Há
uma maneira positiva e outra negativa de ver as propostas
de financiamento do ensino superior contidas no projeto de
reforma universitária apresentado pelo MEC. A forma
positiva é que os gastos com as universidades federais
crescerão consideravelmente. A maneira negativa é,
também, que os gastos com essas instituições
aumentarão.
Essa aparente contradição se explica porque,
para especialistas ouvidos pela Folha, o aumento dos gastos
com as universidades federais poderá ser positivo ou
negativo, dependendo da maneira como a verba será empregada.
Os artigos 41, 42 e 43 da proposta do MEC trazem mudanças
que, segundo estimativa feita pelos pesquisadores Simon Schwartzman
(ex-presidente do IBGE) e Claudio de Moura Castro (ex-chefe
de divisão de programas sociais do Banco Interamericano
de Desenvolvimento), elevarão de R$ 6,3 bilhões
para R$ 8,3 bilhões os gastos federais em ensino superior,
excluindo as aposentadorias. Um salto de 31%.
O aumento dessa grandeza aconteceria porque o projeto sugere
aumentar o limite mínimo para os gastos com instituições
federais de ensino superior das receitas do MEC de 70% para
75%. Pela Constituição, 18% dos recursos do
Orçamento da União são destinados à
educação. O que o ministério está
sugerindo é que, desses 18%, três quartos do
gasto sejam destinados obrigatoriamente às universidades
federais.
A proposta do ministério também garante que
nenhuma universidade federal terá diminuição
de repasses federais de um ano para outro. Um dos artigos
mais polêmicos, no entanto, é o que determina
que os gastos com inativos não sejam mais incluídos
como despesas com ensino, sendo remetidos para as contas da
Previdência.
Atualmente, para provar que cumpriu o limite constitucional
de 18% de gastos com ensino (nos Estados, esse limite mínimo
é de 25%), o governo federal, assim como a maioria
dos governos estaduais e prefeituras, inclui na soma desse
percentual mínimo o dinheiro gasto com pagamento de
aposentadorias de profissionais de educação.
O lado bom dessa notícia é que, se aprovado
da maneira como proposta pelo MEC, a reforma universitária
garantirá às universidades federais condições
de aumentar a oferta de matrículas, melhorar sua infra-estrutura,
contratar mais professores e ainda ter a garantia de que,
de um ano para o outro, seu orçamento nunca diminuirá.
O lado ruim é que, ao aumentar os gastos com ensino
superior, o governo federal acaba diminuindo a verba do ensino
básico. Pelas contas, o aumento de cinco pontos percentuais
no bolo que vai para as universidades federais será
obtido graças à redução, na mesma
medida, da verba destinada ao ensino básico.
Segundo o ex-ministro da Educação Cristovam
Buarque (PT-DF), que antecedeu Tarso Genro na pasta, o projeto
engessará o investimento em ensino básico nos
próximos anos. "Se for aprovada, o presidente
Lula assinará uma lei que vai impedir que os próximos
presidentes invistam mais de 25% em educação
básica. O dinheiro que as universidades tem hoje não
é muito, mas essa lei pode durar 30 anos", diz
Cristovam.
Schwartzman e Moura Castro, em artigo publicado pela Fundação
Nacional de Desenvolvimento do Ensino Superior Particular,
fazem o mesmo questionamento: "Há que se ver o
que resultará como redução de recursos
para outras áreas mais necessitadas, se os recursos
totais para a educação não aumentarem
de forma muito significativa nos próximos anos, o que
é improvável, dado que eles já absorvem
cerca de 5,5% do PIB".
Ponto positivo
Segundo o reitor da Universidade Estadual de Campinas,
Carlos Henrique de Brito Cruz, entretanto, o aumento da dotação
orçamentária das universidades federais é
um dos pontos positivos do projeto de reforma.
"O Brasil investe proporcionalmente pouca verba pública
no ensino superior. Se descontarmos o custo das aposentadorias
e de manutenção dos hospitais universitários,
o percentual do PIB brasileiro alocado no ensino superior
público não passa de 0,6%. Nos países
da OCDE (Organização para Cooperação
e Desenvolvimento Econômico), esse percentual é
três vezes maior (1,8%)."
Para o professor Brito Cruz, o suposto embate entre ensino
fundamental, médio e superior na disputa pelas verbas
já foi resolvido pela Constituição. "Está
na lei: a principal fonte de recursos para o ensino fundamental
são os municípios. Para o ensino médio
são os Estados. À União cabe prover,
fundamentalmente, as instituições superiores
de ensino."
O ex-ministro da Educação e tucano Paulo Renato
Souza aponta para outro possível problema da proposta
de reforma do governo: a irrealidade e a despreocupação
com a qualidade.
"O aumento dos recursos para as universidades federais
é sempre desejável, mas resta saber se o Ministério
da Fazenda considera um aumento dessa grandeza razoável.
Além disso, estão garantindo mais recursos para
as federais sem nenhuma exigência de qualidade. Se uma
instituição diminuir o número de alunos
por decisão do sindicato, continuará com a garantia
de que não terá diminuição de
recursos", diz Paulo Renato.
ANTÔNIO GOIS
da Folha de S. Paulo
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