Embora a
indústria afirme que com a ratificação
da convenção-Quadro cerca de 2,4 milhões
de empregos deixarão de ser gerados, segundo informações
do INCA, mais de 70% dos fumicultores gostariam de mudar de
cultura se tivessem chance. Esse desejo em trocar de cultura
se deve também ao fato das doenças geradas pela
produção de tabaco como a folha verde e a depressão,
por conta do contato com agrotóxicos: "a produção
de fumo é um trabalho manual, com alto contato com fortes
agrotóxicos. Além disso, os fumicultores não
têm dinheiro suficiente para comprar o equipamento de
proteção, distribuído pela indústria
fumageira", diz o presidente da ONG Terra de Direitos Guilherme
Almeida.
Ainda segundo Almeida, um outro fator que agrava o impedimento
dos fumicultores em trocar de cultura se deve à relação
de dependência do agricultor em relação
a indústria: "o fumicultor passa a vida devendo
à indústria e pagando empréstimos. É
o que a gente chama de 'servidão moderna'", explica
e completa: "A não-ratificação do
Brasil ao tratado, irá fortalecer essa relação
de dependência", alerta. "Além do mais,
é ilusão do pequeno agricultor acreditar que
a produção de tabaco é lucrativa pra
ele", concorda o presidente da Fetraf-Sul, Marcos Roshinski.
Mesmo que a maior parte dos fumicultores tenha um vínculo
com a indústria fumageira por meio de dívidas,
conforme afirmações de Almeida, algumas ações
de substituição do fumo por outra cultura já
têm dado resultados na região sul, maior produtora
de tabaco do país. É o caso da ação
do Projeto Esperança, da Diocese Santa Maria, que criou
a cooperativa Cooesperança com o objetivo de auxiliar
os fumicultores a trocarem a cultura do tabaco pela produção
de alimentos orgânicos, de maneira sustentável:
"oferecemos uma alternativa de trabalho com base na economia
solidária e sustentabilidade. Eles se organizam cooperativamente,
produzem ecologicamente e comercializam diretamente",
explica Irmã Lurdes Dill, presidente do projeto.
"A Convenção-Quadro é uma meta real.
Em 10 anos, apenas os grandes produtores de fumo, detentores
de tecnologia, irão sobreviver. Nesse contexto, o Brasil
precisa ratificar o tratado para que posamos contar com o
apoio de substituição de cultura. O pequeno
produtor precisa se preparar e nós estamos ajudando.
Contamos inclusive com o Ministério da Saúde
que está apoiando o desenvolvimento agrário
alternativo", orgulha-se. É importante destacar
que, segundo a Irmã Lurdes, os antigos fumicultores
da região de Santa Maria (RS) que migraram para a cultura
alternativa têm lucrado mais, "além de terem
uma vida mais saudável com mais qualidade", afirma.
O Projeto Esperança/Cooesperança recebeu premiação
da OMS em reconhecimento ao incentivo do trabalho voluntário
ao combate ao tabagismo, em julho do ano passado durante "Fórum
Tabaco e Pobreza - Um Círculo Vicioso", que aconteceu
na sede da Organização Pan-Americana da Saúde
(OPAS). O projeto é realizado com mais de 15 mil pessoas
em 30 municípios da região de Santa Maria (RS)
desde 1986. A placa em homenagem ao trabalho da entidade e
da Irmã foi entregue pelo ministro da saúde
Humberto Costa. A iniciativa da Diocese de Santa Maria recebe
o apoio de 170 associações e organizações
não-governamentais e envolve também outras dioceses
do Estado.
Segundo a advogada e técnica da Divisão de
Controle do Tabagismo do INCA, Cristiane Vianna, o trabalho
do Projeto Esperança é importantíssimo,
já que "se realmente houver a diminuição
de consumo e produção do tabaco no mundo, nossos
fumicultores precisarão se preparar para essa, ainda
que lenta e gradativa substituição de cultura".
O trabalho da irmã Lurdes ganhou elogios inclusive
de membros do governo como o deputado Paulo Pimenta (PT-RS)
e do Senador Eduardo Suplicy (PT-SP) que teve a chance de
ouvir a Irmã durante audiência pública
realizada em Santa Cruz do Sul (RS) em dezembro do ano passado
e que contou com a presença ainda do Ministro da Saúde
Humberto Costa, diversos oncologistas, além de produtores
de tabaco da região.
Outro importante trabalho que tem sido realizado na região
sul, onde se concentra a maior parte (90%) dos produtores
de tabaco do país, é a da DESER - Departamento
de Estudos Sócio-Econômicos Rurais, que tem reunido
os fumicultores para palestras onde eles podem se informar
e entender melhor o que é a Convenção-Quadro:
"A forma como as informações sobre o tratado
foram passadas aos fumicultores foi feita com terrorismos
e inverdade. Por isso, estamos trabalhando com a Fetraf no
sentido de informar os sindicatos dos agricultores rurais
e esclarecer os principais pontos do tratado", explica
a técnica do DESER - Departamento de Estudos Sócio-Econômicos
rurais, Marilza Aparecida Biolchi que completa: "explicamos
a eles que a fumicultura não vai acabar e que eles
não serão obrigados a mudar de cultura com a
ratificação do tratado. Eles ficaram surpresos
ao descobrirem que as informações tinham chegado
de forma incorreta para eles".
A ONG Terra de Direitos, que conta com uma equipe de jornalistas,
advogados e pesquisadores de universidades, também
trabalha com a disseminação de informações,
pesquisas, campanhas, atividades de formação,
estudos sobre a relação entre indústria
e agricultores, além de trabalhar questões de
direitos humanos, mediação de conflitos, denúncias
contra crimes de latifúndio, emancipação
dos movimentos sociais populares no Brasil e na América
Latina.
Segundo Paula Johns da Rede Tabaco Zero, única organização
civil a participar de todas as reuniões de negociação
da Convenção-Quadro, essas campanhas de esclarecimento
e desmistificação do tratado, além de
uma mobilização popular, são fundamentais
para a ratificação. A Rede Tabaco Zero, uma
articuladora de ONGs, ativistas, médicos, ex-fumantes
e entidades envolvidas com a questão do fumo, e que
surgiu a partir da REDEH - Rede de Desenvolvimento Humano
em 2000, também tem disponibilizado diversos artigos,
dados e informações em seu site http://www.redetabacozero.net.
Já o INCA, disponibilizou além dos e-mails
dos Senadores para que qualquer pessoa possa enviar uma mensagem
de apoio à ratificação, um manifesto
online que também será enviado ao senado e divulgado
no boletim semanal da Aliança Por Um Mundo Sem Tabaco.
Uma aliança de ONGs internacionais (UICC GLOBALink,
international Non-Govermental Coalition Against Tobacco e
Framework Convention Alliance) também criou um site
para que qualquer pessoa ou organização possa
"assinar" a Convenção, mas é
preciso preencher uma ficha de inscrição.
"Uma sociedade civil organizada e bem informada é
fundamental em todos os momentos da vida pública, assim
como é essencial para que esta exerça seus direitos
de cidadania", lembra documento produzido pelo INCA.
LISANDRA MAIOLI
do site setor3
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