Eduardo de Carvalho, 31 anos, vai
passar três meses longe da esposa e da filha, ministrando
palestras ecológicas ao longo do rio São Francisco.
A empreitada, um tanto incomum para este administrador de
empresas paulistano, será realizada a bordo do único
barco no mundo construído a partir de garrafas PET
e aprovado por um órgão competente –o
Ministério da Marinha brasileiro.
A construção do barco foi uma idéia
que Eduardo desenvolveu em conjunto com o engenheiro naval
Marcos de Parahyba Campos. A embarcação possui
22 pés (cerca de sete metros) de comprimento e toda
a parte inferior é formada por 2.040 garrafas PET que
garantem a flutuação. A principal força
motriz é eólica, mas existem as possibilidades
de se utilizar remos e motor. Além disso, ele conta
com GPS, (Posicionamento Global por Satélite), 24 cartas
topográficas, rádio VHF, luzes de sinalização,
bússola, buzina, dois extintores de incêndio,
vela de reserva e completo equipamento de sobrevivência,
entre outros.
A viagem começará em maio deste ano, no porto
fluvial de Pirapora, Minas Gerais, e terminará três
meses depois em Juazeiro, Bahia. Serão seis mil quilômetros,
sendo 1371 navegando ao longo do rio e o restante por estrada,
cruzando cinco estados (Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas
e Sergipe), parques nacionais e diversas áreas de potencial
turístico. Durante o trajeto, Carvalho fará
palestras nas comunidades locais, sobre educação
ambiental, uso racional da água, a importância
da reciclagem de lixo e até mostrando brinquedos que
podem ser feitos com garrafas PET. Em entrevista ao Cidadania-e,
ele conta como foi transformar o ideal ecológico em
um projeto consistente e quais as expectativas com relação
a essa viagem.
Cidadania-e: Como surgiu seu interesse pela ecologia?
Eduardo de Carvalho: Sempre gostei de esportes outdoor.
Desde os meus 15 anos, nado em rios, pratico rapel e tudo
quanto é tipo de atividade em contato com a natureza.
Procurei aliar essa satisfação pessoal com a
vontade de colocar em prática um projeto mais engajado
socialmente, que tratasse das questões da preservação
de espécies ameaçadas de extinção
e das paisagens nas quais eu cresci e que aprendi a respeitar.
Cidadania-e: Quanto tempo levou para elaborar a viagem?
Eduardo de Carvalho: Foram dois anos de pesquisa.
O primeiro passo foi buscar informações sobre
o rio São Francisco no que se refere à fauna
e à flora, aspectos culturais, folclóricos e
econômicos, além da navegabilidade. Depois de
verificar que é possível navegar naquele espaço
e ter um diálogo com as populações que
moram próximas, aí sim eu parti em busca de
um engenheiro naval que pudesse desenvolver um barco com garrafa
PET dentro do padrão de segurança que eu queria.
Nessa busca, encontrei o Marcos de Paraíba Campos,
que é formado pela USP, um profissional gabaritado,
que desenvolveu o projeto do barco.
Cidadania-e: E como foi a reação do
engenheiro ao seu primeiro contato?
Eduardo de Carvalho: Inicialmente, foi um espanto,
que até é esperado, mas ele, como eu, é
um entusiasta dessas atividades incomuns. Daí começamos
a desenvolver o projeto. Entre a primeira reunião e
o barco pronto na água, levou quase um ano.
Cidadania-e: Por que garrafa PET?
Eduardo de Carvalho: Estava praticando rapel em Brotas,
São Paulo, quando vi que no lago que se formava abaixo
da cachoeira existiam várias garrafas PET flutuando.
Aí me ocorreu um pensamento contraditório: por
um lado, achei ruim elas estarem ali, uma vez que estão
poluindo aquele lugar bonito; por outro lado, achei interessante
no aspecto de elas flutuarem muito bem. Mesmo aquelas que
estavam abertas ou inundadas de água não afundavam.
