Sábado, 8 horas da manhã.
Os jovens vão chegando aos poucos ao lado do Mercado
Municipal, em São Paulo. Eles já estão
prontos para mais uma jornada. Não se trata de nenhuma
atividade de lazer. O programa desse grupo tem um sabor muito
mais especial. Eles se reúnem para combater a fome
e a desnutrição na cidade. Após algumas
horas de dedicação e trabalho, o resultado é
a arrecadação de mais de uma tonelada de alimentos
que serão encaminhadas a entidades assistenciais da
cidade. A iniciativa tem como objetivo garantir que cerca
de 1.800 pessoas tenham acesso à alimentação
adequada.
Essa é a rotina escolhida por 10 jovens voluntários
da Associação Prato Cheio, organização
não-governamental fundada em abril de 2001. A idéia
partiu da pedagoga Leny Pripas que se sensibilizou pela causa
ao conhecer a experiência do projeto Mesa São
Paulo, do Sesc, e passou a trabalhar no grupo "Ajuda
Alimentando" da Federação Israelita. Com
o intuito de ampliar a coleta de alimentos no Mercado em dias
diversos dos outros grupos, Leny propôs que alguns jovens
tomassem frente a uma ação similar. Nascia assim
a Associação Prato Cheio.
Todos os sábados, o grupo reúne os alimentos
doados pelos permissionários do Mercado Municipal,
faz uma triagem inicial e separa os alimentos que têm
valor nutricional, mas não valor comercial e de venda,
como a banana quase madura ou o mamão um pouco amassado,
de acordo com o perfil de cada organização.
"A gente sabe, por exemplo, que não adianta
levar para o asilo alimentos duros que não serão
utilizados ou quiabo para as creches que as crianças
não comem. Hoje, muitos permissionários doam
metade da barraca, cinco ou seis sacas, com alimentos em ótima
qualidade, porque acreditam no trabalho. Precisamos mostrar
que a entidade é idônea, pois eles têm
medo de doar já que algumas pessoas pedem doação,
mas vendem esses alimentos", comenta Elisa Valente, 22
anos, diretora-executiva da ONG.
Depois de tudo etiquetado, os alimentos são levados
até as instituições. Todo o trabalho
é repetido às segundas-feiras, no Centro de
Distribuição de Alimentos Orgânicos Horta
e Arte, na cidade de Cotia, e às quartas-feiras no
Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais
de São Paulo). Assim, semanalmente, 15 entidades recebem
verduras, legumes, frutas e pães para melhorar a alimentação
dos atendidos, sejam crianças, jovens, adultos ou idosos,
e ampliar e diversificar o seu cardápio, contribuindo
para que essa parcela da população consuma as
2.500 calorias recomendadas pela Organização
Mundial de Saúde (OMS).
"As pesquisas apontam que 330 mil crianças no
Estado de São Paulo passam fome. Mas o que é
passar fome? Elas podem até comer pão todo dia,
mas não tem alimentação adequada de acordo
com as normas de segurança alimentar", comenta
Elisa.
"Se não recebêssemos esses alimentos,
teríamos que comprar e, com certeza, ficaria muito
mais restrito. Agora, a gente trabalha com mais tranqüilidade.
Com a parceria, podemos enriquecer a alimentação
das 200 pessoas em situação de rua atendidas
diariamente pela organização, oferecendo sopas
mais nutritivas, por exemplo, ou um suco de fruta natural",
afirma Mario Antonio Ferro, agente educacional da Associação
Minha Rua Minha Casa, localizada na baixada do Glicério,
no Centro de São Paulo.
Antes de receber os alimentos, os voluntários fazem
uma visita técnica nas entidades para verificar o número
de pessoas atendidas, as necessidades reais da organização
e se já não recebem outras ajudas. A instituição
precisa ter uma pessoa responsável pela alimentação
e realizar projetos de reinserção social com
os atendidos. "Queremos tirar a preocupação
dessas pessoas em conseguir alimentos satisfatórios
para que possam pensar nos seus cursos e projetos", diz
Rodrigo Reif, presidente da Prato Cheio.
