No meio do Jardim São Luis,
zona Sul de São Paulo, um pequeno grupo se reúne
para discutir grandes idéias e planos pra lá
de ousados. A Comissão Eco-Social, formada em setembro
pelos gestores e educadores das organizações
não-governamentais Casa dos Meninos, Associação
Rainha da Paz, Fundação Dixtal, Casa de Cultura,
com apoio do Senac São Paulo e da Habitat - Projeto
e Desenvolvimento do Ambiente Urbano e Habitado, quer realizar
diversas intervenções na comunidade a fim de
promover uma transformação da realidade local,
pensando o envolvimento dos cidadãos com o meio ambiente
urbano.
O trabalho começou com a proposta de criar um Parque
Cultural num espaço da comunidade que, apesar de ainda
preservar um pouco da Mata Atlântica, já foi
bastante devastado. O terreno, no entanto, é do governo
do Estado e precisa ser transferido para a prefeitura para
que uma possível parceria seja estabelecida e o parque
possa sair do papel. "Decidimos então fazer uma
comissão para ampliar esse debate e não ficar
esperando a ação do governo. A idéia
era pensar as questões do paisagismo e urbanismo nessa
região de uma maneira mais ampla. Percebemos que isso
era muito maior do que um simples projeto, mas sim um modelo
de desenvolvimento local que poderíamos trazer",
comenta Elisabeth Kuhnen, mediadora da Rede Social São
Luis, fomentada pelo Senac São Paulo e do qual as organizações
fazem parte.
Por isso, a primeira ação do grupo foi realizar
um levantamento de todos os projetos que já existiam
com este foco. Foram identificados cerca de 16 trabalhos já
desenvolvidos e outros que estavam sendo elaborados. A partir
daí, o grupo começou a definir sua forma de
atuação. A proposta é trabalhar em rede
e com parcerias para promover diálogos comunitários,
com o objetivo de estabelecer uma relação de
confiança e harmonia no local, realizar pesquisas de
problemas e soluções, para atender às
necessidades locais prioritárias, além de desenvolver
atividades educativas para a conscientização
e sensibilização, a fim de resgatar a auto-estima,
a cidadania e a inclusão social.
Todas essas ações foram estruturadas em quatro
áreas centrais: arte e cultura, educação
ambiental, lixo e saneamento, e verde e natureza. O bairro
enfrenta hoje problemas de grande quantidade de lixo e entulho
jogados nas ruas e praças, tanto pelos moradores quanto
pelas empresas, além de uma falta de coleta adequada,
já que possui muitos morros e vielas, e o caminhão
da coleta não chega. Há locais ainda como uma
favela instalada numa área rebaixada, com casas de
palafita encima de um córrego ou até esgoto
a céu aberto.
"O projeto vem ao encontro das necessidades da comunidade
de trabalhar estas questões ambientais. Aqui tem muita
gente num espaço muito pequeno. O lado bom é
o relacionamento próximo, mas também as coisas
ficam tão misturadas que você não sabe
o que é seu e o do outro. Enfrentamos ainda problemas
de respeito ao outro mesmo. Alguns moradores do bairro, que
têm uma situação financeira melhor, ficam
alheios ao que ocorre aqui porque não se sentem parte
disso. Só dá valor ao que é da sua origem.
Eles dizem: 'não é nosso mesmo!'", comenta
a jovem Marciléia Lacerda, moradora do bairro e também
educadora da Fundação Dixtal.
Para incorporar essa questão da identidade local,
o grupo percebeu que mais do que uma mudança paisagística
e urbanista, era preciso trabalhar a mudança de valores
das pessoas. Segundo Elisabeth, a comunidade precisa se sentir
parte e atuar no processo para que realmente cuide do local
onde mora. Caso isso não ocorra, até podem ser
realizadas algumas ações, como plantio de árvores
ou mutirões para a retirada de lixo, mas, com o tempo,
tudo estará novamente depredado e devastado
"Muitos projetos fracassam justamente por impor as
ações na comunidade. A nossa proposta é
justamente construir com a comunidade. Somos pessoas que vivem
na cidade e querem transformá-la, por meio de uma relação
de fato com a natureza. Trazer de volta a fauna e a flora
para o local. Percebemos que muitos moradores do bairro têm
essa relação afetiva com o campo porque vieram
de diversas regiões do Brasil com esse perfil",
comenta Regiane Queiroz, arquiteta urbanista e vice-presidente
da Habitat.
Ela afirma que irá trabalhar com a comunidade a recuperação
da visão de paisagem, que não existe mais em
São Paulo, devido à falta de limites com que
a cidade cresceu ao longo da sua história, destruindo
sua vegetação, como a Mata Atlântica.
"Para você pensar em não violência,
redução das desigualdades e inclusão,
a gente tem que olhar para estas regiões castigadas
desmontando, primeiramente, a visão de periferia, que
coloca na marginalidade as pessoas que vivem aí e,
por outro lado, tentar encantar as pessoas para o que pode
ter de bom e agradável", completa a arquiteta.
