O programa
de TV perfeito para crianças e adolescentes, de acordo
com os critérios dos pais, não existe na TV
comercial e está escasso nas deficitárias emissoras
públicas. É o que mostra pesquisa qualitativa,
que será divulgada hoje, feita em São Paulo
com 60 pais de filhos de 4 a 17 anos.
O estudo, feito pelo instituto MultiFocus, especializado
em comportamento infanto-juvenil, sob encomenda da ONG Midiativa,
traçou o que seriam "dez mandamentos de um programa
de qualidade" assistido por crianças e adolescentes.
Entre os mandamentos, está o óbvio "não
ser apelativo", mas há outros que chegam a surpreender
por indicar que os pais reconhecem o que todo bom profissional
de TV educativa deveria saber: mais importante do que informar,
um programa de qualidade tem de "gerar curiosidade",
estimular a criança ou o jovem a pesquisar em outras
fontes.
A lista completa inclui os mandamentos "ser atraente",
"confirmar valores", "ter fantasia", "gerar
identificação", "mostrar a realidade",
"despertar o senso crítico", "incentivar
a auto-estima" e "preparar para a vida".
Os dez mandamentos serão agora "ranqueados".
Uma segunda etapa do estudo, que começa no dia 22,
com pesquisa quantitativa, irá ouvir 270 pessoas -180
pais e 90 filhos. Nela, será determinada a ordem de
importância desses mandamentos. Também serão
apurados quais os programas da TV que merecem o selo de qualidade.
O ranking dos melhores será divulgado em abril, na
4ª Cúpula Mundial de Mídia para Crianças
e Adolescentes, no Rio. O projeto todo será concluído
em julho, com a premiação de profissionais,
veículos e anunciantes, no Prêmio MídiaQ.
Preocupação
Os dez mandamentos da TV de qualidade podem até
ser cumpridos, pelo menos parcialmente, por programas infantis.
Mas há um problema: os programas mais vistos por crianças
e adolescentes não são feitos para eles.
Segundo o instituto Datanexus, que mede audiência da
TV, dos dez programas mais vistos por crianças de até
nove anos na Grande São Paulo, entre 1º e 10 de
março, nenhum era infantil.
Já entre os dez mais vistos por pessoas de 10 a 17
anos, apenas o seriado "Malhação",
da Globo, se enquadra no perfil de programa para adolescentes.
"Os programas adultos são assistidos também
pelas crianças. A preocupação dos pais
com valores não se restringe aos programas infantis",
diz Ana Helena Meirelles Reis, 53, diretora da MultiFocus,
responsável pela pesquisa. "A ânsia dos
pais é por novas produções voltadas para
esses valores [os dez mandamentos]. Eles querem programas
de debates e entrevistas para crianças."
Reis evita citar maus exemplos de programas, mas enumera
os gêneros. Embora "Malhação"
cumpra o mandamento "gerar identificação",
por abordar os anseios dos jovens, há muitos deslizes
em telenovelas. "A novela cria uma ilusão quando
mostra uma realidade que os filhos não podem ter",
diz. E, quando exibem vilões que vivem aplicando golpes
e se dão bem, dão um golpe no mandamento "confirmar
valores".
"Reality shows" também são condenados
pelos pais, "quando mostram o lado ruim das pessoas e
a sexualidade". Ana Reis afirma que o que mais preocupa
os pais são a ilusão e a realidade vistas na
TV. A classe C, diz, não proíbe que seus filhos
vejam telejornais policiais. "As famílias da classe
C acham que a TV tem de passar a realidade, porque seus filhos
vivem em um ambiente violento, vão à escola
sozinhos. Mas condenam a forma como a violência é
mostrada. Já as classes A e B preferem preservar seus
filhos."
As preocupações variam conforme a idade. Pais
de crianças de até oito anos valorizam programas
com "fantasia", como desenhos animados, embora rejeitem
os violentos. Já os pais de adolescentes valorizam
o real responsável. "A faixa que mais preocupa
é a dos oito aos 13 anos, por ser a mais vulnerável.
Antes dos oito anos, os pais conseguem controlar mais, e a
criança se interessa mais pelo lado lúdico.
Depois dos 13 anos, os filhos têm outras atividades
e interesses", conclui Reis.
DANIEL CASTRO
da Folha de S. Paulo
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