A América Latina aprofundou
sua condição de região mais desigual
do mundo durante os anos 90, comprometendo qualquer esforço
para a retomada de um crescimento sustentável.
O Brasil, apesar de uma pequena melhora
nos últimos anos, segue apresentando um dos maiores
abismos entre pobres e ricos no mundo.
As conclusões são do
estudo "Desigualdades na América Latina: Rompendo
com a História?", de 498 páginas, apresentando
ontem pelo Bird (Banco Mundial).
O órgão afirma que a
América Latina sofre hoje de "excesso de desigualdade"
e defende, especialmente para o Brasil, políticas urgentes
de cotas para minorias como forma de "romper o ciclo
histórico" que perpetua as diferenças na
região.
O trabalho enfatiza que a desigualdade
não será eliminada -"como demonstram os
últimos 50 anos"- apenas com medidas econômicas.
"A desigualdade na região
tem raízes históricas, no processo de colonização,
e tem sido reproduzida e mantida ao longo do tempo",
diz o economista brasileiro Francisco Ferreira, um dos autores
do estudo.
Políticas de inclusão
de minorias, acesso a crédito e a propriedades, a serviços
básicos (especialmente a educação) e
até uma presença maior do Estado -com um consequente
fortalecimento das instituições democráticas-
são apresentados como "fundamentais" para
combater as desigualdades.
O trabalho cruzou pela primeira vez
52 pesquisas realizadas em 3,6 milhões de domicílios
de 20 países da América Latina e do Caribe entre
1990 e 2001.
A principal conclusão é
que os 10% mais ricos da região detêm hoje 48%
da renda total. Na outra ponta, os 10% mais pobres ficam com
apenas 1,6% do bolo.
"Com exceção da
África subsaariana, a América Latina é
mais desigual em qualquer indicador: renda, gastos com consumo,
influência política, poder de decisão
e acesso a serviços como saúde e educação",
diz o estudo.
Nos anos 90, a desigualdade tornou-se"mais
uniforme" na América Latina como consequência
das crises na Argentina, Venezuela e Uruguai, países
antes considerados menos "injustos".
Segundo o estudo, a desigualdade no
país menos desigual da América Latina -o Uruguai-
é maior do que no país mais desigual do Leste
europeu e nos países industrializados.
Nesse contexto, o Brasil continua
o "mais desigual da região mais desigual".
O país só perde em desigualdade de renda para
cinco nações africanas: Namíbia, Botsuana,
República Centro-Africana e Suazilândia.
Segundo o Bird, apesar de modesta,
o Brasil foi um dos poucos países a ter melhora nos
indicadores de desigualdade na América Latina durante
os anos 90.
O índice Gini -uma escala que
vai de 0 a 1, na qual 1 é o pior indicador e representa
a maior desigualdade possível- do país caiu
de 0,59 no início dos anos 90 para 0,57 uma década
depois. O índice é um parâmetro internacionalmente
usado para medir a concentração de renda.
De resto, quase todos os outros latino-americanos
pioraram.
O caso da Argentina é considerado ""dramático",
especialmente se for levada em conta uma série histórica
mais longa.
De 1974 a 2002, por exemplo, o índice
Gini da região metropolitana de Buenos Aires passou
de 0,34 para 0,53.
Entrave ao crescimento
Se a desigualdade em si já é ruim, o Banco Mundial
destaca ainda que a diferença de padrão entre
ricos e pobres na região -no Brasil em especial- é
um poderoso entrave a qualquer política de crescimento
sustentável.
"Além de reduzir mais
lentamente a pobreza para cada ponto percentual de crescimento
econômico, a desigualdade segura também o próprio
ritmo de desenvolvimento", diz o estudo. "No limite,
a combinação desses fatores (pobreza, desigualdade
e crescimento lento) torna impossível aos países
escapar da mais absoluta pobreza."
O Banco Mundial sustenta essa tese
ao afirmar que a América Latina não saiu do
lugar, em termos de pobreza e desigualdade, nos últimos
50 anos.
"As cinco últimas décadas
tiveram ciclos de forte expansão econômica e
recessões; modelos de crescimento baseados no consumo
interno ou nas exportações; intervenções
do Estado e reformas liberais; ditaduras e democracias. Essas
mudanças não modificaram em nada a situação
de nenhum dos países em termos de distribuição
de renda", afirma o trabalho.
FERNANDO CANZIAN
De Washington para a Folha de S. Paulo
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