Uma reunião
na noite da última quarta-feira, no Colégio
Estadual Gonçalves Dias, em Benfica, entre representantes
da Secretaria estadual de Educação, professores
e alunos, terminou de forma tensa. Presos da Casa de Custódia
de Benfica, vizinha à escola, começaram um tumulto
nas celas, com gritaria, que acabou ao som de cinco tiros.
De onde vieram os disparos, ninguém soube dizer ao
certo. A reunião servia para discutir uma proposta
inédita no currículo escolar carioca: um adicional
por periculosidade, de 30%, nos salários dos professores
da escola, que paralisaram as aulas há mais de um mês,
por falta de segurança. O estado vai estender o abono
aos professores de outras escolas da rede também situadas
em áreas de risco.
A Gonçalves Dias tem 401 alunos em nove turmas do
ensino supletivo, mas desde o massacre do dia 29 de maio —
quando 31 pessoas morreram após 62 horas de rebelião
— eles não estão assistindo às
aulas, com medo de nova revolta.
"Desde o motim, toda noite é assim: os presos
fazendo muito barulho, gritando e todos aqui apavorados. Não
temos condições de dar aulas. É uma situação
insuportável para nós e para os alunos",
disse um professor, preferindo não ser identificado.
Mudança
A reunião que discutia a volta das aulas foi interrompida,
como várias outras realizadas após o massacre
de maio, para tratar do mesmo assunto. Os representantes do
governo do estado insistiam na proposta de pagar o abono,
recusada pelos professores, mas naquele dia reconheceram que
a situação na escola era grave:
"Considerando a gravidade do problema, a Secretaria
de Educação está solicitando à
Secretaria de Administração (Sare) o pagamento
de um adicional de periculosidade de 30% para todos os professores
que trabalhem em escolas situadas em áreas de risco",
disse o subsecretário estadual de Educação,
Antonio Neves.
Embora ainda não tenha uma estimativa de quantos professores
devem receber o abono, o subsecretário afirmou que
todos os profissionais que, comprovadamente trabalhem em escolas
em áreas de conflito de traficantes, terão direito
ao adicional.
"O abono é um direito dos funcionários.
Quanto à escola Gonçalves Dias, podemos garantir
que todas as providências necessárias já
foram tomadas para que os alunos tenham as aulas com tranqüilidade",
afirmou Antonio Neves.
O Colégio Gonçalves Dias é uma espécie
de nômade do ensino. Até o ano passado, funcionava
à noite numa escola municipal, em São Cristóvão.
Acabou despejada e foi parar em Benfica. Nos planos da Secretaria
de Educação deverá voltar, em breve,
para São Cristóvão — para salas
que o governo pretende alugar no Instituto Cylleno, um colégio
particular. A situação na Gonçalves Dias
era de normalidade até a rebelião na Casa de
Custódia de Benfica.
"No dia da rebelião, os policiais civis e militares
ocuparam a escola, que serviu de base para as operações
da Secretaria de Segurança. Eles chegaram a arrombar
uma porta da escola para ter acesso ao telhado", contou
um funcionário.
O professor Alex Trentino, diretor do Sindicato Estadual
dos Profissionais de Educação (Sepe), que acompanhou
a reunião na Gonçalves Dias, diz que os professores
da unidade não são os únicos a correr
risco:
"No Colégio estadual Ayrton Senna, em São
Conrado, existe a mesma preocupação. A unidade
funciona em frente à Favela da Rocinha e ficou paralisada
vários dias durante a guerra do tráfico."
Para Marcelo Freixo, membro do Conselho da Comunidade e que
tem acompanhado a situação dos presos da Casa
de Custódia, a situação da Gonçalves
Dias mostra a falta de estrutura do governo.
"Não é a escola que está no lugar
errado. É a casa de custódia que está.
As escolas têm que existir dentro das favelas, sim.
Têm que ficar perto de seu público-alvo. O problema
hoje é que nas favelas há insegurança
dos dois lados. A polícia que não dá
segurança, é corrupta e violenta. E há
o próprio tráfico de drogas. E no caso específico
de Benfica, representa insegurança quando deveria ser
o contrário. É simplesmente um depósito
de presos", disse Freixo.
A guerra travada por traficantes pela soberania em presídios
e favelas da cidade tem atingido em cheio a educação.
Em vários bairros há escolas fechadas em conseqüência
dessa violência.
"Constatamos que, nos primeiros meses deste ano, a violência
externa atingiu 219 escolas e creches públicas situadas
em todas as regiões da cidade, com paralisações
totais e parciais, prejudicando 121.175 alunos", informou
a professora Sonia Mograbi, secretária municipal de
Educação.
Apenas na última sexta-feira, de acordo com levantamento
da Secretaria municipal de Educação, 5. 617
alunos não chegaram sequer a sair de casa, porque as
aulas haviam sido suspensas em conseqüência da
violência promovida pelo tráfico. E outros 263
alunos estavam nas escolas quando foram obrigados a sair às
pressas.
As informações são
do jornal O Globo.
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