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A luta pela demarcação
da terra das tribos indígenas não consiste apenas
na manutenção de sua cultura e modo de vida.
É também uma luta pela sobrevivência.
O uso adequado da terra e o manejo sustentável das
florestas são alternativas viáveis para geração
de renda e, principalmente, subsistência das tribos
indígenas. Conciliar os novos tempos com as tradições
seculares dos índios é o desafio das instituições
federais responsáveis pelas políticas indígenas
e também das organizações não-governamentais
que atuam junto às tribos.
Almir Surui, cacique e coordenador
da Cunpir (Coordenação da União das Nações
e Povos Indígenas de Rondônia, norte do Mato
Grosso e sul do Amazonas), aponta que é possível
conciliar tradição indígena e tecnologia
no uso sustentável da terra. “Os povos indígenas
trabalham com variadas culturas, mas não há
tecnologia para produzir muito. Acreditamos que com novas
práticas será possível melhorar a qualidade
e quantidade dos produtos. Hoje, a maioria da população
indígena trabalha apenas com a produção
de farinha“, explica.
Como integrante do Grupo de Trabalho
Amazônico (GTA), um fórum de discussões
e propostas sobre questões indígenas, ele acredita
poder fortalecer as políticas públicas indígenas.
Surui considera que muitos dos problemas que atingem os índios
são resultados da demora na demarcação
das reservas. “O caso de desnutrição,
no Mato Grosso, é conseqüência de índios
sem terra, com pouca terra para produzir, o que não
garante a subsistência.” Desde o início
do ano, no Mato Grosso, já ocorreram 21 mortes por
doenças decorrentes da desnutrição entre
crianças das aldeias indígenas.
Hoje, os índios representam
apenas 0,2% da população brasileira, mas à
época das Grandes Navegações, nos idos
de 1500, a “História” era outra. Embora
não se saiba exatamente quantas tribos indígenas
existiam no Brasil, há estimativas de que a população
indígena varia em torno de um a dez milhões
de indivíduos.
De acordo com dados da Fundação
Nacional do Índio (Funai), no Brasil vivem cerca de
430 mil índios. As informações referem-se
aos indígenas que vivem em aldeias, calcula-se que,
além destes, existam entre 100 e 190 mil vivendo fora
das terras indígenas, em centros urbanos.
Eles estão distribuídos
entre 215 sociedades indígenas, utilizando em torno
de 180 línguas diferentes. Há também
indícios da existência de cerca de 53 grupos
ainda não-contatados. Segundo a Funai, mais da metade
da população indígena está localizada
nas regiões Norte e Centro-Oeste.
A presença de índios
na Amazônia é expressiva, cerca de 10% das etnias
e da população indígena atual do país
estão naquela região. É lá que
funciona o Programa Rio Negro, da organização
não-governamental Instituto Socioambiental (ISA), que
tem como objetivo formular e implantar um programa regional
de desenvolvimento sustentável indígena na bacia
do Rio Negro, no noroeste da Amazônia brasileira.
Em 1990, o ISA estabeleceu parcerias
com organizações locais e comunidades indígenas,
especialmente com a Foirn (Federação das Organizações
Indígenas do Rio Negro) para desenvolver ações
na região. Uma delas é o Programa Rio Negro
que tem duas frentes de atuação: o manejo sustentável
de recursos naturais compreendendo os rios Tiquié,
Uaupés e Içana, e a piscicultura.
Os projetos têm objetivos comuns:
multiplicar modelos sustentáveis de aproveitamento
de recursos agroflorestais e aquáticos, aliando conhecimentos
tradicionais e conhecimentos técnicos adaptados. O
manejo agroflorestal está focado nas plantações
experimentais de arumã (da qual se extrai fibra para
produção de objetos de uso doméstico),
no plantio de mudas e na construção de viveiros
que irão alimentar os peixes.
A segunda frente, de piscicultura,
conta com três estações onde acontece
a reprodução de peixes de espécies nativas
e a distribuição de alevinos para uma rede de
viveiros familiares. “Ao contrário do que se
pode imaginar, nem todos os rios da bacia amazônica
são ricos em peixes. É o caso do noroeste amazônico,
do qual faz parte a bacia do Alto Rio Negro onde a diversidade
é alta, mas a quantidade de peixes é limitada“,
esclarece Beto Ricardo, antropólogo e coordenador do
Programa Rio Negro, do ISA.
Ricardo conta que depois da implantação
do projeto, algumas mudanças ocorreram na região.
“Houve um aumento do protagonismo dos povos indígenas
em defesa dos seus direitos coletivos e das áreas protegidas.”
Mas os benefícios não param por aí. Os
resultados do programa, a geração de renda para
as comunidades através da produção da
cestaria, a educação escolar indígena,
a saúde, a proteção e sustentabilidade
das terras indígenas demarcadas (são cinco ao
todo na região) e a afirmação cultural
e segurança alimentar das comunidades indígenas
foram grandes.
“O mais importante no programa”,
aponta Ricardo, “é que há a preocupação
em não impor uma cultura diferente aos índios,
mas criar processos de conhecimento de mão-dupla. “Em
todas as etapas que desenvolvemos em parceria com os índios
estão contempladas atividades de intercâmbio
cultural e de informação. Mas ainda há
muito por fazer”, conclui.
Tecnologia inovadora em terras
indígenas
Willy Pessoa, responsável pelo vetor de Coordenação
e Inter-Relacionamento e um dos fundadores da Agência
Mandalla de Desenvolvimento Holístico Sistêmico
Ambiental, tem uma opinião parecida com a de Beto Ricardo:
“ainda é preciso fazer muito para preservar e
fortalecer o modo de vida indígena. Não são
ações isoladas que vão mudar. É
preciso muita vontade em fazer do social uma alavanca de inclusão,
o que envolve uma questão de sensibilidade”,
destaca.
Pessoa foi um dos responsáveis
pela implantação do projeto Mandalla, na Aldeia
São Pedro, da tribo xavante, no Mato Grosso. O Mandalla
consiste num sistema de agricultura sustentável familiar
para pequenas propriedades que, com o uso de canteiros circulares
com um tanque de água ao centro, proporciona o cultivo
de hortaliças, leguminosas e frutas. “O projeto
pode ser implantado em regiões polares e até
mesmo nos desertos. O que se busca é o aproveitamento
das oportunidades produtivas já existentes, porque
está tudo ali, é só querer e saber ver,
pelo exercício da criatividade “, destaca Pessoa.
Cada unidade da Mandalla contém
nove círculos concêntricos, que tem no centro
um pequeno espelho-d’água, de onde sai o sistema
de irrigação. Cabras, galinhas e uma diversidade
de plantas formam parte do sistema, no qual as necessidades
de uma são supridas pelo produto de outras. A metodologia
faz parte do Banco de Tecnologias Sociais da Fundação
Banco do Brasil.
A primeira fase do projeto na
Aldeia Xavante já foi concluída com a instalação
da mandala. A equipe de Pessoa fez algumas visitas à
tribo para acompanhar o desenvolvimento da técnica.
“Vamos continuar voltando, a metodologia diz respeito
há muito mais”, ressalta, lembrando que os ganhos
com a mandala vão além da segurança alimentar,
pois entre os círculos verdes há o verdadeiro
resgate da dignidade.
THAIS SENA SCHETTINO
do site da Fundação Banco do Brasil
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