhecida como "Cracolândia",
na área central da cidade, devido ao grande número
de usuários de crack. Para atender com mais qualidade
estas crianças e adolescentes, a SOS desenvolveu um
projeto para a construção de um núcleo
sócio-educativo, que irá oferecer oficinas de
artesanato, artes, música, informática e dança,
além do atendimento às famílias. O espaço
já foi cedido e agora a entidade está em busca
de empresas para patrocinar as atividades.
A questão do egresso também
é uma prioridade da organização, já
que dados de 2003 mostram que 4 mil homens são colocados
em liberdade mensalmente em São Paulo. A entidade faz
atendimento jurídico quando necessário e encaminha
os ex-presidiários para cursos no Senai, principalmente
voltados para a área de construção civil.
O novo projeto Pé na Rua irá ampliar essa atuação
de forma inovadora.
Em Franco da Rocha está sendo
construído um espaço com capacidade para abrigar
36 egressos em período integral. O local terá
dormitórios, sala de leitura, de jogos e de televisão,
além de cozinha e um espaço para oficina. Ali,
durante seis meses, os egressos poderão viver e ainda
aprender uma profissão, com os cursos oferecidos em
parceria com o Senai. Eles receberão todo o apoio jurídico
e pessoal necessário neste período para readaptação
social. O projeto, orçado em R$ 150 mil, com o gasto
mensal de R$ 15 mil, já está no Ministério
da Justiça para aprovação e apoio financeiro.
A SOS Carentes pretende ainda retomar
os trabalhos da Cooperativa Técnica de Manutenção,
que já deu bons resultados junto aos egressos, permitindo
que muitos montassem seus próprios negócios,
além de uma ação mais próxima
junto à Febem. Para o advogado, as organizações
devem ser, acima de tudo, agentes transformadoras, com a proposta
de auxiliar, orientar, acompanhar e fiscalizar as ações.
Por isso, participa ainda como presidente da Sociedade Amigos
da Barra Funda, em que, uma das ações de destaque,
foi o apoio em janeiro de 2004, para as famílias da
favela Sabrico que perderam suas casas em um incêndio
no local.
"Tudo isso significa para
mim a realização de um sonho. É você
ter a responsabilidade diante da comunidade, de seu país,
de mudar aquela situação. Tentar fazer alguma
coisa. Com todos os problemas que temos, se ficarmos omissos,
as coisas tendem a piorar. Temos que fazer a nossa parte.
Meu desejo é de contribuir para que o paradigma da
violência e da desigualdade, possa ser apenas uma lembrança
triste do país".
Serviço
Associação SOS Carentes
Endereço: rua Cruzeiro, nº 371, Barra Funda, São
Paulo
Telefone: (11) 3612-3939
Fax: (11) 3612-3945
E-mail: soscarentes@ig.com.br
DANIELE PRÓSPERO
do site setor3
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