Durante estes três anos, a organização
ampliou sua atuação e procurou alternativas
para conseguir recursos, já que, no início,
eram os próprios fundadores que disponibilizavam a
verba. Para isso, em 2002, a entidade fez uma parceria em
que toda a renda dos ingressos da pré-estréia
das peças do ator Paulo Altran fosse revertida para
a instituição. A organização desenvolveu
ainda uma primeira linha de pratos decorativos com o tema
da fome para serem comercializados e foi em busca de doadores
fixos. Já em 2003, um novo evento foi organizado, com
leilão de peças doadas, conquistando novas parcerias.
"O ano passado, com o presidente Lula levantando a
bandeira da fome como prioritária, tivemos mais posição
e criamos parcerias com o governo que, de fato, não
foram para frente. Achamos que com essa postura o governo
pudesse ouvir mais as ONGs, mas o presidente trouxe um programa
já preparado", ressalta Rodrigo. Com o tema em
evidência, a associação conseguiu o apoio
de uma fundação internacional.
Comida na mesa
Desde agosto de 2003, a organização
passou a desenvolver outras atividades, a fim de ampliar os
impactos da coleta de alimentos. A Prato Cheio oferece, a
cada dois meses, cursos sobre o desperdício e que ensinam
a como melhor utilizar os alimentos doados de modo a preservar
os seus valores nutricionais. "Percebemos que não
adiantava enviar os alimentos se, muitas vezes, as entidades
não sabiam o que fazer com eles e eram desperdiçados
por falta de conhecimento. Elas tinham muitas dificuldades
até com coisas básicas de higiene, como arrumar
a geladeira", recorda Elisa.
As cozinheiras e merendeiras das organizações
participam do curso com a nutricionista da Prato Cheio e voluntárias
no laboratório de nutrição da Universidade
Anhembi-Morumbi, que doa o espaço. Durante as atividades,
as participantes aprendem a preparar receitas mais nutritivas
e a reaproveitar os alimentos.
Na Associação Minha Rua Minha Casa, os próprios
moradores de rua associados, cerca de 50, são os responsáveis
por diversas atividades na organização, como
a preparação das refeições. Eles
também participam dos cursos oferecidos pela Prato
Cheio. De acordo com o educador Mario Antonio Ferro, eles
retornam para a entidade repletos de idéias. "O
interessante é que é uma forma de capacitação
também. Eles se tornam multiplicadores na organização
e ainda tem a oportunidade de sair um pouco do isolamento",
destaca.
A Prato Cheio faz ainda, mensalmente, a avaliação
nutricional de cerca de 180 crianças das instituições
atendidas para verificar se elas estão semidesnutridas.
"Essa segunda etapa do nosso trabalho é fundamental.
Uma criança que é subnutrida, com falta de algum
tipo de alimento e vitamina, não terá um bom
aprendizado. Pode prejudicar o seu futuro", destaca a
diretora-executiva.
Kátia Moraes Santana, da Creche Lar Infantil, afirma
que esta iniciativa de pesar e medir as crianças da
entidade tem facilitado muito o trabalho da enfermeira, que
agora tem relatórios completos e com sugestões
de uma nutricionista sobre a saúde dos atendidos. "Além
disso, as crianças têm aceitado muito bem os
legumes e verduras nas refeições o que é
ótimo para o seu desenvolvimento. Até mesmo
a sopinha dos bebês foi reforçada".
Novos planos
Ação em parceria. É assim que
a Prato Cheio pretende ampliar ainda mais as atividades desenvolvidas
para combater a fome. A associação faz parte
do Consórcio de Organizações de Combate
à Fome e Subnutrição de São Paulo,
que reúne 20 outros projetos que lutam pela causa,
como a ONG Banco de Alimentos, o Mesa Brasil, até os
bancos de alimentos da prefeitura de São Paulo, Santo
André, São Jose do Rio Preto, e de outros municípios.
