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São oito horas da noite e
o bar do Zé Batidão enche cada vez mais. Jovens,
crianças, adolescentes, adultos e famílias inteiras
se acomodam nas mesas e pedem a famosa carne de sol. É
mais um encontro do Sarau da Cooperativa Cultural da Periferia
(Cooperifa), que ocorre todas às quarta-feiras das
oito até meia noite, no bairro de Piraporinha, zona
Sul de São Paulo.
Criada em 2000, a Cooperifa foi idealizada
pelo poeta Sérgio Vaz com objetivo de reunir artistas
da periferia e desenvolver atividades culturais, como teatro
e exposição de fotografia em praças,
bares, galpões e diversos lugares. No final de 2002,
começaram os saraus, em que artistas de vários
lugares se encontravam às quinta-feiras. Na época,
chamava-se quinta maldita. Durante um ano e meio, os saraus
da Cooperifa ocorreram numa fábrica abandonada em Taboão
da Serra, município de São Paulo, e nos últimos
dois anos acontecem no bar de José Cláudio Rosa,
mais conhecido como Zé Batidão (batidão
pelas famosas batidas).
Sérgio pediu a Zé o
espaço de seu bar para realizar o sarau. Afinal de
contas, o poeta conhecia bem a comunidade de Piraporinha,
já que seu pai foi dono deste bar anos atrás.
"Como conheço Sérgio desde pequeno, cedi
o espaço do bar para o lançamento do seu primeiro
livro e agora para a realização do sarau. No
começo queriam colocar na segunda, mas falei que não
daria certo, porque o povo ainda está de ressaca do
final de semana e decidimos pela quarta-feira", afirma
seu Zé.
Na última quarta (20/04),
cerca de 120 pessoas foram no sarau, sendo que trinta delas
colocaram seus nomes na lista dos poetas "anônimos".
"Isso daqui é muito bom, porque a mídia
costuma mostrar apenas coisas ruins da periferia e aqui tem
muita gente boa e talentosa. No começo era um pouco
parado, mas a tendência é aumentar cada vez mais.
Estamos só no começo", ressalta seu Zé.
Segundo Marcu Pezão, jornalista
e um dos integrantes da Cooperifa, entre os 50 freqüentadores
um possui um livro editado e aponta o sarau como um espaço
importante para aquele que quer apresentar seus trabalhos
e acaba se tornando mais um rastilho de pólvora. "Nós
falamos que isso (o sarau) vai queimar como rastilho de pólvora
e está acontecendo", aponta.
"Reunimos cerca de 100
pessoas de toda São Paulo. Levantamos a questão
da condição do ser marginalizado e contamos
com a parceria (e presença) de várias entidades,
como: Becos e Vielas, Rainha da Paz, Bloco do Beco, movimento
1da Sul e outros. Queremos tirar as pessoas da frente da televisão
e mudar a imagem da periferia violenta. Nós estimulamos
a leitura e escrita. Muitas pessoas voltaram a estudar e passam
a ter proximidade com a literatura. Aqui não é
concurso. É um festival, em que as pessoas mostram
diferentes visões para vários assuntos e têm
liberdade para expor", relata Pezão.
Hoje, o sarau da cooperifa serve
de exemplo para muitas comunidades desenvolverem o mesmo movimento
cultural. Como, por exemplo, o município de Itapecerica
da Serra pediu ajuda para organizar um sarau, já Embu
das Artes se reúne todas as sextas enquanto Campo Limpo
e Osasco ainda vão começar seus encontros. Todos
vão para o sarau da Cooperifa e trocam experiências
e dicas com os articuladores mais experientes.
No dia 11 de maio, o sarau da Cooperifa
recebeu a doação de 70 livros do site Leia Livro
para distribuir entre as mães que forem no sarau. "Vamos
dar um livro e uma rosa. Estamos recebendo doação
e não esmolas. Ou seja, queremos livros em bons estados
e interessantes para incentivá-las a lerem. Não
adianta mandar um livro de Nietzsche ou outros autores de
difícil compreensão. Podem enviar livros no
estilo de Paulo Coelho e Sidney Sheldon, por exemplo. O importante
é ter uma linguagem acessível a todos",
destaca Sérgio.
Os encontros do sarau resultaram
num livro de poesias, O rastilho da pólvora - Uma antologia
poética do Sarau da Cooperifa, de 43 artistas anônimos
da periferia. Foi lançado em dezembro de 2004 e contou
com o apoio do Instituto Itaú Cultural para sua publicação.
