Anunciados
como uma evolução da política social
do governo Lula, os comitês gestores do Fome Zero perderam
a função desde a criação do Bolsa-Família,
em outubro. Hoje, quase desmobilizados, existem em 2.364 cidades.
O papel original dos comitês era controlar "socialmente"
os que deveriam receber os R$ 50 do Cartão-Alimentação
do Fome Zero. Perto dos beneficiados, o grupo (formado por
dois funcionários da prefeitura e representantes da
sociedade civil eleitos em assembléia) saberia identificar
as famílias necessitadas -uma arma contra o uso político
e fraudes, defendia o governo.
Desde outubro de 2003, quando o Bolsa-Família absorveu
o Cartão-Alimentação e outros três
programas de transferência de renda, os comitês
não podem mais incluir ou excluir pessoas do cadastro.
Resultado: 1) as comissões se esvaziaram; 2) os novos
beneficiados pelo Bolsa-Família, que ingressaram a
partir de março, são escolhidos sem o ajuste
que o comitê fazia; 3) nem as falhas identificadas pelos
comitês estão sendo corrigidas; 4) diminuiu o
envolvimento da sociedade com o programa.
Os novos beneficiados do Bolsa-Família fazem parte
do cadastro único do governo, mas não passam
pelos comitês. O controle social está previsto
na lei que criou o programa unificado, mas o formato não
foi regulamentado.
Sem diretriz definida e sem explicações do
Ministério do Desenvolvimento Social, os comitês
gestores, que eram condição para a instalação
do Fome Zero nas cidades, começam a se desmobilizar.
"Fazíamos reuniões semanais, analisávamos
as famílias e selecionávamos as mais carentes.
Com a unificação dos programas, não sabemos
como vai ficar", disse a vice-prefeita do município
de Assis Brasil (AC), Ruth Ferreira de Oliveira (PT).
"Alguns [comitês] estão desde novembro
sem entender direito qual o seu papel. Nossa preocupação
é não deixar que todo o trabalho morra por falta
de definição", disse Marlene Rocha, secretária
de acompanhamento do Fome Zero do PT, um órgão
criado pelo partido para incentivar os filiados a ajudar o
programa federal.
Sem poder
Em Mata Roma (MA), cidade com 12 mil habitantes a 300 km de
São Luís e uma das mais pobres do Estado, o
comitê identificou 250 famílias recebendo o Cartão-Alimentação
indevidamente. Apesar disso, não conseguiu retirá-las
do cadastro.
"Visitamos todas as casas do município e encontramos
250 famílias que recebiam o cartão e que não
necessitavam. Tinha gente com casa de dois andares e carro.
Mas não conseguimos suspender o benefício",
disse Enilda Alves da Silva, representante do sindicato dos
trabalhadores rurais no comitê do município.
Em Arapiraca, segundo maior município de Alagoas,
o comitê gestor havia retirado do cadastro 190 famílias.
Desde outubro, nenhum outro ajuste foi feito, segundo Francisca
Neri dos Santos, integrante do comitê municipal. "Não
temos informações nem de Brasília nem
de Maceió. Paramos até de cadastrar famílias."
O fiscal tributário José Paulo Urch, indicado
pela Prefeitura de Bossoroca (RS) para o comitê gestor
local, diz tê-lo deixado recentemente pela falta de
organização.
"A primeira listagem [de beneficiados] funcionou direitinho.
Eram 138 famílias, fizemos a seleção
e ficaram 81. Dali para a frente, não conseguimos mais
retirar ninguém. Fazíamos a seleção
e, quando víamos, todos [da lista] estavam recebendo",
disse Urch, que deve se candidatar a vereador neste ano pelo
PP. Segundo ele, que é do mesmo partido do prefeito,
o comitê não foi usado politicamente pois tinha
representantes de outras siglas.
Sem rumo
O agricultor petista Vanderli Ferreira Lopes, de Caibaté
(RS), disse ter deixado de telefonar para o ministério
atrás de respostas depois que a senha de ajuste do
cadastro foi cancelada. "Não vou gastar mais com
telefone", disse. "Sabemos que existem famílias
bem estáveis recebendo [o benefício]. Ficamos
sem respostas para o público. Para mim que sou do PT,
fica ruim", disse.
Procurada pela reportagem desde 25 de março, a assessoria
do Ministério do Desenvolvimento Social não
respondeu perguntas sobre o destino dos comitês gestores
nas cidades.
O ministério informou que foram criadas em março
150 mil novas vagas no Bolsa-Família. A meta anunciada
pelo ministério é beneficiar 901 mil famílias
até julho. Atualmente, 3,6 milhões de famílias
recebem a bolsa. O valor do benefício varia de R$ 15
a R$ 95, de acordo com a renda per capita e número
de filhos.
SÍLVIA FREIRE
da Agência Folha
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