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Camila Bellini, 11 anos, gosta muito
de poesia. Na companhia dos livros, e, principalmente dos
jovens voluntários contadores de história do
Projeto Palavras Voadoras, da Fundação Orsa,
ela pode usar a sua imaginação e esquecer, por
uns momentos, as dificuldades de enfrentar a quimioterapia.
"Prefiro quando eles me contam a história porque,
às vezes, eu não entendo muita coisa sozinha.
Sem contar que eu leio muito devagar. É mais gostoso
com eles aqui. Se não tivesse essas atividades, seria
muito chato", conta a adolescente, que convive com a
doença desde 2002.
Mas ali, no espaço da Quimioteca,
instalada no hospital do GRAACC (Grupo de Apoio ao Adolescente
e à Criança com Câncer), ela encontra
um grupo disposto a ajudá-la no que for preciso. O
espaço, de 300 m2 no segundo andar do hospital, completa
neste mês de abril um ano de atendimentos dedicados
ao resgate da auto-estima à garantia do direito da
criança e do adolescente com câncer a um tratamento
adequado. Nesse primeiro ano, 2.767 crianças e adolescentes
foram atendidos na Quimioteca por uma equipe de 14 enfermeiras,
entre outros profissionais como psicólogos, assistentes
sociais, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e
endocrinologistas que acompanham os tratamentos.
O espaço foi concebido com
a proposta de tornar a quimioterapia o menos traumática
possível. Repleta de cores, brinquedos e livros, a
Quimioteca pouco lembra um ambiente hospitalar. A idéia
do projeto surgiu após a constatação
que havia uma quebra no processo de tratamento quando as crianças
paravam de brincar na brinquedoteca, enquanto aguardavam serem
chamadas, e iam para a quimioterapia. "Muitos acabavam
chorando ao ir ao tratamento porque era um ambiente hospitalar
normal. Além disso, o tratamento é muito desagradável
e doloroso para elas. Por isso, resolvemos reformar todo o
local da quimioterapia e criar um espaço novo, incorporando
a questão do brincar, favorecendo o riso e o bem-estar",
comenta Ione Queiroz, coordenadora da Quimioteca.
Foram investidos pela Fundação
Orsa mais de R$ 400 mil na Quimioteca, que hoje disponibiliza
31 postos - sendo poltrona ou cama para o paciente e cadeira
para o acompanhante - garantindo atendimento individualizado,
duas salas de coleta de sangue e sala especial para pacientes
transplantados. No espaço, não há apenas
o olhar médico sobre a doença, mas o lúdico
permeia todo o tratamento. Hoje, na Quimioteca é possível
encontrar um amplo material pedagógico ideal para cada
criança e adolescente, de acordo com a fase de desenvolvimento
em que se encontra.
Maristela do Carmo Freire, ludotecária
da Quimioteca, explica que para os bebês são
entregues brinquedos que trabalham a questão motora
e sensitiva. Já para os de dois a seis anos, a idéia
é estimular o lado da fantasia e da afeição,
e, de sete anos em diante, jogos de estratégia. Ou
seja, no espaço, é possível encontrar
desde bonecas, carrinhos, jogos e até vídeos
e walkman. O objetivo, garante Maristela, é entreter
e fazer com que o tempo em que os pacientes fiquem no tratamento
seja menos doloroso e passe de maneira mais tranqüila.
"Há diversos estudos que já comprovam que
o brinquedo é importante para o desenvolvimento das
crianças porque é um meio de expressão",
comenta. Prova disso são os kits médicos, que
fazem o maior sucesso com as crianças. "O interessante
é que elas podem vivenciar o papel do outro, no caso
o do médico. Isso faz com que elas lidem melhor com
a realidade".
Geuza Lima de Carvalho, mãe
de Nicolas, 5 anos, que faz o tratamento no GRAAC desde 2003,
conta que com este trabalho o filho se distrai, já
que não tem o costume de dormir durante o tratamento,
e não fica tão inquieto na poltrona como antes.
"Tudo vem até ele, e isso é muito bom.
Até eu me surpreendi com os livros que tem aqui. Vou
aproveitar e contar historias para ele em casa também",
explica, enquanto Nicolas acaba de se divertir com o livro
"Parece, mas não é", em que a criança
tem de descobrir do que é feito realmente cada objeto
do livro. Mesmo parecendo um pouco desatento enquanto o jovem
voluntário Thyago Bastos de Oliveira, 18 anos, mostra
o livro-brinquedo, ele sabe muito bem dizer o que mais gostou.
"É aquele carro ali", aponta rindo, enquanto
se lambuza com o pirulito entregue pelos voluntários
do local.
Assim como Thyago, outros quatro
jovens, de 18 a 24 anos, em situação de risco
social, visitam a Quimitoeca todas as terças e quartas-feiras,
das 14h às 15h30, para contar histórias às
crianças e aos adolescentes que fazem o tratamento
no local. Os jovens participaram de um curso formação
de 20 horas, em que foram abordados, entre outros assuntos,
a origem e funções das histórias, seleção
de acervo, como ler livros que abordam temas difíceis,
como a morte, as reações dos leitores durante
o processo de leitura, entre outros assuntos. São mais
de 200 livros infanto-juvenis dos mais variados gêneros,
desde poesia, suspense, aventura, terror e humor à
disposição para as crianças e adolescentes.
Segundo Ilan Ibrenman, coordenador
do Palavras Voadoras, a aproximação dos pacientes
com as histórias tira o foco da dor e do medo e leva
os leitores para um mundo de imaginação onde
ele pode se sentir melhor e sorrir. "Na hora do tratamento,
a criança e o adolescente têm o seu desejo diminuído,
não pode optar muito porque ela está ali para
se tratar. No entanto, no momento da leitura, ela pode desejar.
