Auditoria
feita pelo Ministério da Educação nos
dados do Censo Escolar do ano passado descobriu 283 mil matrículas
irregulares no ensino fundamental. Esse é o número
de estudantes que "sumiram" das estatísticas
do momento em que foram divulgados os dados preliminares (em
agosto do ano passado) até a publicação
dos dados oficiais, que passaram a contar no cálculo
de recursos de diversos programas a partir de janeiro deste
ano.
Na semana passada, o ministério iniciou o processo
de contagem de alunos do censo deste ano. O MEC, por meio
do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira), faz essas auditorias para tentar
evitar que prefeituras e Estados informem no Censo Escolar
um número irreal de alunos.
Como há vários programas do ministério
em que o cálculo do repasse de recursos para Estados
e municípios leva em conta o número de alunos
do censo, uma forma de obter mais recursos é orientar
diretores de escola a informar um número maior de alunos
do que o real.
O mais conhecido desses programas é o Fundef (fundo
que estabelece um gasto mínimo por aluno no ensino
fundamental), que repassa R$ 537,71 por ano por aluno de ensino
fundamental da rede pública de 1ª a 4ª série
e R$ 564,60 por aluno de 5ª a 8ª série.
O número de matrículas "cassadas"
neste ano é bastante superior ao de 2001 e 2002. Em
2001, a diferença entre a divulgação
preliminar e a oficial foi de 77.551. Em 2002, esse número
subiu para 90.932. De 2002 para 2003, houve um aumento de
211%. O Censo Escolar do ano passado foi o primeiro realizado
integralmente pelo PT no governo federal.
A modalidade de fraude mais comum é matricular alunos
da rede de educação de jovens e adultos no ensino
fundamental regular (destinado a estudantes dos 7 aos 14 anos).
A educação de jovens e adultos também
recebe recursos por aluno contabilizado no censo (R$ 250 por
estudante, em 2003), mas são valores inferiores aos
pagos pelo Fundef.
Subestimado
O número de matrículas "cassadas"
é pequeno se comparado ao total de estudantes do fundamental
em 2003: 31,1 milhões. O MEC calcula, no entanto, que
o número de alunos indevidamente contados está
subestimado.
Isso porque não há estrutura para visitar todas
as 212 mil escolas do Brasil a fim de conferir os dados informados.
No ano passado, o MEC fez auditoria em 3.222 estabelecimentos
de ensino, o que representa 1,5% do total.
Para Dirce Gomes, diretora de Estatísticas da Educação
Básica do Inep, o governo tem buscado aprimorar os
mecanismos de controle das fraudes e erros no censo, mas o
melhor controle é feito pela própria sociedade.
"Alunos contados a mais significam recursos desperdiçados.
O MEC distribui os livros didáticos, por exemplo, de
acordo com o número de estudantes que consta do censo.
Se alunos da rede de jovens e adultos estiverem matriculados
no ensino fundamental, eles receberão um material que
não é adequado para a sua idade", afirma
Dirce Gomes.
Segundo ela, as denúncias da sociedade são
um importante mecanismo para detectar fraudes ou erros. O
Inep faz auditoria numa amostragem de escolas de todas as
capitais, nas cidades onde houve problemas em anos anteriores
e nos municípios denunciados ao MEC por professores,
vereadores ou por qualquer outra pessoa.
Os números podem também ser contestados pelos
próprios Estados e municípios que verifiquem
alguma incorreção na divulgação
dos dados preliminares, feita em agosto com esse objetivo.
Após as auditorias do Inep e a análise dos recursos
dos Estados e municípios, o ministério define
o número oficial de matrículas que servirá
de referência para o repasse de recursos no ano seguinte.
A partir de janeiro, os dados só podem ser alterados
por determinação do TCU (Tribunal de Contas
da União) ou pela Justiça. Neste ano, uma das
disputas judiciais previstas envolverá a Prefeitura
de Cuiabá. O secretário municipal da Educação,
Carlos Alberto Maldonado, diz que entrará na Justiça
por causa da perda de R$ 2,5 milhões na receita após
as mudanças no censo.
Além de questionar supostos erros da auditoria, Maldonado
toca numa questão que é das mais polêmicas:
a matrícula de jovens e adultos no ensino fundamental.
"Em 1999, por orientação da Secretaria
da Educação do Mato Grosso, os municípios
passaram a matricular alunos da rede de jovens e adultos no
ensino fundamental. Se você tirar esses alunos do cálculo
do Fundef, prejudicará seu município",
diz Maldonado.
ANTÔNIO GOIS
da Folha de S.Paulo
|