O governo
federal anunciou ontem duas medidas de emergência para
socorrer os índios de Dourados (sul de Mato Grosso
do Sul): a ampliação do número de beneficiados
pelo Bolsa-Família e o aumento da quantidade de cestas
básicas distribuídas. A ajuda é anunciada
dois dias depois de uma índia de três anos e
11 meses morrer de desnutrição na cidade.
Hoje, 31 famílias da etnia guarani-caiuá ganham
os R$ 50 mensais e os R$ 15 por filho pagos pelo programa
Bolsa-Família. No mês que vem, mais 484 famílias
passarão a receber o benefício.
O número de cestas básicas distribuídas
mensalmente subirá de 1.700 para 2.900 em março,
reforço que durará seis meses. Cerca de 550
cestas básicas já foram enviadas na semana passada.
O anúncio das ações emergenciais também
ocorre duas semanas depois de a Folha noticiar que a mortalidade
infantil entre os índios de Mato Grosso do Sul subiu
25% entre 2003 e 2004 e chegou a 60 por 1.000 nascimentos
(a média brasileira é de 24 por 1.000). Só
neste ano, duas crianças morreram de desnutrição
em Dourados. No ano passado, 15 morreram nas aldeias do Estado.
O Cimi (Conselho Indigenista Missionário), órgão
ligado à Igreja Católica, classificou as ações
anunciadas pelo governo de "paliativas", "cínicas"
e "hipócritas".
"Essas medidas não vêm acompanhadas de nenhum
sinal de solução a médio ou a longo prazo.
É um tremendo cinismo o governo dizer que vai salvar
os índios da fome se não demarca suas reservas
para que possam cuidar da própria subsistência.
É muita hipocrisia dar dinheiro e comida hoje e saber
que amanhã vão morrer de fome de novo",
diz Egon Heck, coordenador do Cimi em Mato Grosso do Sul.
O Ministério do Desenvolvimento Social procurou dividir
a culpa pela situação de emergência com
a prefeitura, o governo estadual, a Funai (Fundação
Nacional do Índio) e a Funasa (Fundação
Nacional da Saúde).
"A responsabilidade não é só nossa",
disse o secretário-executivo-adjunto do ministério,
João Fassarella, acrescentando que soube da gravidade
da situação por meio de "notícias
que vieram da imprensa". "Quando o ministério
tomou um conhecimento mais forte da situação,
adotamos as medidas de emergência."
Em 2003, o governo federal assinou um convênio com o
Mato Grosso do Sul para repassar R$ 5 milhões do Fome
Zero às aldeias do Estado, dos quais R$ 1,02 milhão
ainda não foi aplicado. "O Estado terá
que aplicar todo o valor até julho, quando termina
o convênio", disse o secretário de Segurança
Alimentar do ministério, Giacomo Baccarin.
A principal causa da pobreza é a falta de terra. Em
Dourados, 11 mil índios estão confinados em
3.500 hectares na periferia. Agrava a situação
a presença dos plantadores de soja e pecuaristas, que
fazem pressão para que os índios arrendem suas
terras.
RICARDO WESTIN
da Folha de S. Paulo, sucursal de Brasília
|