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As sociedades quilombolas têm
encontrado dificuldades para manter vivas sua cultura e suas
tradições, que muitas vezes esbarram nas relações
econômicas praticadas atualmente. Com o objetivo de
encontrar soluções para esses problemas dentro
das próprias comunidades, o Movimento Consciência
Negra Palmares (ONG Palmares), a Assessoria para Economia
Popular Solidária e a Delegacia Regional do Trabalho
do Rio Grande do Sul (DRT-RS) criaram o projeto Quilombolas
em Rede.
A idéia inicial é fazer
com que os quilombolas vejam na união uma forma de
ajudar a superar os problemas econômicos que enfrentam.
Através de compras coletivas, a meta inicial é
diminuir os preços dos alimentos e outras mercadorias
que os moradores tenham necessidade de adquirir. Deste modo,
a margem de negociação seria maior, reduzindo
os preços e obtendo mais rapidez na entrega.
O projeto recebeu o investimento de
R$ 500 mil do Programa Petrobras Fome Zero e foi lançado
no dia 18 de maio. Há um ano, no entanto, já
vem sendo desenvolvido em caráter experimental. Um
projeto-piloto foi implementado nas comunidades de Rincão
dos Martimianos e São Miguel, localizadas em Restinga
Seca, na região central do Rio Grande do Sul. Elas
apresentaram seus resultados iniciais, definiram expectativas
e deram novas possibilidades à iniciativa. “Foi
uma experiência importantíssima. Com o projeto-piloto,
fomos descobrindo novas possibilidades”, afirmou Neusa
de Azevedo, delegada da DRT-RS.
Em relação ao resultado,
de acordo com a delegada, os preços diminuíram
em torno de 20% depois que as famílias quilombolas
se uniram para as compras. Além disso, as entregas
puderam ser feitas diretamente no local, eliminando a necessidade
do transporte de cada família, individualmente.
Após um ano de experiência,
o Quilombolas em Rede foi definido em três eixos: desenvolvimento
sustentável, economia solidária e fortalecimento
da cultura quilombola. Agora envolverá mais 18 quilombos,
além dos dois que participaram do projeto-piloto. Foram
escolhidos aqueles que têm maior organização
e envolvimento com as lutas das comunidades quilombolas.
Através da capacitação
em permacultura, que passa a integrar o projeto, os quilombolas
poderão identificar o melhor produto a cultivar na
terra disponível e a forma mais adequada de utilizar
os recursos que a natureza oferece em suas comunidades. “Além
disso, com o desenvolvimento sustentável, aprenderão
também como explorar a terra, respeitando seus limites
e permitindo que a agricultura no local permaneça”,
explica Neusa de Azevedo. O treinamento será feito
pelo Instituto de Permacultura e Ecovilas do Pampa (Ipep),
com o qual foi firmada uma parceria.
Tudo o que for produzido e comprado
coletivamente será de propriedade da comunidade, seguindo
assim o ideal da economia solidária. “Não
queremos que um indivíduo plante em seu quintal e passe
a ganhar o seu dinheiro. A saída deve ser comunitária,
não individual”, argumenta Azevedo. De acordo
com a delegada, esta meta segue os pressupostos da homologação
de terras quilombolas, em que a propriedade é dada
à associação dos moradores da comunidade
e não é feita divisão em propriedades
privadas.
Mesmo sendo o projeto feito por entidades
de fora do quilombo, a idéia não é implementar
ações nesses espaços, mas sim envolver
os moradores no processo de decisão. Para isso será
criado o Comitê Gestor Local, composto por moradores
da comunidade, que tem como função decidir o
produto e a quantidade do que será comprado e o que
será produzido. “O Quilombolas em Rede pretende
ser um início para que essas comunidades andem com
as próprias pernas e sejam auto-sustentáveis”,
afirma Neusa de Azevedo.
A manutenção dessas populações
em seus territórios originais e a valorização
da sua expressão favorece o fortalecimento da identidade
dessas comunidades. Com a participação dos quilombolas
na definição da produção, espera-se
que sejam recuperados histórias e métodos de
agricultura tradicional daquela comunidade. A troca de experiências,
principalmente com os mais velhos, faz com que a cultura daquele
povo seja valorizada e, ao mesmo tempo, envolva a comunidade
nesse processo de decisão.
Em um outro momento, pretende-se que
as 20 comunidades formem uma rede de consumo em que as compras
possam ser feitas em conjunto também entre os quilombos
e que haja uma forma de troca entre os produtos produzidos.
“Caso seja possível, podem comercializar com
outros lugares também. O importante é que encontrem
saídas por si mesmos”, explica Azevedo.
Capacitação
digital
Para a capacitação, foram instalados
computadores nas comunidades, para uso do Ipep. Os moradores,
porém, se apropriaram das máquinas. “Eles
passaram a fazer as listas de compras nos programas do computador”,
conta, animada, a delegada. Dessa forma, o projeto conseguiu
que os computadores ficassem nos quilombos.
Durante o lançamento da iniciativa,
no dia 18, com a presença de agentes comunitários,
foi feita uma palestra sobre a história dos quilombos
e sobre o consumo ético, que também é
uma das metas. É assim que se pretende construir uma
nova trajetória para os quilombos do Rio Grande do
Sul, sem perder de vista seus valores tradicionais.
ITALO NOGUEIRA
do site rits
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