Se os
meios de comunicação são uma ferramenta
poderosa para a integração e a construção
da identidade de um país inteiro, imagine os benefícios
que eles são capazes de levar a pequenas comunidades.
O povoado de Campos, no município de Juazeiro, norte
da Bahia, conta com apenas dois telefones públicos
e nenhuma linha particular. Até setembro de 2002, antes
de entrar em operação a rádio comunitária
Liberdade FM, quando alguém atendia a uma ligação
telefônica, era necessário correr até
a casa da pessoa com quem se desejava falar para chamá-la.
Com a emissora em funcionamento, cuja sede fica em frente
aos telefones, corre-se até o microfone da rádio
para avisar aos habitantes que há um telefonema.
Esse é apenas um exemplo das inúmeras facilidades
proporcionadas pela Associação da Rádio
Comunitária Liberdade FM ou por qualquer outra rádio
comunitária. De acordo com a legislação
brasileira, rádio comunitária é um tipo
especial de emissora FM, de alcance limitado a um quilômetro
a partir de sua antena, criada para proporcionar informação,
cultura, entretenimento e lazer a pequenas comunidades, sejam
elas povoados, vilas, bairros, favelas etc.
Devem ser organizadas por associações com sede
na comunidade e abordar assuntos locais, ou seja, devem ser
feitas pela e para a própria comunidade.
É o caso da Liberdade, que funciona graças
ao trabalho voluntário de 20 moradores de Campos. Seu
criador, presidente, programador e um dos locutores, Gilmar
Santos, comprou sozinho os equipamentos necessários
para montar a rádio, um investimento de 30 mil reais.
“Era meu sonho. Fui radioamador por vários anos
e tive o prazer de ajudar muitas pessoas. Queria ajudar o
povo”, conta. A programação, que vai das
seis da manhã até as dez da noite, é
composta por músicas e serviços ao povoado.
Segundo Santos, a audiência é fiel. Em uma pesquisa
realizada, de cada oito aparelhos, dez estão sintonizados
na sua estação.
No entanto, nem todos os radiodifusores comunitários
têm a mesma boa sorte ou boa fé de Santos. O
coordenador de comunicação da Bahia da Articulação
do Semi-Árido Brasileiro, Juvenal Lemos, alerta para
o número de emissoras ilegais. Somente na Bahia, cerca
de 490 estações comunitárias funcionam
sem a autorização legal e outras 490 funcionam
com a cobertura de grupos políticos. Funcionando legalmente,
apenas 88.
Burocracia e ilegalidade
No primeiro caso se encontram as rádios que
não agüentam esperar a demora do processo para
liberar seu funcionamento. “A burocracia é muito
grande. Se não houver nenhum contratempo, a legalização
demora cerca de um ano e meio”, critica Lemos. “A
primeira rádio que ajudamos a criar foi fundada em
1996, mas até hoje não foi autorizada.”
As estações em operação sem autorização
são fechadas pela Agência Nacional de Telecomunicações
(Anatel). No outro grupo, estão emissoras ligadas a
políticos que ou não têm outorga ou desvirtuam
os fins de uma rádio comunitária, fazendo usos
comerciais e políticos, o que é proibido por
lei. Segundo Lemos, a fiscalização faz vista
grossa a essas rádios devido à proteção
política.
O Ministério das Comunicações, responsável
pela concessão das outorgas, contabiliza 2.339 emissoras
autorizadas em todo o país. A autorização,
entretanto, não significa que a rádio pode entrar
no ar. Ainda é preciso passar por processos na Presidência
da República e no Congresso Federal. “A legislação
é muito burocrática”, admite o diretor
de Outorga de Serviços de Comunicação
Eletrônica, Carlos Freire, do Ministério das
Comunicações. “Além do alto grau
de exigências, lidamos com entidades simples, que não
têm como contratar serviços de consultoria e
assessoria e encontram dificuldades para cumprir os requisitos”,
complementa.
Para solucionar a lentidão dos processos, o presidente
Lula instituiu, em fevereiro deste ano, um Grupo de Trabalho
Interministerial (GTI) para fazer um diagnóstico e
propor soluções. O GTI concluirá seus
trabalhos em agosto. “A radiodifusão comunitária
está dentro do programa de governo. Além de
ser um instrumento de inclusão social, ela também
trabalha com a democratização dos meios de comunicação”,
enfatiza Freire.
Para Juvenal Lemos, essa democratização não
interessa a todos. “Os grupos políticos querem
impor suas rádios, não gostam da comunicação
popular. O coronelismo impera na região. Para eles,
o povo falar no rádio é uma grave ofensa”,
afirma. “As rádios comunitárias mexem
com os interesses da região. Elas são um espaço
para denunciar ações do poder público
e de empresas”.
Gilmar Santos, da Liberdade FM, revela que uma rádio
comunitária de Petrolina, município vizinho
a Juazeiro, utiliza um transmissor de 300 watts de potência,
bem superior ao limite de 25 watts determinado por lei. Santos
diz que a estação foge dos padrões de
uma rádio comunitária e é protegida por
um deputado federal.
Carlos Freire garante que qualquer denúncia formal,
acompanhada de provas, é averiguada. E esclarece que
a fiscalização de emissoras clandestinas é
função da Anatel. Ao ministério cabe
fiscalizar as rádios autorizadas. O diretor também
adianta que ainda este mês, o governo lançará
um manual orientando, passo a passo, como as associações
comunitárias podem obter a outorga de funcionamento.
IVAN KASAHARA
do site Fundação Banco do Brasil
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