|
Quando, em 1998, Conceição
Paganele, hoje presidente da Associação de Mães
e Amigos da Criança e do Adolescente em Risco (AMAR),
soube que seu filho havia se tornado dependente químico,
cometido um roubo e por isso seria internado na Febem, seu
mundo caiu. "É difícil assumir que o filho
da gente roubou. Você cria um filho para ser bem-sucedido
na vida, para ser doutor, trabalhador. Quando tem que assumir
que o filho é drogado, que é ladrão,
a dor não tem limite", confessa.
Naquele momento, ela queria um "colo",
alguém a quem pudesse recorrer para chorar, para pedir
apoio. Viúva, Conceição não tinha
o marido para compartilhar as angústias. Procurou organizações
governamentais, tentou recorrer aos Conselhos Tutelares, mas
não encontrou o que precisava.
Sozinha, ela não podia ficar. "Se eu tivesse que
enfrentar isso sozinha, morreria. Porque a depressão
é o fim", diz. Por isso, resolveu se juntar a
outras mulheres, também mães de adolescentes
que cometeram ato infracional, e criou a AMAR.
"Aqui, as mães
recebem um apoio de colo. O acolhimento é de igualdade,
de olho no olho. A mãe que tem um filho na Febem vai
sentir que existem outras mulheres com o mesmo problema, o
mesmo sofrimento e acaba se fortalecendo. Ela percebe que
seu filho não é o primeiro nem vai ser o último
a passar por uma situação dessas", explica
Conceição. Além de atendimento psicológico
e jurídico aos pais, a AMAR atualmente recebe denúncias
sobre os casos de tortura e maus tratos na Febem e torna esses
casos públicos. Paralelamente, desenvolve projetos
de prevenção junto a adolescentes (como oficinas
de karatê, capoeira e reforço escolar em seu
espaço em Cidade Tiradentes, zona Leste de São
Paulo) e de apoio familiar para que o adolescente que sai
da Febem seja aceito pela família e se reinsera na
sociedade.
Omissão do Estado
Se Conceição Paganele teve coragem de criar
uma organização de apoio, frente à omissão
do Estado, essa não é a sorte da maioria das
mulheres qu passam por situações similares.
De acordo Irene Rizzini, professora da PUC-Rio de Janeiro
e presidente do Centro Internacional de Estudos e Pesquisas
sobre a Infância (CIESPI), ainda se discute muito pouco
a necessidade de o Estado criar políticas públicas
de suporte às mulheres - sobretudo para as que estão
em idade reprodutiva e pertencem às classes populares.
Mas para ela, uma rede de apoio sócio-familiar seria
fundamental, pois as mulheres que vivem essa realidade não
têm orientação para fazer corretamente
suas escolhas. Ela explica que, enquanto as mulheres das classes
altas e médias recebem orientação de
sua família e de profissionais mesmo antes de ficarem
grávidas, as jovens e adolescentes das classes populares
ficam desamparadas. Não sabem como cuidar de seus filhos,
quantas crianças são capazes de ter e educar
dignamente, ou como evitar que esses meninos sigam a trajetória
das ruas.
Nos grande centros urbanos, uma situação
cada vez mais presente é que essas jovens perdem o
contato com seus parentes e passam a constituir famílias
isoladas. E, sem o suporte adequado, as histórias de
mães que perdem um ou vários filhos para o tráfico,
e para as a rua acumulam-se.
Muitas vezes, o que se vê são gerações
e gerações de mulheres vivendo em situação
de vulnerabilidade nos centros urbanos. Irene afirma que é
comum encontrar uma adolescente grávida, que tem uma
mãe vivendo nas rua e uma avó que enfrentou
as mesmas dificuldades. No entanto, essas mulheres não
podem ser culpabilizadas por não dar a correta atenção
a seus filhos, pois elas são também vítimas
de décadas de omissão Estado e não aprenderam
a viver de outra forma.
Para evitar esse tipo de situação,
a professora considera essencial elaborar um conjunto de políticas
públicas que dê sustentação a essas
mulheres. Mas alerta que as respostas deveriam ser construídas
conforme as demandas específicas de cada mulher - sejam
físicas, materiais, psicológicas. "No caso
da violência doméstica, por exemplo, os municípios
precisam criar propostas diferentes de apoio a para cada membro
da família, de tal forma que cada um desenvolva suas
potencialidades da melhor forma", afirma. Isso evitaria
o sentimento de solidão e de culpa, enfrentado por
Conceição Paganele e outras mulheres brasileiras.
