Depois
de um ano desempregado, Eber Evaristo Alencar, pode recuperar
a esperança. Ele acaba de receber uma carta de encaminhamento
do Centro de Apoio ao Trabalhador/ Centro Brasil Trabalho
(CEAT/CBT), uma organização sem fins lucrativos,
vinculada à Igreja Católica, cujo objetivo é
resgatar a cidadania de pessoas que se encontram sem trabalho.
A carta não é sinônimo de emprego; está
longe disso. É apenas um documento afirmando que o
candidato cumpre os requisitos necessários para concorrer
a uma vaga de empacotador de supermercado. Mas já é
motivo para que o homem se encha de expectativa em retornar
ao mercado de trabalho. Ele confia que aconteça como
em uma das outras três ou quatro vezes em que esteve
no CEAT, quando foi encaminhado para a seleção
de uma vaga em uma cooperativa e conseguiu um emprego por
seis meses. Aos trinta anos, Eber conta que há um ano
vive de bicos. Quem sabe não é desta vez?
A mesma sorte não teve Marieta de Jesus Rosa, 62
anos. A última vez que ela conseguiu um emprego foi
em 1998, como diarista. Provavelmente sejam seus cabelos brancos
que dificultam a volta ao mercado de trabalho. Mas ela não
desiste. Espalha currículos, consulta o jornal e, para
pararem de reclamar que ela não tem o Ensino Fundamental
completo, voltou a estudar. Está fazendo supletivo
e pretende completar o Ensino Médio em breve. "Assim,
ninguém pode mais dar a desculpa da falta de estudos".
É a primeira vez que a senhora recorre ao CEAT. Como
Eber, ela tem a esperança de começar 2005 com
a carteira assinada. Responde a todas as questões da
atendente da organização: nome, telefone, estado
civil, PIS, CPF, RG, experiência profissional comprovada
na carteira, endereço, habilidades... As cartas de
recomendação, comprovando a experiência
como costureira, auxiliar de limpeza, copeira e diarista estão
bem conservadas.
Cadastro pronto, é hora de cruzar seu perfil com
as vagas disponíveis. Infelizmente, não é
dessa vez. Acostumada aos "nãos", vai embora
resignada. "Pelo menos agora, vocês já têm
meu contato. Se aparecer uma vaga vocês me ligam, né?".
"Claro!", conforta a atendente Mônica Garcia
Rosas. Ela explica que um dos diferenciais do CEAT é
justamente captar vagas junto a empresas e não esperar
que elas cheguem ao sistema.
O CEAT/CBT trabalha com um software que cadastra o perfil
dos trabalhadores e todas as vagas. Trata-se de um programa
do Ministério do Trabalho, também utilizado
por órgãos governamentais de apoio ao trabalhador
desempregado, além de centrais sindicais. O programa
cruza as informações do perfil da população
cadastrada com as vagas oferecidas, encontrando as pessoas
adequadas a cada posto de trabalho.
Quando a organização consegue captar vagas
extras, provenientes de empresas que já conhecem seu
trabalho, as oportunidades não entram no sistema. Senão,
elas são imediatamente preenchidas porque o sistema
é único. Nesses casos, o CEAT/CBT convoca, por
telefone, as pessoas que já estão inscritas
em seu sistema e preenchem os requisitos.
Mônica esclarece que, a unidade em que trabalha recebe,
diariamente, entre 200 e 300 pessoas. A maioria é de
homens, com escolaridade variada, mas com idade entre 30 e
42 anos. Ultimamente, o número de jovens que buscam
o primeiro emprego aumentou, em função do Programa
Jovem Cidadão, do governo do Estado de São Paulo.
Desemprego atinge 2,3 milhões de brasileiros
A última Pesquisa de Emprego e Desemprego na Região
Metropolitana de São Paulo, divulgada em dezembro de
2004 pela da Fundação Sistema Estadual de Análise
de Dados (SEADE) e referente a novembro de 2004, mostra que,
na grande São Paulo, o número de desempregados
estimado era de 1 milhão e 749 mil. A taxa de desemprego
caiu pelo sétimo mês seguido e hoje atinge os
17,4% da população economicamente ativa (PEA).
Segundo a pesquisa, o tempo médio de busca de emprego
na região é de 53 semanas.
Em dezembro de 2004, o Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE) também divulgou a Pesquisa
Mensal de Emprego, realizada em seis regiões metropolitanas
(Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador
e São Paulo). O estudo revelou que, em novembro do
ano passado, estimava-se que 2,3 milhões de pessoas
estivessem procurando trabalho nessas regiões. Em relação
a novembro de 2003, houve uma redução de 11%
nas taxas de desemprego. Isso significa que, este ano teve
cerca de 289 mil trabalhadores desocupados a menos que o ano
anterior.
