O arquiteto
Marcos Donizete Machado, 27, estava na faculdade e trabalhava
em dois lugares quando, em 1998, se rendeu a uma motocicleta.
"Não tinha dinheiro para comprar um carro nem
tempo para ir de ônibus."
Machado faz parte de um grupo de "sem-carro" que
aderiu de forma crescente a essa modalidade de transporte,
num fenômeno que se tornou uma das maiores preocupações
da segurança do trânsito não só
no Brasil como nos demais países em desenvolvimento
-conforme constará de relatório da OMS (Organização
Mundial da Saúde) que será apresentado oficialmente
hoje.
Não faltam motivos para esse alerta -não apenas
por ser um dos veículos mais perigosos e poluentes,
mas pela forte tendência de expansão, tanto em
centros urbanos como na zona rural.
A venda anual de motocicletas no mercado brasileiro aumentou
1.148% desde 1993 -de 68 mil para 848 mil. No prazo de três
a cinco anos, deve superar a de automóveis, que tiveram
1,17 milhão de unidades comercializadas em 2003, alta
de 29% em dez anos.
Em 2010, as viagens diárias de moto terão crescido
de 310% a 375% em relação a 2000, dependendo
dos avanços da economia do país, contra um salto
entre 19,8% e 36,1% no caso dos carros.
Essas projeções são de Eduardo Alcântara
Vasconcellos, diretor-executivo-adjunto da ANTP (Associação
Nacional de Transportes Públicos) que participou do
comitê do relatório da OMS.
A entidade elegeu a segurança viária como tema
do Dia Mundial da Saúde de 2004, depois de levantar
que há 1,2 milhão de mortos -e de 20 milhões
a 50 milhões de feridos- em acidentes de trânsito
no mundo anualmente.
A OMS, em seu relatório, põe motociclistas,
ciclistas e pedestres como os grupos mais vulneráveis
que poderão liderar a elevação de 65%
das vítimas do trânsito até 2020, caso
não sejam adotadas novas políticas de prevenção.
Nos países mais pobres, esse salto pode passar de 80%
em 20 anos.
O estudo da OMS tem em sua abertura um texto do presidente
Lula. O Brasil é citado como um dos lugares cujas taxas
de mortalidade no trânsito se aproximam da média
de países africanos.
Hoje será lançado um manifesto pela paz no
trânsito, assinado por mais de cem entidades, pedindo
"mudanças radicais", como a proibição
da fabricação de veículos que desenvolvam
velocidades acima de 120 km/h.
Vasconcellos diz que a "asianização do
trânsito" (referência à presença
maciça das motocicletas na Ásia) ganha força
onde a população tem renda mais baixa porque,
além de ser fonte de emprego (no Brasil, para motoboys
e mototaxistas), elas têm sido uma alternativa barata
para "driblar" a crise de mobilidade e a ineficiência
do transporte público.
"Se você mandar eu ir de ônibus, não
chego. Eu gasto R$ 1, R$ 2 ou R$ 3 por dia com gasolina. Mas
vou muito mais rápido", afirma Regina Maria Vicente
Correia, 50, que se tornou uma motoboy nos anos 90 e hoje
trabalha com confecção de roupas -mas continua
se deslocando de moto.
Uma pesquisa da ANTP feita em 2002 reforça essas declarações:
numa viagem média de sete quilômetros em grandes
centros urbanos, os usuários de moto gastavam R$ 0,60,
contra R$ 1,20 dos de ônibus e R$ 1,80 dos de automóvel.
E chegavam mais rápido: 16 minutos, contra 43 minutos
e 20 minutos, respectivamente.
"O que eu gastava era imperceptível", diz
Michel Boczko, 26, engenheiro que comprou uma moto por não
ter dinheiro para trocar de automóvel.
A Abraciclo (associação dos fabricantes de
motocicletas), que prevê 1,5 milhão de unidades
vendidas anualmente antes de 2010, afirma que há modelos
zero-quilômetro por menos de R$ 4.000 e consórcios
com prestações mensais de R$ 90 -valores que
seriam multiplicados por quatro para a compra de um automóvel.
Pesquisas com usuários feitas pela associação
apontaram: se, em 1992, 68% diziam já ter um carro,
em 2002 esse índice era de 35%; e saltaram de 9% para
55% os que diziam ter como objetivo substituir os ônibus
ou metrô.
Medições da Cetesb mostraram que, em 2003,
a emissão de monóxido de carbono por uma moto
nova era de 6,25 gramas por quilômetro rodado -contra
0,43 grama dos automóveis novos.
Esses índices já foram maiores -beiravam 20
gramas até 2002- e há um acordo com os fabricantes
para uma redução, com a instalação
de catalisadores e injeção eletrônica
até 2009.
Na cidade de São Paulo, em 1997, as motocicletas representavam
7,5% da frota e 10,8% das mortes no trânsito. Em 2003,
esses índices atingiam 8,3% e 29,5%, respectivamente.
De cada 100 acidentes com motos, há vítimas
em 71. Para automóveis, essa proporção
é de 7 para 100.
Boczko diz que caiu e quebrou seu braço logo no primeiro
dia em que usou a moto. Em novembro, ganhou um carro do pai,
que andava preocupado. "Agora a moto fica mais na garagem."
As informações são da Folha de S.Paulo.
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