Elizabeth lembra ainda que a arte será o instrumento
para trabalhar esse encantamento, envolvendo as pessoas na
criação e novas vivências. Uma das idéias
é, por exemplo, fazer rodas de produção
de fuxico (uma técnica de artesanato), onde as pessoas
possam conversar e se sensibilizar para a realidade local,
enquanto criam algo. Por isso, a primeira ação
será uma investigação na comunidade para
verificar o que as pessoas querem de mudanças e o que
cada uma pode contribuir neste processo. O grupo busca agora
um diálogo mais próximo com a sub-prefeitura
da região para resolver os problemas legais das áreas.
A idéia é conquistar novas parceiras para a
execução dos projetos.
Algumas ações já começaram a
ser desenvolvidas. Os estudantes de arquitetura Luciana de
Araújo Ribeiro e Thiago Macedo, por exemplo, se envolveram
com a Comissão Eco-Social e já irão promover
algumas intervenções levantadas como necessárias
pelos moradores. Eles elaboraram um projeto para uma praça
da região que está com acúmulo de lixo
e depredada e também outra proposta para uma passagem
dentro da favela Fim de Semana, que tem casas ao lado e também
um córrego, e sofre com as chuvas.
De acordo com Thiago, esse contato próximo com a
comunidade é essencial para a realização
das intervenções. "O problema é
que muitos profissionais vêem a situação
de fora, lá do seu escritório, e não
sabe realmente o que acontece dentro da favela. Não
é a sua realidade e faz um projeto que não condiz
com a necessidade local. Antes de chegar aqui no grupo, não
imaginava que havia toda essa organização no
bairro".
Algumas ações que já vinham sendo desenvolvidas
no local, como o projeto Belos, da Fundação
Dixtal, receberão reforço. O projeto busca a
transformação visual das ruas, praças
e espaços públicos do bairro, promovida pelas
pessoas por meio da beleza, da arte. A última atividade
realizada foi no início de dezembro, em que artistas
e grafiteiros começaram a pintar e desenhar no muro
do cemitério do Jardim São Luis. Marciléia
Lacerda explica que a proposta é mudar esse cartão
postal de violência do bairro, que hoje, "é
o símbolo de descaso, abandono e exclusão social".
Meio ambiente urbano
Regiane Queiroz lembra que, atualmente, grandes lideranças
atuam em duas frentes: nas questões da sustentabilidade
urbana e nas relativas às matas e florestas. No entanto,
a arquiteta acredita que essa visão para o urbano,
que é a proposta da Comissão, ainda afasta muito
os especialistas da área. "É difícil
trabalhar com isso porque são estas regiões
que hoje concentram a grande parcela da população.
E não temos no país essa cultura urbanística
e de planejamento. As pessoas não olham a cidade de
cima, não andam por ela sentindo, procurando soluções
criativas. As pessoas acabam aceitando, assim, a situação
do jeito que está", destaca.
A Habitat, por exemplo, enfrenta estas dificuldades principalmente
quando o assunto é moradia popular. A OSCIP, que foi
fundada há dois anos, por um grupo de arquitetos, engenheiros,
assistentes sociais e educadores, que trabalham há
anos com estas questões, desenvolve atualmente cerca
de 20 projetos dessa natureza, junto à CDHU ou Cohab.
A vice-presidente ressalta que o grande problema está
no fato dos órgãos responsáveis não
pensarem em todos estes aspectos da sustentabilidade urbana
ao construírem estes espaços.
A entidade enfrenta uma resistência forte quando tenta
interferir e passar princípios de construção
sustentável, de maximizar o uso da energia da luz natural,
incorporar um outro conceito de moradia. "Sabemos que
as pessoas que vivem no contexto favelizado, quando vão
para estas habitações, não se adaptam.
Estamos pensando em como ajudar nesta transição.
Essas construções não priorizam a continuação
do convívio de amizade, solidariedade, que elas tinham
naquele outro espaço, apesar de todos os problemas.
Estes prédios construídos pela CDHU são
todos iguais, o que é muito maçante. Isso também
é um fator de exclusão", explica.
Outra barreira enfrentada pela organização
é a conquista de financiadores para seus projetos,
como mutirões, capacitação técnica,
intervenções urbanística, publicações,
entre outros. Regiane acredita que a fonte de recursos está
nas instituições estrangeiras e no governo,
mas que as entidades têm de enfrentar grande concorrência
com as demais na busca de parceiros. Para a vice-presidente
da Habitat, seria preciso que o governo tivesse um sistema
transparente e eficiente na transferência desses recursos
e que as empresas realmente assumissem ações
de responsabilidade social e não filantropia.
"Além disso, alguns projetos fazem de conta
que estão produzindo e conseguem recursos. E, aqueles
que iriam mais a fundo no problema, não conseguem.
Isso porque ainda vivemos uma cultura assistencialista muito
forte. E, portanto, quando você quer mexer nas estruturas,
de transformação mesmo, encontra dificuldades",
avalia Regiane.
DANIELE PRÓSPERO
do site Setor3
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