O tema do dia: um ato político
contra a barbárie
Cada quarta tem um tema no sarau da Cooperifa. No dia 20 de
abril, o tema era um ato político contra barbárie
e foi marcado por várias críticas a morte do
papa, chacina na Baixada Fluminense e dos últimos acontecimentos
políticos. Sérgio começou a contar o
ultimo episódio marcante entre as comunidades, a chacina
de 30 pessoas na Baixada Fluminense. "Imagine que são
nove horas da noite e 15 pessoas são mortas no Shopping
Morumbi e Iguatemi. A repercussão seria diferente.
Não seria a mesma coisa que matar pretos, pardos e
mulatos da periferia, como aconteceu no Rio. Precisamos fazer
um ato contra a barbaridade do ser humano. A idéia
do ato é mudar depois de cada sarau e lutar sempre
contra a mediocridade. Pela tragédia com nossos companheiros
do Rio, coloco a bandeira brasileira a meio palmo", lembra
Sérgio.
Após os comentários
da tragédia no Rio, Sérgio dá início
ao sarau e, de forma divertida e informativa, chama os poetas
anônimos da periferia. São estudantes, trabalhadores,
donas-de-casa, professores, jornalistas, rappers (ainda desconhecidos
entre a classe média e elite), poetas anônimos,
dentre outros.
Um dos poetas aplaudidos foi Valmir
da Silva Vieira. O poeta anônimo trabalha com a pintura
industrial e há dois anos freqüenta os encontros
literários. "Sérgio me convidou para participar
do sarau e até hoje estou aqui. Venho todas as quartas
e já escrevi mais de 30 poesias. Estes encontros aumentam
nossa auto-estima da comunidade e faz muito bem ouvir e produzir
poesia. Aqui rola de tudo", explica Valmir.
Além do Valmir, o jovem Rafael
Pereira da Silva, 16 anos, conhecido como PH Bone, cantou
sua letra de rap "Definam a quem estou me referindo".
Ele participa do sarau desde agosto de 2004 e foi um amigo
que indicou o sarau. Ph gostou dos encontros e na segunda
vez já trouxe uma poesia e até hoje não
perde um sarau.
PH Bone já escreveu seis letras
de rap e é representante do Soldado do Baixo Escalão,
um grupo de jovens da comunidade que desenvolve vários
projetos e eventos para arrecadar recursos e doações
à comunidades. O adolescente é responsável
pela parte do hip hop. Além disso, Ph é articulador
social da Fundação Dixtal, uma entidade sem
fins lucrativos que desenvolve trabalho comunitário
na zona sul de São Paulo.
"Eu parti para o lado
mais literário, mas já li várias obras.
Como Maquiavel, Lênin, Che Guevara e outros. Estas obras
me ajudaram a construir minha ideologia. Me identifico mais
com o Lênin, porque ele também gosta de jogar
xadrez e tenho a mesma ideologia. Muitos só conhecem
o crime da periferia e aqui você tem música,
literatura e arte de uma forma geral. É muito louco
conhecer diferentes obras como Carlos Drummond e outros poetas
que você escuta aqui", conta
Já a Edelaine Demucio, vice-presidente
da Casa dos Meninos, é a primeira vez que visita o
sarau e aprovou a iniciativa. A entidade também promove
saraus esporadicamente. "Quanto mais movimento desse
tipo, mais vamos conseguir aglutinar pessoas interessadas
em conhecer coisas diferentes. Divulgar obras de poetas e
outras coisas da própria periferia teria que ser imprescindível,
mas ainda não é", ressalta Edelaine.
O casal Marcelo Beso, bancário
e poeta anônimo, e Célia Harumi, antropóloga,
também freqüenta o Sarau da Cooperifa e acha interessante
a iniciativa, já que as pessoas que participam são
interessadas em poesia e procuram escrever cada vez mais com
qualidade. "Depois que vim pra cá muitas coisas
que acreditava mudaram. O preconceito, o modo de ver a estrutura
de vida e o compromisso social foram algumas das coisas que
mudaram. Tinha vergonha e agora consigo falar uma poesia na
frente de todos. É um grande aprendizado e, principalmente,
para o jovem da periferia que ganha voz e aprende a refletir
aos valores ditados. Ele vê a necessidade da mudança
estrutural. Aprender a ouvir, falar e respeitar. Isso é
um privilégio", opina Célia.
Serviço:
Quem estiver interessado em doar livros para o Dia das Mães
e para a comunidade e/ou comprar o livro Rastilho de Pólvora-
Antologia Poética do Sarau da Cooperifa, mande um e-mail
para:poetavaz@ig.com.br.
Sarau da Cooperifa
Rua Bartolomeu dos Santos, 797
Piraporinha - São Paulo
Tel.:(11) 5891-7403
SUSANA SARMIENTO
do site
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