RIO DE JANEIRO (RJ) - Aos
62 anos, o comerciante João Braga tem fôlego
de rapaz. Todos os domingos ele sobe a serra da Pedra Branca,
na zona oeste do Rio, carregando perto de 25 quilos na mochila.
A cerca de 300 metros de altura, prossegue em seu trabalho
de reflorestamento. João já plantou mais de
1.200 mudas nos últimos dois anos, e agora quer criar
uma brigada ecológica na região.
São ipês, uva japonesa,
acácias rosa, ingás e jasmins manga. Mudas que
ele compra, consegue através da Embrapa (Empresa Brasileira
de Pesquisa Agropecuária), do Instituto Estadual de
Florestas ou com amigos. "As árvores frutíferas
são mais sensíveis e precisam de sombra por
isso não costumo plantá-las", explica.
Para Braga, morador de Realengo (zona
oeste), maior do que o esforço físico é
o que faz para conscientizar a população local
da importância de preservar a região. "Isso
é o mais difícil. Todo mundo acha linda a natureza
no programa Globo Repórter e a palavra ecologia virou
moda. Mas assumir um papel ativo, e não apenas o de
espectador do trabalho alheio, isso ninguém faz",
reclama.
Vale a pena viver
A idéia do reflorestamento surgiu quando Braga percebeu
a degradação de uma região que fez parte
de sua infância. "Sempre estive envolvido com o
plantio. Meu pai tinha uma vacaria e eu costumava levar o
gado para o morro, que naquela época era mata fechada.
Eu tinha até algumas árvores preferidas, onde
sempre me acostava para descansar", conta.
Adulto, seu contato com a natureza
se restringiu aos momentos de lazer. "Comecei a mergulhar
e viajei muito. Realizei até o sonho de ir a Fernando
de Noronha, onde adotei uma tartaruga do Projeto Tamar, de
proteção à espécie", conta.
Seu outro hobby é voar de
ultraleve. "É justamente quando percebemos a natureza
e nos damos conta de que fazemos parte dela que tenho a certeza
de que vale a pena viver", diz. Depois de tantas viagens,
ao voltar ao cenário de sua infância, Braga encontrou
uma imagem desoladora. A invasão do gado, as queimadas,
o desmatamento e o despejo de lixo mudaram inteiramente o
lugar que ele conhecia.
"O pior está na
mentalidade de muitos que acham que a preservação
ambiental não é problema seu. Desta forma todos
destroem e deixam destruir", fala.
Quando viu sua árvore preferida,
uma mangueira centenária, coberta de cipó e
quase morrendo, Braga percebeu que não podia ficar
de braços cruzados. "Tudo estava diferente",
lembra. Ele se deu conta de que, pertinho de sua casa, um
lugar marcante em sua vida estava sendo destruído.
Antes que acabassem com tudo, ele
passou do pensamento à ação. E depois
de um ano e meio, viu o esforço parcialmente recompensado,
com a recuperação da mangueira de sua infância.
Ação
conjunta
Para tentar aumentar o número de mudas sobreviventes,
que até agora não passa de cerca de 300, Braga
chamou um amigo, o artista plástico e também
morador de Realengo Ângelo José Ignácio,
de 46 anos. Ângelo, por sua vez, chamou um terceiro
companheiro, para juntos, acompanharem a subida da serra.
"Sozinho, Braga planta
menos de dez mudas num dia, enquanto nós três
plantamos 50. A produtividade aumenta muito quando tem mais
gente. Enquanto um tira o capim seco que destrói as
plantas nas queimadas, o outro cava o buraco em locais próximos
à passagem de água e o outro planta. É
essencial pensarmos numa ação maior", afirma
Ângelo.
Essa ação maior é
o projeto Brigada Ecológica João Braga - nome
ainda em discussão porque a modéstia de João
não o deixa à vontade com a homenagem –
que recentemente foi encaminhado aos órgãos
competentes.
A idéia é mobilizar
a secretaria estadual de Educação e o Exército
numa ação ecológica conjunta."Queremos
entrar nas escolas para incentivar os jovens em questões
ecológicas, colocando-os para trabalhar no tempo livre",
diz o artista plástico.
Do Exército, eles querem as
ferramentas para o plantio, uniforme e segurança de
alguns soldados, "que formariam um pelotão ecológico",
explica Ângelo. Até agora, só conseguiram
resposta do Exército, que cedeu suas instalações
na área para estocagem de mudas. Braga também
já pediu autorização para o Ibama (Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis)
para seu trabalho de reflorestamento.
