A 15ª
Conferência Mundial de Aids começa hoje, na Tailândia,
com um encontro paralelo batizado de "Reação
do Terceiro Mundo". Oito países fora do eixo dos
laboratórios multinacionais se encontram para montar
uma estratégia de produção de remédios
e intercâmbio de pesquisa. Brasil, Nigéria, África
do Sul, Ucrânia, Rússia, Tailândia, China
e Índia formam o bloco.
A proposta é encerrar o encontro com uma carta de intenções
na qual cada um vai contribuir com a tecnologia, os laboratórios,
as instituições e os técnicos que tem.
"Se juntarmos os medicamentos fora da lei de patentes
que já produzimos com aqueles que a Índia produz
-onde ainda não há uma lei de propriedade intelectual-,
poderemos produzir os 15 remédios usados contra a Aids",
diz Alexandre Grangeiro, do Programa Nacional de Aids.
A preocupação é que até 2005 também
a Índia deverá ter uma lei de patentes, conforme
determina a Organização Mundial do Comércio.
"Com a cópia do remédio podemos nos valer
da quebra de patentes, mas preferimos dialogar primeiro",
diz Grangeiro.
Para as ONGs/Aids brasileiras, essa "timidez" liderada
pelo Brasil não se justifica. Em manifesto a ser divulgado
hoje em Bancoc, as ONGs da Articulação Nacional
de Luta contra a Aids exigem que os "tratados de propriedade
intelectual e os acordos comerciais estejam a serviço
da vida" e defendem a "quebra imediata e definitiva
das patentes, o licenciamento compulsório e a produção
de medicamentos genéricos". Pedem também
que países em desenvolvimento "possam livremente
produzir, exportar e transferir tecnologias de medicamentos
genéricos para outros países".
Vistas como modelo pela política de distribuição
de medicamentos para todos, as iniciativas do Brasil podem
ser anuladas tão logo novas drogas, protegidas por
patentes, chegarem ao mercado com preços altíssimos.
A Índia, que já "copiou" todos os
remédios disponíveis, conseguiu juntar numa
única cápsula três diferentes comprimidos,
reduzindo o número de ingestões diárias
e facilitando a adesão.
"Mas, se não houver troca e investimento em tecnologia
para novas drogas, os remédios continuarão fora
do alcance das grandes populações", diz
Grangeiro.
Mesmo o aumento da ajuda pelos países ricos não
evitará o que Pedro Chequer chama de possível
"hecatombe". Chequer, que já trabalhou para
o Unaids (Órgão da ONU para a Aids) em vários
países, diz que a ajuda vem aumentando a cada ano,
mas ainda falta agilidade e praticidade no uso desse dinheiro.
De 1996 a 2003, a verba para a Aids passou de US$ 300 milhões
para US$ 5 bilhões, sem contar os US$ 15 bilhões
anunciados pelo governo norte-americano.
"Mas hoje são 6 milhões de doentes que
precisam de remédios e não têm",
diz Paulo Teixeira, autor do plano "3 em 5" (remédio
para 3 milhões de pacientes até o ano que vem)
da Organização Mundial da Saúde.
Em acordos bilaterais, o Brasil vem fornecendo tratamento
para cem pacientes de dez países e deve ampliar esse
número para 14. Segundo o Ministério da Saúde,
há acordos de cooperação com todos os
países de língua portuguesa na África.
Uma das prioridades é o treinamento de profissionais
e a estruturação da rede de saúde, inexistente
na maioria dos países.
"Médicos, enfermeiros, militares etc. estão
morrendo", diz Chequer. Há cidades africanas em
que 70% da população tem Aids.
AURELIANO BIANCARELLI
da Folha de S.Paulo
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