|
A fala de Lady Aquino, presidente
do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), durante o encontro
Diálogos de Fundações, no final de fevereiro,
em Brasília, não deixa dúvida sobre o
seu caráter: firme, preocupada, engajada. Lady, ou
melhor, Maria de Araújo Aquino e Dona Raimunda Silva
são exemplos de lideranças femininas que surgiram
no país nos últimos anos. Se antes o feminismo
era representado por mulheres intelectuais, brancas e de classe
média, hoje são as trabalhadoras rurais que
reivindicam mais cidadania e ações.
Principalmente no Norte do país. Dados recentes do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE
(2003) mostram que a mulher brasileira vem superando o homem
em diversos setores do mercado de trabalho, sobretudo na liderança
de movimentos sociais, mas ainda não consegue alcançar
os melhores salários e cargos. No que depender da região
Norte, a inferioridade com relação aos homens
tende a cair.
Aos 39 anos, Lady Aquino, que mora
em Xapuri, no Acre, casada, mãe de um filho, viu sua
vida mudar ao assumir a presidência do GTA e abandonar
o campo, onde era trabalhadora rural. A vida de Dona Raimunda
Gomes da Silva, coordenadora da Secretaria da Mulher Trabalhadora
Rural Extrativista do Conselho Nacional dos Seringueiros CNS,
também perfaz o itinerário de uma lutadora:
mãe de seis filhos, sendo um adotivo, há pouco
tempo se aposentou como trabalhadora rural. Aos 64 anos, D.
Raimunda, quebradeira de coco, mantém uma firme liderança.
É em busca da autonomia em suas atividades econômicas
que trabalham Lady Aquino e Dona Raimunda.
“A participação
das mulheres vem crescendo de forma sólida ao longo
dos anos, principalmente na política, que abriu espaço
para que ampliassem o trabalho que vinham realizando no campo
social. Existe também um crescimento do número
de mulheres liderando os movimentos sociais. Um fato novo
é que elas estão na gestão de movimentos
não necessariamente feministas. Eu destacaria o caso
do GTA e da Articulação no Semi-Árido
Brasileiro (ASA). São duas grandes redes sociais, que
têm mulheres em sua coordenação, a Lady
Aquino e a Valquíria Lima, respectivamente. Com seu
trabalho, as duas vêm influenciando as políticas
públicas e sociais e melhorando a vida de muita gente”,
exemplifica Zezé Weiss, especialista em desenvolvimento
social e sociedade civil do Banco Mundial.
Crédito para as mulheres
Para Lady Aquino, a questão da igualdade salarial
com relação aos homens ainda é um desafio,
embora tenham mais espaço no setor público e
no produtivo. Uma das conquistas, segundo ela, foi o crédito
específico para as mulheres. “Hoje a trabalhadora
solteira, se inscreve no Incra e tem sua terra registrada
em seu nome, o que antes era muito difícil de acontecer
sem ajuda de um homem”, ressalta a presidente do GTA.
Lady Aquino coordena atualmente as
mais de 600 organizações que fazem parte do
Grupo de Trabalho Amazônico - GTA, órgão
da sociedade civil criado em 1992 com o objetivo de promover
a participação das comunidades da floresta nas
políticas de desenvolvimento sustentável. A
Rede GTA é formada por dezoito coletivos regionais
em nove estados brasileiros que ocupam mais da metade do tamanho
do país, envolvendo agricultores, seringueiros, indígenas,
quilombolas, quebradeiras de coco de babaçu, pescadores,
ribeirinhos e entidades ambientalistas, de assessoria técnica,
de comunicação comunitária e de direitos
humanos.
A coordenadora do Conselho Nacional
dos Seringueiros, Dona Raimunda Silva, também aponta
alguns desafios que as mulheres vêm enfrentando na região
Norte do país, como a questão da saúde:
“Algumas mulheres não têm conhecimento
do próprio corpo, pois muitos maridos não as
deixam fazer os exames de prevenção no colo
do útero, de câncer de mama”, revela. D.
Raimunda, acrescentando que as dificuldades de deslocamento
e comunicação na região Norte também
dificultam o acesso a esses recursos. Ela acredita que as
parcerias com os setores públicos e, por que não,
com organismos internacionais são caminhos para combater
o problema da saúde e para gerar o desenvolvimento
sustentável na Amazônia como um todo.
Dona Raimunda Gomes foi a primeira
coordenadora eleita para a Secretaria da Mulher Trabalhadora
Rural Extrativista do Conselho Nacional dos Seringueiros,
criada em 1995 em reconhecimento à importância
das mulheres nos movimentos organizados. Incentivou as mulheres
a obter identidade própria e a gerir os seus negócios.
A secretaria trabalha pela conscientização de
ambos os sexos, levando até as comunidades das reservas
extrativistas programas de educação, saúde,
combate à pobreza e fortalecimento do papel da mulher
nas cooperativas e associações.
Sobre a atuação do poder
público nessa área, Dona Raimunda avalia: “Participamos
do primeiro encontro de políticas públicas para
as mulheres e acredito que o governo tem exercido um papel
importante ao abrir espaço para a participação
de entidades diversas”. Ela defende que a atuação
em parceria é fundamental para incentivar a agricultura
familiar e o desenvolvimento sustentável: ”As
prefeituras podem fortalecer os bons programas que já
existem, direcionando recursos ou ajudando a captar de outras
fontes e aprimorar a gestão”.
Restauração
da cidadania
A fotógrafa Claudia Ferreira, que lança
nesta semana o livro Mulheres em movimentos (Ed. Aeroplano),
junto com a médica Claudia Bonan, há vinte anos
acompanha os movimentos sociais e de mulheres no país.
“A grande mudança do feminismo, nos anos de 1990,
foi a introdução de outras mulheres e com isso
o movimento deixou de ser de intelectuais brancas de classe
média. Com a entrada das trabalhadoras rurais, das
mulheres negras e indígenas, das lésbicas, houve
uma ampliação do movimento e um envolvimento
maior com a restauração da cidadania e da redemocratização”.
Lady Aquino mostra isso na prática.
Aprimorar a gestão das entidades também é
uma preocupação do Grupo de Trabalho Amazônico.
Aquino revela que o GTA trabalha há um ano em um projeto
para a articulação de empreendedoras da região
Norte. “Primeiro estamos fazendo um diagnóstico
da situação dessas mulheres para conhecer que
tipo de artesanato, alimentos e produtos elas desenvolvem
para que depois possamos auxiliar melhor na gestão
e nos processos”.
Segundo a presidente do GTA, as perspectivas
para 2005 são positivas: “A articulação
de empreendedoras pode ajudar na busca de soluções
e de mecanismos para facilitar o escoamento dos produtos,
um dos grandes desafios nessa área”.
AMANDA VIEIRA
VALÉRIA LAMEGO
DANIELLE CHEVRAND
do site da Fundação Banco do Brasil
|