Então eu pensei: “Está aí um material
que foi feito especialmente para flutuar”.
Cidadania-e: Que tipo de apoio financeiro o senhor
obteve para essa empreitada?
Eduardo de Carvalho: A princípio, todo o custo
desse projeto, desde a pesquisa até a construção
do barco, saiu do meu bolso. A única parceria que estabeleci
até agora foi a do site Webventure, que vai colocar
as informações do dia-a-dia dessa expedição
na seção de expedições. Por isso,
neste ano de 2005, comecei a procurar desesperadamente por
outras empresas parceiras que queiram colaborar com o projeto.
As pessoas que estiverem interessadas poderão entrar
em contato pelo e-mail projetomegapet@projetomegapet.com.br.
Cidadania-e: Quanto já foi investido?
Eduardo de Carvalho: Esse dado eu ainda não
posso revelar. Mas posso adiantar que espero contar com o
apoio de empresas que comercializem produtos com algum vínculo
com o projeto – desde protetor solar, produtos alimentícios
e equipamentos, até fabricantes de garrafa PET. Acredito
que o projeto tem um apelo que está em sintonia com
um universo grande de ideais e valores ecológicos positivos.
Cidadania-e: Quantas pessoas vão viajar no
barco de garrafa PET?
Eduardo de Carvalho: O barco está aprovado
pela Marinha Brasileira para suportar até dez pessoas,
mas para essa viagem eu estipulei no máximo duas, por
ser mais confortável, seguro e principalmente por apresentar
um custo menor. O Ricardo Castilho vai me acompanhar a maior
parte do tempo nessa viagem, só que em outro barco.
Cidadania-e: Durante o trajeto dessa viagem, existem
trechos poluídos?
Eduardo de Carvalho: Diversos. E é bom conceituar:
um rio poluído pode parecer bonito, com cheiro relativamente
agradável, e na prática estar contaminado, com
água imprópria para o consumo ou uso doméstico.
São diversos os trechos em que o rio está nesse
estado – e eu estou preparado para não nadar
nessas ocasiões.
Cidadania-e: Como o senhor se preparou para ministrar
aulas de educação ambiental?
Eduardo de Carvalho: Com relação às
palestras, entrei em contato com a Abipet – Associação
Brasileira da Indústria do PET, e também com
o Compromisso Empresarial para a Reciclagemem (Cempre). Com
relação à logística das palestras,
o meu contato foi com as secretarias municipais de educação
e cultura para agendar as palestras. Nós vamos passar
por mais de 50 municípios. Não vamos fazer paradas
em todos, mas o critério que estamos adotando é
o das pausas que respeitem a logística de abastecimento
da embarcação. Além das palestras, também
estaremos desenvolvendo oficinas nas quais estaremos ensinando
crianças a desenvolver brinquedos com garrafas PET.
Essa medida, além de incentivar a reciclagem do material,
pode ser um fator de renda familiar, porque os brinquedos
produzidos poderão ser comercializados como um artesanato
local.
Cidadania-e: Quais as suas expectativas?
Eduardo de Carvalho: Levar a mensagem ecológica
para o maior número de pessoas possível. O projeto
já vem alcançando uma divulgação
interessante, e vem chamando a atenção para
esse conteúdo. Quando se fala de lixo e poluição,
as pessoas pensam na poluição industrial, que
é um grande problema, mas que é tão grave
quanto o problema do lixo doméstico. Também
quero desmistificar a idéia de que o principal vilão
da poluição de PET do Brasil é o fabricante
de garrafa. O usuário que faz o consumo do PET e depois
o joga no meio ambiente também tem parcela de responsabilidade.
Então, a idéia é passar para as pessoas
que por meio de pequenos gestos é possível minimizar
esse problema.
AMANDA VIEIRA
da Fundação Banco do Brasil
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