Documentos
oficiais do Ministério do Desenvolvimento Agrário
revelam que 75% das famílias assentadas em 2003 foram
acomodadas em projetos criados em gestões anteriores
à de Luiz Inácio Lula da Silva.
Das 36,8 mil famílias que o governo diz ter assentado
no ano passado, 27,5 mil receberam lotes vagos em projetos
antigos. Foram instituídos entre 1972 (governo Médici)
e 2002 (gestão FHC).
Em alguns casos, aproveitaram-se decretos de desapropriação
que, assinados na fase final do governo de Fernando Henrique
Cardoso, ainda não haviam se convertido em assentamentos.
Só 9.217 famílias foram assentadas em projetos
novos, criados sob Lula. O ritmo e a forma de implementação
da reforma agrária destoam do discurso petista, sustentado
em períodos eleitorais. Na campanha de 1994, por exemplo,
Lula havia prometido aos sem-terra: "Com uma canetada
só vou dar tanta terra que vocês não vão
conseguir ocupar".
Premido pelas metas que se auto-impôs, o PT cedeu,
no governo, a uma outra prática que condenava ao tempo
em que fazia oposição. Das 36,8 mil famílias
contempladas com lotes rurais, nada menos que 65% (24 mil)
foram assentadas na Amazônia Legal (Estados do Norte,
além de Mato Grosso e Maranhão).
No passado, o PT considerava que a carência de infra-estrutura
naquela região inviabilizava os assentamento. Mencionava
a escassez de estradas e a falta de água, esgoto e
luz em vários projetos de reforma agrária.
O superintendente nacional de Desenvolvimento Agrário,
Carlos Guedes de Guedes, reconhece os problemas da região.
Mas afirma que o ministério vai trabalhar para proporcionar
neste ano estrutura e créditos aos assentados.
A lista dos lavradores assentados em 2003 havia sido solicitada
pela Folha em janeiro. Mas só agora foi liberada pelo
Ministério do Desenvolvimento Agrário. São
dois calhamaços. Trazem os nomes dos 36,8 mil beneficiados,
os nomes dos projetos e o ano em que foram criados. Omitem
o CPF dos assentados e a localização dos assentamentos.
Há nos papéis dados que chamam a atenção.
Incluem assentamentos com apenas cinco, seis ou sete famílias
assentadas. Há ainda o caso de um assentamento chamado
Rio Claro que teria apenas uma família assentada. Foi
criado em 2003, no Distrito Federal.
O Incra admite que o assentamento de uma família só
não deveria ter sido lançado no cadastro. Quanto
aos demais, alega que há outras famílias já
assentadas. Só que, em dezembro de 2003, quando a lista
foi fechada, seus nomes não haviam sido cadastrados.
O governo lançou mão do expediente de acomodar
novos assentados em velhos assentamentos no final do ano passado.
Foi a forma que o Planalto encontrou para cumprir pelo menos
metade da meta de 60 mil famílias anunciada por Lula.
Cerca de 60% das famílias foram assentadas no último
trimestre de 2003.
Antes de Lula, o Incra assentava, em viradas de anos, lavradores
sem terra em assentamentos já abertos. Mas, antes residual,
ganhou proporções (75%) que corroboram a impressão
de paralisia do Incra. O próprio presidente do órgão,
Rolf Hackbart, admite que a atual estrutura é "insuficiente".
Em 2004, o governo estima que 80% das famílias assentadas
até dezembro receberão lotes em projetos novos,
criados no mesmo ano. As 20% restantes seriam acomodadas em
lotes vagos e em áreas vistoriadas em 2003.
EDUARDO SCOLESE
da Folha de S. Paulo, sucursal de Brasília
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