Amor de mãe
Durante os sete anos de atuação da
AMAR, Conceição conta que sempre recebeu mães.
Raramente os pais se responsabilizam pelo filho que cometeu
um ato infracional. Já as mães - ainda que solteiras,
viúvas, desquitadas, que precisem trabalhar fora de
casa ou cuidar dos outros filhos - nunca deixam de acompanhar
os processos de internação de seus filhos.
De certa forma, o mesmo acontece
na AACD, organização que atende crianças
com deficiência, além de oferecer orientação
psicológica às mães. Conforme conta a
psicóloga Iracema Maceira Pires Madaleno, normalmente
são as mães que levam as crianças para
serem tratadas na organização.
"A sociedade em geral
espera da mãe que ela assuma as tarefas da casa, dos
filhos, do marido, que trabalhe fora e que, em último
lugar cuide de si mesma. No caso das mulheres que têm
filhos com algum tipo de deficiência, as mães
ainda são 'super-cuidadoras'. São elas que trazem
os filhos de ônibus, dão continuidade ao tratamento
em casa, dão banho nas crianças, acompanham
os avanços e ajudam a criança a desenvolver
seu potencial. O pai fica mais ausente", explica Iracema.
"Até existem homens que vão à AACD,
mas é muito mais difícil", completa.
A psicóloga diz que isso acontece
por fatores culturais e pelo tipo de relacionamento que a
mãe cria com o filho. "É um sentimento
de amor incondicional. O filho pode fazer qualquer coisa,
que a mãe acaba aceitando. O pai não tem tanto
esse sentimento", diz.
Conceição Paganele
concorda. Ela acredita que o que faz a mãe estar tão
presente é "um amor sublime, que só o de
Deus se aproxima.". Intuitivamente, a presidente da AMAR
constata que a mãe é a principal responsável
pela estrutura familar.
"A figura masculina é
fundamental para a criança. Mas sem a mãe, a
família fica completamente desestruturada. Não
vejo a famíla sem essa figura de fortaleza, sem essa
parceira dos filhos e do marido que é a mãe.
Tanto que normalmente, quando a mulher não está
presente na família, o homem encontra uma nova companheira,
mas quando a mulher fica sozinha, ela assume os papéis
de pai e mãe", pondera.
De fato, é a mãe que
dá sustentação para a família,
explica Irene Rizzini. Os laços afetivos estabelecidos
entre a criança e sua mãe (ou qualquer outra
pessoa que assuma esse papel, como uma mãe adotiva,
uma avó, uma tia etc) são fundamentais para
que todo o potencial da criança seja desenvolvido.
"Mãe é aquela
pessoa que passa a mensagem: 'eu me importo com você
e o que você fizer estarei observando'. É aí
que está o segredo", define a pesquisadora. Quando
ninguém desempenha esse papel na família, o
desenvolvimento da criança fica prejudicado. Tanto
que a maioria das crianças que estão nas ruas
ou em abrigos apresentam elos afetivos muito frágeis.
Mas por que esse é um papel
assumido pela mãe e não pelo pai? Para Irene,
isso é um reflexo das raízes do mundo ocidental,
no qual a mulher, principalmente a partir do século
XIX, foi encarada como a principal responsável da família,
"a rainha do lar". Ela lembra que, no mundo oriental,
ao contrário, onde não existe o divórcio,
há uma pressão maior para que o pai não
seja tão omisso, que esteja mais presente na educação
dos filhos.
Apesar de a discussão sobre
o papel da mulher e do homem na sociedade contemporânea
ter se aprofundado nos últimos anos, e das mulheres
terem saído de casa para trabalhar, na prática,
o que se observa é que não houve uma troca de
papéis entre homens e mulheres, sobretudo nas classes
médias e populares do Brasil.
As mulheres apenas acumularam funções
em cima das que já desempenhavam. A pesquisa "Desenhos
de Família", realizada pela professora Sônia
Gomes Sousa, da PUC-Goiânia e por Irene Rizzini, em
2002 comprova. Entre as 5 mil famílias entrevistadas,
90% ainda admitiam que os deveres da casa, a responsabilidade
pela saúde e educação das crianças
ficava por conta de quem assumia o papel parental feminino.
O pai era associado apenas aos casos em que se falava de esportes,
videogames e computadores.
LAURA GIANNECCHINI
do site setor3
|