Cláudio
Ramires tem 33 anos. É solteiro e trabalha como voluntário
do Grupo pela Vida, organização não-governamental
que ajuda pessoas que convivem com o HIV, o vírus causador
da aids. Hoje, Dia Mundial de Combate à Aids, ele e
seus companheiros da ONG reforçam a esperança
na busca de uma cura para a epidemia. E Ramires vai além.
Junto com outras 53 pessoas, ele integra um grupo no Brasil
que participa de um estudo mundial em busca de uma vacina
anti-HIV. Estima-se que 600 mil brasileiros convivem com o
vírus atualmente, sendo que mais de 300 mil deles desenvolveram
a doença. Alguns são voluntários por
acreditar que o mundo será melhor se houver uma forma
de brecar a epidemia, que infecta diariamente 16 mil pessoas
em todo o mundo. Outros, por ver de perto o sofrimento causado
pela doença.
"Temos de fazer algo. Tenho vários conhecidos
que morreram da doença", diz Ramires, que já
tomou duas doses da vacina e faz questão de mostrar
a cara para que as pessoas vejam que não tem nada demais.
"O cabelo não cai, não acontece nada. Aliás,
dói mais a vacina antitetânica do que a anti-HIV",
diz ele. A vacina anti-HIV testada, produzida em laboratório,
ao contrário de outras, não contém o
vírus HIV para inoculação. Não
há, portanto, nenhuma possibilidade de os voluntários
serem infectados. O que está sendo avaliada, nesta
fase I, é a segurança da vacina e a reação
imunológica das pessoas.
O estudo está sendo feito em três centros, dois
em São Paulo (Centro de Referência e Treinamento
DST/Aids e Universidade Federal de São Paulo) e um
no Rio (Projeto Praça Onze da Universidade Federal
do Rio de Janeiro). Cada um tem 18 voluntários - todos
absolutamente saudáveis e HIV negativo -, um número
pequeno se considerada a quantidade de pessoas que se candidataram
para testar a vacina.
Só a Unifesp recebeu mais de 2 mil questionários
pela internet de pessoas interessadas em participar da pesquisa.
Desses, 945 preencheram o cadastro com dados pessoais. "Essas
pessoas são seres humanos extraordinários",
afirma o médico Ricardo Palacios, coordenador do estudo
pela Unifesp. "São altruístas mesmo. Geralmente
são doadores de sangue ou voluntários em outras
instituições", completa.
No Brasil, a legislação proíbe qualquer
tipo de remuneração pelo trabalho voluntário.
Os voluntários recebem somente uma ajuda de custo para
transporte e alimentação, fazendo do trabalho
uma ação de solidariedade irrestrita. A.R.,
de 40 anos, é um desses. "Sempre li muito sobre
o assunto e acredito que ficar sentada esperando algo acontecer
não dá certo. Se posso ajudar, por que não
participar?", diz ela, que já fez trabalho voluntário
e participa do estudo pela Unifesp.
B.G., de 23 anos, que é voluntário pela mesmo
centro, diz que participa do estudo por ter esperança
de que o projeto dê certo. "E para contribuir para
o avanço nas pesquisas contra o mal que pode muito
bem ser considerado como 'mal do final do século 20.'"
Todos os voluntários foram selecionados depois de uma
série de exames - não podem ser hipertensos,
por exemplo - e de entrevistas com psicólogos.
Cerca de 250 pessoas foram ao CRT DST/Aids se candidatar
a voluntário na pesquisa - selecionados a partir de
mais de 400 ligações telefônicas. "Tivemos
inclusive gente de outros Estados", comenta o médico
José Valdez Madruga, coordenador clínico do
estudo no centro. "Como é necessário vir
algumas vezes ao local durante o estudo, descartamos as pessoas
de outros Estados", lamenta ele.
Difícil decisão
C.X., cabeleireiro, de 22 anos, esteve ontem no centro
para tomar uma dose da vacina. "Fiz muita besteira quando
era adolescente. Até pouco tempo não queria
fazer teste de HIV. Fiz, deu negativo e decidi ser voluntário",
conta. Encarar a vacina não parece ser um problema
para ele, que conversou com o Estado pouco antes de tomar
a primeira dose. "Faço aquilo em que acredito.
Não me importa a opinião alheia", diz ele
que, como Ramires, percebeu uma reação estranha
de amigos e colegas a quem contou que estava participando
de testes que poderiam levar a uma vacina anti-HIV.
"As pessoas acham que se você faz parte do estudo
é porque é HIV positivo", comenta C.X.
"No começo, meus amigos não entenderam.
Depois expliquei direitinho e inclusive o dono do salão
em que trabalho me deu todo o apoio", completa.
Os 54 voluntários brasileiros não estão
sozinhos neste estudo. Os resultados daqui se somarão
aos experimentados por um grupo de aproximadamente 435 pessoas
espalhadas por 25 centros na América do Norte, América
do Sul, Caribe, África e Sudeste da Ásia. A
vacina foi desenvolvida pelo laboratório Merck em colaboração
com a Rede de Ensaios de Vacinas anti-HIV (HVTN) e a Divisão
de Aids, dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos
Estados Unidos.
O Brasil tem também um outro estudo em curso, junto
com a França: uma vacina terapêutica para pessoas
portadoras de HIV. Há dois dias, o grupo liderado no
Brasil por Luiz Claudio Arraes, da Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE), publicou o resultado do trabalho feito
com 18 pessoas - também em estudo fase I - na revista
Nature Medicine. Os resultados preliminares foram promissores,
diminuindo a carga viral em um paciente em 80%.
Atualmente, o HVTN testa dez vacinas em todo o mundo, segundo
o Centro de Informação de HIV da Universidade
da Califórnia São Francisco (UCSF). Mas, como
todo estudo, as vacinas têm ainda alguns anos de pesquisa
pela frente. E várias chances de fracassarem, antes
de se tornarem uma possibilidade real.
ALESSANDRO GRECO
do jornal O Estado de S. Paulo
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