Pé na estrada para conhecer
a saúde bucal de todas as regiões do Brasil.
Foi isso que fez o cirurgião-dentista Cássio
de Melo que decidiu atender pessoas de todos os sotaques a
bordo de um Ford Cargo, um caminhão cedido pela montadora,
responsável pelo Programa Sorrindo com a Ford –
Assistência Odontológica para os Caminhoneiros.
Conhecido como Odontomóvel, o programa é voltado
para o atendimento gratuito a caminhoneiros. O dentista instala-se
em postos de gasolina das rodovias para realizar um trabalho
de conscientização da boa higiene bucal, fornecendo
um kit (com escova, creme e fio dental) e tratamento para
os caminhoneiros, sua família e comunidade da estrada.
O automóvel possui ar condicionado, esterilização
de ar, carroceria isotérmica e equipamentos para um
atendimento adequado.
Desde 1986, o dentista Cássio fez trabalho voluntário
em comunidades de baixa renda, principalmente na Vila Brasilândia,
zona norte de São Paulo. O trabalho na periferia já
alertava a falta de informação e má higiene
bucal de muitos. Como encontrava casos graves nas comunidades,
imaginava como seria no restante do país. Cássio
começou elaborar a idéia de um projeto de uma
unidade móvel de atendimento aos caminhoneiros.
Assim, o dentista decidiu desmontar seu consultório
e instalar uma unidade de atendimento numa rodovia movimentada.
Em 1995, Cássio atendeu num posto de abastecimento
da Régis Bittencourt, onde realizou um levantamento
epidemiológico, ou seja, um relatório com as
principais ocorrências, durante dez dias sobre os caminhoneiros
que passam por lá.
"Mais de 90% das pessoas que atendia não iam
ao dentista há mais de cinco anos para fazer um tratamento
ou uma revisão periódica, apenas recorriam ao
dentista quando tinham um grande problema", conta Cássio.
O dentista correu atrás de patrocinadores de carros,
pneus e áreas relacionadas a caminhoneiro, mas continuava
trabalhando em favelas. Numa entrevista a uma revista, Cássio
falou que seu sonho era atender gratuitamente caminhoneiros
para rodar todas as regiões, principalmente as mais
pobres. Logo em seguida, a Ford se interessou pelo projeto
e tornou-se parceira do projeto.
Com o patrocínio, o projeto começou na cidade
de Cambé, próximo de Londrina (SC). Os problemas
mais comuns detectados eram na gengiva, acúmulo de
tártaro (placa bacteriana), falta de higiene bucal
(pouca escovação e limpeza com fio dental),
prótese quebrada e outras coisas. "Geralmente,
a gente lida com a população adulta e percebíamos
a má-informação. Ou a pessoa está
com a auto-estima lá em baixo e não cuida de
si mesmo", afirma Cássio.
No primeiro ano de projeto, Cássio fez cerca de 12
viagens e agora em 2004, já foram 45, percorrendo estados
como Bahia, Paraná, Piauí, Ceará, Rio
de Janeiro entre outras cidades e capitais de todas as regiões.
"Chega muita gente apenas com o pino da prótese
e já tem o apelido de janelinha. Ela agüentou
uns cinco anos sem dente, acumulando sujeira no local",
conta Cássio. Os caminhoneiros não têm
tempo de ir ao consultório, porque precisam entregar
suas encomendas no prazo. Há falta de estrutura nos
locais que passam e quando vão ao dentista é
apenas em casos de emergência. Para atender a todos,
Cássio conta com ou auxiliares Josineide Ferreira e
Wilson Masseia.
De acordo com Cássio, um dos fatos mais curiosos
foi quando perguntou a um caminhoneiro o que ele fazia ao
sentir dor de dente. O paciente respondeu que coloca estopa
molhada com água de bateria, sendo que um dos componentes
é ácido sulfúrico (altamente cancerígena).
"Ainda ele falou que dava uma dor aguda e o dente estourava,
mas depois passava. Além disso, disse que fazia também
bochecho com óleo de freio. O pior que essas pessoas
não fazem apenas uma vez. Muitas vezes, eles começam
a fazer isso aos 22 anos até alguém instruí-los
que é perigoso", conta Cássio.
Cássio fica em rodovias para facilitar o tratamento
de sua clientela, mas também atende os moradores de
beira de estrada. Uma vez, foi procurado por um rapaz com
o carro do ano, na cidade Santa Inês, interior do Maranhão.
O rosto estava inchado como uma bola de futebol de salão.
Já fazia 12 dias que o rapaz estava com dificuldade
na alimentação e respiração, até
que conheceu Cássio em uma matéria na televisão
e resolveu sair da capital (São Luís) para ser
atendido por ele. "O rapaz estava com uma grave infecção
e o inchaço representa o pus que invade os tecidos
da boca e pescoço. Tive que fazer uma drenagem vias
extra oral. Antes de ir a um consultório, estava fazendo
banho de erva para curar", afirma Cássio.
"Você ouve histórias cômicas e trágicas
ao mesmo tempo. Como, por exemplo, um rapaz de aproximadamente
33 anos que não tirava a prótese há 12
anos da boca. Já um senhor de Nova Iguaçu (RJ)
tinha limo na língua e nos dentes. Outros que escovam
dentes com galhos de árvores mais macios como joá
e até carvão. Geralmente, estes últimos
casos ocorrem mais no sertão do Piauí, interior
da Bahia e Ceará", revela o dentista.
De acordo com os dados do Programa, Cássio já
percorreu 157.512km em 22 estados brasileiros. Passou por
172 municípios e atendeu 15.658 pessoas, sendo que
89% eram caminhoneiros. O dentista-voluntário promoveu
palestras em 66 escolas para 37.875 crianças e distribuiu
kits de higiene bucal para 53.533 pessoas.
"É muito gratificante trabalhar e ajudar outras
pessoas. Você percebe na hora que o paciente está
melhor após a consulta, pois ele já muda a feição.
O agradecimento vem sempre do coração",
conclui Cássio.
SUZANA SAMIENTO
do site Setor3
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