Foram nove meses de trabalho, mas o grupo interministerial criado para debater
uma política pública contra o álcool
para o país não chegou a lugar nenhum nos pontos
cruciais do assunto: restrição de propaganda,
aumento do preço do produto, limitações
à venda, todas questões que ultrapassam os limites
da Saúde, que encabeça a discussão no
governo.
A proposta que segue para o ministro da Saúde, Humberto
Costa, nos próximos dias, deixou as questões
em aberto. Como não houve acordo nem entre os ministérios
envolvidos -também participaram das discussões
a indústria e representantes de entidades científicas-
a idéia, diz Pedro Gabriel Delgado, coordenador de
Saúde Mental do ministério e do grupo interministerial,
é deixar as questões polêmicas a cargo
do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que levará
o projeto ao Congresso. Costa é favorável às
propostas de restrição e ao aumento de preço.
"O pedido do grupo é ir com o ministro ao presidente,
justamente para dar a importância devida a um problema
complexo, que só pode ser um problema de governo",
disse Delgado. "Você só pode afirmar que
um governo tem uma política quando ele desenvolve ações
em várias áreas."
O que é atribuição só da Saúde,
diz Delgado, já começou a andar. Como uma proposta
de sistema de atenção para pessoas que têm
problemas com o álcool. Nele, os postos de saúde
trabalharão articulados com os Caps (Centros de Atenção
Psicossocial) de álcool e de outras drogas.
Propaganda
O resumo dos debates realizados até janeiro chegará
a Lula bastante atrasado. A idéia era fechá-lo
em setembro de 2003. Em outubro, já encaminhado o pedido
de adiamento ao presidente, a pasta admitia recuar na idéia
de proibir toda a propaganda de bebida alcoólica das
6h às 22h no rádio e na TV e propunha que produtores
de cerveja e vinho pudessem fazer "chamadas de patrocínio".
Hoje no país a propaganda de cerveja é liberada
em qualquer horário. Somente bebidas de alto teor alcoólico,
como a cachaça, têm a propaganda proibida em
rádio e televisão das 6h às 21h.
A restrição total de anúncios de álcool
das 6h às 22h era a proposta original do grupo, iniciado
em maio de 2003. Foi estabelecido depois que o governo, pressionado
pelas cervejarias, decidiu retirar de votação
na Câmara uma emenda que estendia à cerveja a
restrição de propaganda.
O álcool é o primeiro fator de risco à
saúde no país para adoecimento e mortes evitáveis,
na frente de males como o cigarro, o sexo inseguro e a falta
de saneamento.
"O assunto carece não só de uma definição
da política como da aplicação da lei
existente", opina o psiquiatra Flávio Pechansky,
um dos especialistas que debateram consenso sobre a política
pública a ser publicado na Revista Brasileira de Psiquiatria.
O texto defende as restrições e a taxação.
Segundo o Ministério de Saúde, 70% a 80% da
população faz uso da bebida na vida, 30% tem
problemas com o álcool e 10%, graves problemas, como
dependência.
Brasil e EUA
O relatório sobre uso de drogas e neurociência,
divulgado pela Organização Mundial da Saúde
em Brasília em março, mostrou que, apesar de
o consumo por adulto/ano de álcool puro ser menor no
Brasil que nos EUA (8,6 litros contra 9,7 litros dos americanos),
aqui o padrão é abusivo.
Para medir isso, explica Delgado, a OMS cruzou dados sobre
dependência de álcool, acidentes de trânsito,
violência doméstica, consumo excessivo nos finais
de semana. Chegou a um tipo de indicador que vai de um (consumo
menos danoso) a quatro. Acima de três o consumo é
considerado muito nocivo. O Brasil ficou com índice
3,1, enquanto os EUA, dois.
O Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas
Psicotrópicas, referência em estudos sobre o
assunto, tem um texto clássico, de 15 anos atrás,
que mostra que a maior parte dos cadáveres do IML (Instituto
Médico Legal) de São Paulo tinha álcool
no sangue.
Um trabalho publicado em 2002 pelo centro mostrou que 90%
das 726.429 internações pelo uso de psicotrópicos
entre 1988 e 1999 foram em razão do álcool.
Não há dados sobre o custo social do álcool.
A Saúde trabalha na conta para tentar convencer o governo.
FABIANE LEITE
da Folha de S. Paulo
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