A proposta é trabalhar em sinergia e não duplicar
esforços em vão.
Com o consórcio, o grupo organizou uma lista única
de entidades que precisam receber doações e,
cada organização, colabora com uma. Rodrigo
Reif explica que o primeiro passo é sempre procurar
um entreposto de doação de alimentos e a Associação
procura operacionalizar o restante, como o transporte, a partir
de parcerias.
As organizações que fazem parte do consórcio
estão realizando, até a próxima semana,
um trabalho de sensibilização junto aos permissionários
do Ceagesp para conseguir doações. Até
o momento, os alimentos arrecadados são aqueles apreendidos,
que chegaram ao entreposto sem nota fiscal. "Teoricamente,
o Ceagesp já inaugurou um banco de alimentos, na sexta-feira
passada, e as atividades estão começando. Portanto,
se existe um banco, é preciso doações",
explica Elisa.
A dificuldade, no entanto, de ampliar as ações
ocorrem devido a problemas internos entre a administração
e os permissionários. A proposta inicial do projeto,
segundo Rodrigo, era modificar o atual esquema do Ceagesp,
envolvendo todos para reduzir o desperdício, calculado
em torno de 80 toneladas por dia.
"Estávamos animados para fazer parte disso.
O Fome Zero foi instinto e essa linha de financiamento sumiu.
Pela parte do governo ficou solto o projeto". Agora,
as organizações tentam retomar as atividades.
"É trabalho de formiguinha mesmo. Tem alimento
para todos e queremos dar um fim útil para aquele alimento",
comenta o presidente da Prato Cheio. Problemas similares a
associação enfrenta também na arrecadação
do Mercado Municipal. "Temos que andar de acordo com
que está rolando. As pessoas que estão no poder
são despreparadas e não tem a mínima
sensibilidade", critica.
Apesar destas dificuldades, os voluntários acreditam
que as ações de combate à fome estão
se multiplicando pelo país e, cada vez mais pessoas,
estão conscientes da importância de colaborar.
No entanto, mesmo frente a essa nova postura da sociedade,
dificilmente novos voluntários se dispõem a
colaborar efetivamente com o trabalho da associação.
Elisa afirma que é difícil um jovem se comprometer.
"A gente se pergunta: o que fazer para motiva-los e fazê-los
vestir a camiseta como fizemos um dia?", pergunta ela,
que se tornou voluntária da associação
para fazer algo de bom para a sociedade.
Os voluntários garantem que essa motivação
é que traz novas idéias a cada dia para a associação.
Planos não faltam na Prato Cheio. A organização
pretende se aproximar das universidades e das empresas e desenvolver
novas atividades, como a organização de cursos
com chefes de cozinha, e ainda envolver as pessoas das entidades
no processo de coleta, para estarem em conjunto com os permissionários,
participando de todas as etapas do processo.
"A gente tem que começar com aquilo que está
ao nosso alcance. Mas a questão da fome é muito
mais estrutural. É preciso redistribuir mesmo, tanto
as riquezas quanto os alimentos porque o problema do Brasil
não é falta de produção. Tem para
todo mundo e sobra. Temos que aproveitar enquanto existe ainda
financiamento para os projetos no país, já que,
cada vez mais, os fundos de recursos estão migrando
para a África", destaca Rodrigo.
Associação Prato Cheio
Avenida Brigadeiro Faria Lima, nº 628, 3º
andar, São Paulo, Cep: 05426-200.
Telefone: (11) 3035-1850
Site: www.pratocheio.org.br
E-mail: info@pratocheio.org.br
Como ajudar: os interessados em participar das atividades
da associação podem se tornar um sócio-contribuinte,
fazer doações ou ainda atuar como voluntário
nas coletas. A Prato Cheio conta ainda com produtos para venda,
como a linha de pratos. Os produtos e valores estão
disponíveis no site.
DANIELE PRÓSPERO
do site Seto3
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