"Ainda não consegui. Mas
tenho certeza de que a situação anterior não
era melhor do que a de hoje e por isso não vou ficar
travado pela burocracia nem usá-la como desculpa para
ficar vendo a destruição", afirma Braga.
Plantar árvores
para quê?
Seu trabalho de formiguinha intriga muita gente.
Dono de uma vidraçaria, membro do Lions Clube, da Maçonaria
e da Câmara Comunitária de Realengo, e da Associação
de Meio Ambiente de Bangu (Zona Oeste), Braga sempre arranja
tempo e disposição para dedicar a seu esporte
preferido: cultivar o verde.
"Alguns moradores daqui
já vieram me perguntar para que eu plantava tantas
árvores. Respondi que era para eles, seus filhos, netos
e todo planeta", diz. É bem verdade que ele não
guarda ilusões de salvar o mundo. "Tenho consciência
de que sozinho não salvo nada, mas posso ajudar. Faço
a minha parte. E prefiro perder meu tempo nesta luta do que
em papo furado em botequim", explica.
O exemplo de Braga influenciou seu
xará, o capixaba João Serafim, de 66 anos, que
o conhece desde a juventude e admira o que ele faz. Criado
na roça, Serafim faz bicos de capinagem em sítios
da região e sua casa é um ponto de parada no
trajeto de Braga morro acima.
"Acho muito bom todo esse
trabalho. Procuro ajudar, fazendo o que aprendi com ele. Não
corto árvore para pegar lenha, procuro as secas e tento
preservar o máximo. Quando vejo alguém jogando
lixo, eu reclamo. Se a gente não for cuidar do lugar
onde vive, quem fará? Doido legal igual ao Braga não
tem muitos", elogia Serafim.
O que atrapalha é
o gado
Na casa de Serafim, Braga descansa, bebe água e joga
conversa fora. Ali, ele também aproveita para guardar
mudas. "É um momento agradável de rever
amigos. Mas quanto à participação na
preservação, diferente do que disse Serafim,
acho que isso deve ser visto como obrigação
de todos e não como mérito", acrescenta.
Ele já recebeu ameaças
de pessoas que usavam o local como esconderijo e tinham envolvimento
com criadores de gado. "Me disseram que eu estava me
metendo numa área que devia continuar quieta e que
o gado não deixaria de circular por ali. Mas como tenho
tímpano furado, deixei o desaforo entrar por uma orelha
e sair pela outra. Hoje eles ficam na deles e eu na minha",
conta, rindo.
O que continua atrapalhando ainda
é o gado. "Que come muitas mudas. Para evitar
isso, tenho plantado ipê rosa - que nem as formigas
cortadeiras e nem o gado gostam de comer - como barreira de
proteção para outras mudas. E aproveito o que
os bois deixam como adubo", acrescenta.
Tudo tem sido conquistado com muito
esforço. O que Braga sabe sobre plantas aprendeu na
prática: "Cresci vendo minha família lidar
com a terra e com os animais e hoje ainda faço a manutenção
do jardim da Igreja Nossa Senhora da Conceição,
aqui em Realengo, num trabalho voluntário".
O amigo biólogo Antônio
Barbas também dá dicas. "Sempre trocamos
idéias. Foi ele, por exemplo, quem me falou da importância
de se plantar leguminosas, para reter nitrogênio no
solo deixando-o mais rico para o desenvolvimento das mudas",
conta.
Nesse meio tempo, obras do governo
do Estado sinalizam que o projeto de criação
de um parque florestal naquela área, com banquinhos,
caminhos e quadras, e espaço para atividades de lazer,
começa a sair do papel.
"Esperamos que invistam
também em atividades de educação ambiental
e no reflorestamento da serra como um todo e não apenas
para embelezar a entrada", diz Ângelo. Uma possível
parceria nessa área poderia viabilizar a idéia
de Braga de criar também ali um berçário
de mudas.
"Assim não precisaríamos
de doações e ainda se evitaria todo o transtorno
com o transporte", diz Braga. Enquanto sonha com o Portal
Norte inteiramente plantado e suas idéias continuam
no papel, ele prossegue seu trabalho, com ou sem ajuda: "Só
me arrependo de não ter começado antes".
As informações são
do site Setor3.
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