Essa pesquisa mostrou ainda que existem cerca de 19,5 milhões
de "pessoas ocupadas", isto é, trabalhando
em postos de trabalho formais ou informais, também
nas seis regiões. Desse número, 39,6% correspondem
a empregados com carteira assinada no setor privado, 15,9%
a empregados sem carteira assinada no setor privado e 20,1%
a trabalhadores por conta própria. A renda média
das pessoas ocupadas é de R$ 904,70.
Dos números ao ser humano
O CEAT e o CBT, conforme explica o padre Licio de Araújo
Vale, são dois projetos diferentes apenas porque o
primeiro fica sob a responsabilidade da arquidiocese de São
Paulo e o segundo sob a diocese de Santo Amaro. Fora isso,
eles têm a mesma gestão e metodologia.
A idéia do projeto começou a ser desenvolvida
em 2001. O objetivo era criar um programa da sociedade civil
organizada, que oferecesse atendimento integral ao trabalhador.
Apesar de fazer um trabalho semelhante ao de órgãos
como o Poupa Tempo ou as centrais sindicais, que ajudam o
trabalhador a procurarem emprego, o CEAT/CBT tem uma preocupação
social um pouco maior com a pessoa que está fragilizada,
em função da perda do emprego.
O padre explica que a organização vê
o desempregado "não como um número, mas
uma pessoa, um ser humano, que tem que ser entendido em relação
à sua família, comunidade, bairro".
Assim, o atendimento oferecido pelo CEAT/CBT é psicossocial.
Quando o cadastro do desempregado é feito, são
colhidas informações como número de filhos,
se algum deles está em liberdade assistida (LA), se
algum dos membros da família tem problemas com drogas,
é alcoólatra etc. Conforme o caso, eles são
encaminhados para as pastorais sociais correspondentes. Há
também uma preocupação com a valorização
da auto-estima do trabalhador.
A organização oferece ainda um programa de
qualificação profissional, o Sala de Talentos,
com cursos de auxiliar administrativo, informática
e operador de telemarketing. De acordo com Marcela Porcelli,
coordenadora do CEAT do Belém, a maior dificuldade
para recolocar os profissionais no mercado é a falta
de qualificação. Ela explica que, como as vagas
são escassas, os empresários, cada vez mais,
fazem maiores exigências. Para um auxiliar de limpeza,
querem que ele tenha o Ensino Médio completo. O que
acontece é que nem sempre eles conseguem preencher
todos os postos de trabalho disponíveis. O jeito é
tentar convencer o empregador de que vale a pena contratar
uma pessoa que tenha Ensino Médio incompleto, por exemplo.
Padre Licio concorda. Ele acha que a qualificação
profissional é o principal desafio do país.
E acredita que seria interessante investir no ensino técnico.
Além do Sala de Talentos, o CEAT/CBT oferece mais
dois projetos: o Time do Emprego e a Oficina de Negócios,
em convênio com o Sebrae. O Time do Emprego caracteriza-se
por ser um grupo de 30 pessoas que se reúnem, semanalmente,
durante 16 semanas. Por meio de dinâmicas, eles trabalham
questões como auto-estima, elaboração
de currículo, como se comportar em entrevistas e CEAT
Belém de Atendimento ao Trabalhador conta que o mais
interessante da experiência é que os próprios
trabalhadores passam a cooperar entre si na busca por emprego.
"Sempre que um trabalhador encontra uma vaga, mostra-a
para os outros", diz. O resultado é que, normalmente,
o curso nem chega às 16 semanas previstas, pois as
pessoas são empregadas antes. Marcela afirma que o
índice de recolocação das pessoas que
participam do Time do Emprego no mercado de trabalho é
de 80%. A Oficina de Negócios é um curso de
empreendedorismo, que oferece dicas de como abrir seu próprio
negócio.
Existem seis unidades do CEAT/CBT em São Paulo. De
acordo com padre Licio, a opção da entidade
foi trabalhar com a população mais excluída.
Por isso, as unidades estão localizadas na periferia
da capital paulista.
Prioridade: população excluída
Em 2005, o foco da unidade do CEAT que fica no Arsenal da
Esperança (uma casa de acolhida de moradores de rua,
no bairro do Belém, zona Leste de São Paulo)
é o atendimento a pessoas em situação
de rua. Esse trabalho deve ser estendido para as demais unidades
da ONG no decorrer do ano. Padre Licio ainda explica que,
em 2006, a organização deve passar a atender
a população egressa do sistema penitenciário
e da Febem, pois recebeu um pedido do Ministério da
Justiça para trabalhar nessa perspectiva.
