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Carolina Lopes
Como praticamente toda rádio comunitária,
a Rádio Heliópolis, veículo de comunicação da maior favela
do país, nasceu da idéia de dialogar com a comunidade. Seus
idealizadores queriam tirar os moradores da favela da passividade
e os tornarem atores na transformação de sua realidade. “A
gente queria era puxar a orelha do povo, dizer que eles têm
direitos, mas também têm deveres. Sem saber estávamos montando
uma rádio comunitária”, conta Gerô, coordenador geral e locutor
da rádio.
A dimensão que essa idéia tomou, tornando-se hoje uma referência
de rádio comunitária no Brasil, só foi possível por conta
de um enorme esforço dos participantes e de muita fé. Sim,
fé, na transformação, que, segundo explicação de Gerô, é ainda
requisito fundamental para participar desse projeto; assim
como ser residente da favela. “A gente sabia que não adiantava
botar um locutor famoso na rádio, que entendesse de técnica,
mas não entendesse a nossa realidade, que não tivesse a nossa
linguagem. Nós sabíamos falar com a favela, coisa que ninguém
que está fora daqui saberia fazer”, conta o entusiasta da
rádio que hoje cursa o terceiro ano de jornalismo da Faculdade
São Marcos para aprimorar o veículo.
Quando nasceu, em 1992, era só uma cabinezinha de onde eram
emitidos os sons que ecoariam aos 120 mil habitantes da favela
através de cornetas instaladas improvisadamente nos postes
do bairro. Foram telefonemas e mais telefonemas reclamando
que a rádio não era ouvida em suas casas que os organizadores
da rádio notaram a receptividade do veículo. Começaram então
a investir em tecnologia.
O sucesso da rádio, para Gerô, se deve à diversidade da programação
veiculada. “Aqui moram diversos públicos. De seguidor do Candomblé
à fiel do evangelho. Criança, adulto, jovem, idoso. Gente
que gosta de forró, Rap, música sertaneja. Criamos então uma
programação para todo tipo de morador. Isso que entendemos
que é comunitária”. Para não criar divergência de gostos e
pensamentos eles repetem a velha fórmula: “Em futebol, política
e religião a gente não se mete”, ri o coordenador, que garante
transmitir informação isenta aos moradores, além de conseguir
uma convivência harmônica entre os programas religiosos.
Além de uma programação que agrada a gregos e troianos, a
rádio presta um efetivo serviço à comunidade. É reconhecida
como um bem da favela, ou mesmo sua porta-voz. O que é claramente
notado na relação que os moradores têm com a mesma: “Se a
gente coloca um locutor que o povo não gosta, não vinga. Ligam
na hora dizendo: Gerô, não estou gostando disso não”, conta.
A rádio parece ter espaço para tudo. São transmitidas informações
da comunidade, da imprensa oficial, variado repertório musical,
programas de fé, de opinião, educativos, campanhas locais
(em geral para mobilizar a comunidade em prol de alguém que
esteja passando por qualquer tipo de dificuldade ou mesmo
para ações maiores como a reconstrução de uma favela vizinha
que pegara fogo), e é utilizada até para passar recados. “Uma
vez chegou uma senhora em Heliópolis procurando sua filha.
Como não lembrava onde era a casa dela veio para a rádio.
A gente começou a divulgar o nome da filha na rádio e em menos
de meia hora ela estava aqui na porta com o irmão procurando
a mãe”, lembra Gerô, contando histórias recorrentes em que
a rádio dialoga com as pessoas da favela.
De rádio poste a freqüência modulada (FM) a rádio passou por
diversas dificuldades. Mas, com o apoio de patrocinadores
que acreditam no projeto, é que hoje possuem uma antena bem
localizada, um transmissor, um computador “faz-tudo”, uma
sede, além de terem passado por cursos de capacitação que
profissionalizaram o trabalho dos 32 colaboradores voluntários
da rádio.
A Faculdade de Saúde Pública contribui na conscientização
da população sobre diversos tipos de doenças, como evitá-las,
como tratá-las. A Rádio Oficina, que promove cursos pagos
na área, capacitou os locutores gratuitamente. A Oboré, empresa
de comunicação popular e principal parceira da rádio, tem
contribuído com a articulação com diversos grupos que a rádio
se relaciona, o que tem a impulsionado, entre outras parcerias.
A Oboré também tem sido fundamental na garantia da existência
da rádio tanto juridicamente como economicamente. Isso porque
a conquista da sanção da Lei
14.013, que toca num ponto financeiro crucial da rádio
- a questão do apoio cultural (comerciais) -, contou com a
contribuição da empresa, que encampou a luta na cidade de
São Paulo com apoio de diversos setores. Para qualquer veículo
é bastante difícil se manter sem o dinheiro da venda de espaço
comercial. Antes da Lei era proibido que rádios comunitárias
veiculassem comerciais em sua programação. Agora a realidade
do veículo é de maiores perspectivas. “Entendemos que essa
era uma forma de esmagar as rádios comunitárias, que se tornam
economicamente inviáveis”, reflete Gerô. Além do obstáculo
legislativo a rádio não tem aparelhagem profissional para
produzir boas vinhetas comerciais. O “estúdio” da rádio não
tem nem impermeabilização acústica.
Mas juridicamente a rádio ainda enfrenta sérias dificuldades.
No início desse ano receberam uma carta da Anatel informando
que a rádio sairia do ar. Provisoriamente a rádio não foi
fechada por conta de uma grande articulação política. O Itaú
Cultural, um dos parceiros do veículo, produziu um documentário
sobre a rádio que foi enviado para Brasília e defendido por
políticos como Chico Macena (PT), Soninha (PT), Carlos Néder
(PT), Ricardo Montoro (PSDB) e Beto Custódio (PT), historicamente
ligados à luta pela normatização da situação das rádios comunitárias.
Mas para regulamentar a rádio de vez e tirá-la da marginalidade,
seus responsáveis acabam de fazer um levantamento de toda
a documentação exigida pelo Ministério das Comunicações para
o funcionamento, e enviada há duas semanas para Brasília.
Estão agora à espera de aprovação.
Unidade de Núcleos Associações e Sociedades dos Moradores
de Heliópolis (UNAS)
A UNAS é a associação da favela de Heliópolis que congrega
uma série de entidades locais. Nascida na década de 70, ela
é hoje o órgão mais atuante da região. A rádio Heliópolis
é um dos projetos idealizados e realizados pela entidade,
que possui diversos outros trabalhos na área social. São eles:
lavanderia comunitária, Núcleos Sócio-educativos, creches,
telecentros, atendimento Jurídico, programas de educação,
alimentação, saúde, esporte, geração de renda e projetos habitacionais.
Funciona com o apoio de parcerias e é constituída por uma
diretoria eleita pelos próprios moradores, conforme estatuto
social.
Leia
mais sobre a Unas
* - vinheta da Rádio.
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