O governo
federal está ampliando em 57% a distribuição
da pílula anticoncepcional de emergência no serviço
público, com a intenção de fornecer,
a partir do próximo mês, a chamada pílula
do dia seguinte a todas as mulheres, não somente às
vítimas de violência sexual. Além disso,
as unidades do SUS credenciadas para cirurgias de esterilização
devem aumentar em 50% até 2007.
As medidas fazem parte da nova política de direitos
sexuais e reprodutivos do Ministério da Saúde,
cujo foco é garantir a autonomia no planejamento familiar.
O documento será lançado em março, mas
já está em andamento o processo de compra das
200 mil cartelas adicionais da pílula.
Já estão sendo distribuídas pelo ministério
as 352 mil cartelas deste ano para os 1.388 municípios
mais populosos do país. O novo lote será distribuído
a partir de março para o restante dos municípios
que possuem equipes do Programa Saúde da Família.
A pílula do dia seguinte pode ser comprada em farmácias,
mas na rede pública é freqüentemente limitada
ao atendimento de emergência em casos de estupro.
O governo e os fabricantes consideram que esse método
evita a gravidez após o sexo desprotegido. Já
a Igreja Católica é contra seu uso.
A novidade é que a política do ministério
determina que o medicamento seja disponibilizado de forma
mais ampla, sem prejuízo da prioridade de uso dos métodos
anticoncepcionais tradicionais.
O documento prevê que a pílula do dia seguinte
deve ser fornecida "de modo que não fique restrita
apenas aos serviços de referência para mulheres
vítimas de violência sexual".
Segundo o secretário de Assistência à
Saúde, Jorge Solla, o acesso ampliado da pílula
contraceptiva de emergência visa garantir o direito
reprodutivo das mulheres de camadas mais pobres, que sofrem
uma dupla exclusão.
"Primeiro, não tiveram acesso à informação
e ao uso de anticoncepcionais de rotina. Segundo, se encontraram
em situação inesperada e precisaram do contraceptivo
de emergência, mas este não estava disponível",
disse Solla.
A universalização da pílula deve encontrar
resistência em parte da classe médica. Há
quatro anos, pesquisa feita pela Febrasgo (federação
das sociedades de ginecologia e obstetrícia) com 579
ginecologistas brasileiros mostrou que 30% deles consideravam
a pílula abortiva e não a receitavam.
Na opinião do médico Jorge Andalaft Neto, presidente
da comissão de violência sexual e aborto legal
da Febrasgo, hoje a aceitação dos médicos
é muito maior porque eles estão mais bem informados
sobre o contraceptivo. Para ele, os que se posicionam contrários
à pílula o fazem por convicções
religiosas ou por falta de informação científica.
Por essa razão, Andalaft considera fundamental que
a distribuição das pílulas esteja associada
a uma maior capacitação da rede de saúde.
"Fazemos hoje um trabalho de formiguinha."
Para o médico Jefferson Drezett, assessor do consórcio
latino-americano de anticoncepção de emergência,
há médicos que se neguem a prescrever a pílula
de emergência para mulheres da rede SUS, mas que o fazem,
"sem o menor constrangimento", às suas pacientes
particulares. "Ainda há preconceito, profissionais
que acham que a mulher humilde não saberá usar
a pílula."
Drezett é consultor do Ministério da Saúde
e elaborou uma cartilha sobre a contracepção
de emergência que será distribuída para
os profissionais do SUS. "A pílula não
fere o Código de Ética Médica nem o Código
Penal e é um direito constitucional."
Cirurgias de esterilização
Médicos ligados à área de reprodução
humana defendem que o Ministério da Saúde ofereça
métodos que permitam a concepção, como
as cirurgias de reversão da laqueadura e da vasectomia,
na mesma proporção que pretende investir nas
cirurgias de esterilização. Hoje, são
poucos os centros médicos ligados ao SUS que fazem
cirurgias de reversão.
Segundo o ginecologista Nilson Donadio, professor da Faculdade
de Ciências Médicas da Santa Casa de São
Paulo, 50% dos casais esterilizados (mulheres laqueadas ou
homens vasectomizados) se arrependem no prazo de um ano, independentemente
ou não do desejo de ter um outro filho.
No serviço de reprodução humana da Santa
Casa, três de cada dez casais na fila da fertilização
in vitro ficaram estéreis em razão de laqueaduras
ou de vasectomias que não puderam ser revertidas.
Para a ginecologista Claudia Gazzo, responsável pelo
setor de reprodução do Hospital do Servidor
Estadual, também é importante que os médicos
sejam orientados a fazer a laqueadura em um local que permita
a recanalização.
LEILA SUWWAN
CLÁUDIA COLLUCCI
da Folha de S.Paulo
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