Ela pode optar o que quer ouvir de história, como ouvir
e imaginar", comenta. Ilan destaca ainda que o trabalho
tem um caráter educativo, tanto para os voluntários
- muitos já foram encaminhados para faculdades, depois
de participarem do projeto - quanto para os pacientes, pois
os aproxima da leitura, aumentando o repertório verbal
e desenvolvimento cognitivo. Prova disso são os pequenos
pacientes que já querem ler sozinhos, sem a ajuda dos
contadores, e ainda despertaram o interesse pela leitura em
casa.
O jovem Ulisses Eduardo Bastos, 23
anos, conta que os pacientes já reconhecem os voluntários
do Palavras Voadoras e pedem sempre para que eles contem uma
nova história. Ele lembra que, principalmente as crianças,
se divertem durante a leitura, interagem e, muitas vezes,
pedem para ler mais de um livro. "Se deixar, elas ficam
horas e horas ouvindo", conta o voluntário, lembrando
também os momentos difíceis enfrentados neste
um ano de atividade. "A gente tem que lidar com a morte
o tempo todo. Às vezes, ficamos baqueados quando alguma
criança que contamos história não está
mais na semana seguinte porque faleceu. Mas também
ficamos forte. Damos muito mais valor às coisas que
temos".
Por isso, não são somente
os pacientes que se beneficiam com o projeto. Thyago, que
já participava de um grupo de contadores de história
antes de atuar no hospital, lembra que no início o
grupo estava receoso, já que o ambiente hospitalar
sempre é visto por um lado somente negativo. No entanto,
hoje, conta que aprendeu muito com o trabalho e se recorda
de momentos marcantes. Ele lembra de uma garota, de 12 anos,
para qual leu em uma de suas idas à Quimioteca, que
era deficiente visual. "Ela passou a tocar o meu rosto
para ver seu eu fazia parte da história. Ela dizia
como eu era pelo tom da minha voz. A garotinha entrou de corpo
e alma na história. Eu fiquei muito emocionado com
a força de vontade que ela tinha", conta. O jovem
destaca que fica muito contente quando a criança começa
a sorrir por causa de uma história e o reflexo é
sentido também na nova postura da mãe, que também
se sente melhor e mais disposta.
E dar apoio aos familiares que acompanham
os pacientes durante o tratamento de quimioterapia também
é um dos compromissos dos 61 voluntários que
atuam nesta área dentro do hospital, todos os dias,
até mesmo aos fins de semana, em três turnos.
Os voluntários trabalham bem integrados com a equipe
de enfermagem, seguindo as normas, a ética e a seriedade
necessárias para ajudar os pacientes. Eles fazem de
tudo um pouco, desde receber o paciente no local, além
da higienização dos travesseiros, até
servir o lanche ou acompanhar o pequeno paciente, enquanto
o familiar precisa se ausentar por alguns momentos. Essa é
uma prática que existe no GRAAC há mais de 14
anos, quando a entidade não era ainda hospital.
Jurema Cyrino Ernesto, mãe
da paciente Camila, conta que esse apoio das voluntárias
é fundamental para ela, principalmente nos momentos
em que precisa de uma palavra de consolo. Ela destaca ainda
a importância das atividades desenvolvidas na Quimioteca
para o tratamento da filha. "A Camila sente muito o tratamento
porque a gente entra aqui e não tem hora para sair.
Ela queria estar em casa, com os irmãos, brincando.
Mas, na Quimioteca, ela tem esse apoio que precisa. Às
vezes até mais do que em casa, porque sempre tem alguém
disposto a brincar com ela. É muito bom", comenta.
A voluntária Odete Mazzoni
Persinotti, 60 anos, que coordena o grupo de voluntários,
e está no GRAAC há mais de 10 anos, garante
que é recompensadora a dedicação aos
pacientes e seus familiares, principalmente pela força
e garra que eles demonstram em momentos difíceis como
este. Ela está na Quimioteca quase todos os dias e
nunca tem hora para sair, pois se envolve tanto com o trabalho
que não vê a hora passar. "Isso já
faz parte da minha vida e não consigo me imaginar longe
do voluntariado. Aprendi lições de vida aqui
que eu não teria aprendido em lugar nenhum. Eu admiro
muito a coragem destes pais", comenta Odete, lembrando
que ser voluntário não é doar apenas
aquele tempo que sobra, mas sim, doar aquele tempo que não
tem. "É amor ao próximo mesmo".
Agora, de acordo com a coordenadora
da Quimioteca, a Fundação Orsa e o GRAACC estão
se dedicando a construir indicadores e metodologia para mensuração
dos resultados conquistados neste primeiro ano de trabalho.
Em 2005, a Fundação tem ainda a proposta de
replicar a Quimioteca em outros lugares do país, mas,
para isso, busca novos parceiros. Alguns profissionais de
outros países e estados brasileiros já passam
pelo GRAACC para acumular conhecimento e adaptar a experiência
da Quimioteca nos hospitais que tratam pacientes com câncer.
Exemplo é a Drª. Rita de Cássia Matos Carneiro,
profissional do corpo médico do Hospital Ofir Loyola,
de Belém, no Pará, que há três
anos faz especialização em oncohematologia pediátrica
no GRAACC e vai levar o conceito da Quimioteca para Belém.
Serviço:
Quimioteca no GRAACC (Grupo de Apoio
ao Adolescente e à Criança com Câncer)
Endereço: Rua Botucatu, nº 743, Vila Mariana,
São Paulo
Telefone: (11) 5080-8400
Site: www.graacc.org.br
E-mail: graacc@graacc.org.br
DANIELE PRÓSPERO
do site setor3
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