Atualmente, os recursos da organização vêm
do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e do convênio
com o Sebrae (Oficina de Negócios). Em 2004, eles começaram
a trabalhar também a possibilidade de captar outras
fontes recursos. Anualmente, devem realizar uma feira comercial
para levantar recursos, realizar outros eventos, além
de procurar novos parceiros financiadores, para não
ficar dependendo exclusivamente do FAT. No segundo semestre
de 2005, mais duas unidades devem ser abertas, uma na zona
Leste e outra no bairro de Brasilândia, na zona Noroeste.
Rita de Cássia Costa e Silva, coordenadora do CBT
da Vila Mascote, conta que, em 2004, as seis unidades do CEAT/CBTO
realizaram, juntas, 154.269 atendimentos. Cerca de 50 mil
encaminhamentos foram feitos. Desses, 9 mil pessoas foram
colocadas no mercado de trabalho (quase 20% dos encaminhados).
Grandes peripécias
José Edivaldo Alexandrino, 31 anos, foi um desses casos
vitoriosos. Nascido em alguma cidade de Pernambuco (nem ele
mesmo sabe com certeza qual), Val, como é chamado,
teve uma vida bastante atribulada até o ano passado.
Aos cinco anos, foi dado para uma família de Recife.
Com eles, permaneceu até os 15 ou 16 anos, quando resolveu
fugir porque era maltratado. Para isso, trabalhou como office
boy durante alguns meses. Juntou alguns trocados, comprou
uma passagem e veio para São Paulo.
Ao chegar na maior cidade da América do Sul, ficou
apavorado. Ainda na rodoviária, notou que aquele não
era seu lugar e resolveu tomar um ônibus para alguma
cidade do interior. Aconselhado por um desconhecido, foi para
São José dos Campos, no interior do Estado.
Lá, conseguiu um bico e ficou trabalhando durante um
ano.
De lá para cá, não sossegou. Viajou
o Brasil inteiro. Teve várias ocupações...
O primeiro registro na carteira foi como operador de usina
de concreto, em São José dos Campos. Depois,
tornou-se vendedor de roupas em uma loja de departamentos.
Viajou atrás de uma namorada em Jacareí. Foi
atendente de uma casa de massas em um shopping de luxo, vendedor
de cachorro quente e dono de carrinho de cachorro-quente,
na cidade de Porto Alegre. Eletricista, em Santos. Trabalhador
em uma fábrica de borracha em Mateus Leme, cidade próxima
de Belo Horizonte. Voltou para Porto Alegre; trabalhou como
eletricista. Em seguida, virou separador de peças em
São José dos Pinhais, no Paraná...
Bastante inquieto, José Edivaldo voltou para Campinas,
onde ficou sabendo do Arsenal da Esperança. Era hora
de ele sossegar. Como a entidade acolhia pessoas em situação
de rua, resolveu enfrentar a cidade que, anos antes, o tinha
assustado. O dinheiro da passagem ele conseguiu trabalhando
em alguns dias, desmontando um parque de diversões.
Trinta reais no bolso era tudo o que tinha para comprar o
bilhete e começar a vida em São Paulo.
Val deu entrada no Arsenal da Esperança no dia 19
de abril de 2004. Conta que foi bem-recebido e logo procurou
arrumar um emprego fixo. "Eu nunca tinha assentado raízes.
Precisava sossegar", conta. Começou fazendo uns
bicos, entregando folhetos na avenida Paulista. Em seguida,
trabalhou alguns meses em empresa de financiamento.
Então, resolveu fazer seu cadastro no CEAT. "Era
dentro do Arsenal. Por que não?". Ele lembra que
numa segunda-feira fez a inscrição e não
conseguiu emprego. Voltou na sexta seguinte. Não queriam
que ele entrasse de novo, pois fazia pouco tempo que ele tinha
ido. Mas acabou convencendo o responsável.
Foi nesse dia que a sorte chegou. A atendente procurou uma
vaga no sistema e lá havia um posto para auxiliar de
produção. A exigência, "até
trinta anos", quase o desanimou. Ele havia acabado de
completar 31. Mas o CEAT cumpriu seu papel de negociação
junto ao empregador e perguntou se não poderia enviar
alguém que tivesse acabado de fazer 31. A empresa aceitou
e José Edivaldo se arrumou para a entrevista. Entre
outros convocados, José Edivaldo foi o selecionado.
Passou a operar uma máquina computadorizada, que produzia
peças para aviões.
O novo funcionário se deu tão bem, que acabou
sendo contratado pela empresa. Vendo sua dedicação,
o empregador resolveu investir em seu potencial. Atualmente
de férias coletivas, ele diz que, no dia 22 de janeiro,
vai fazer um curso em Santa Bárbara do Oeste. E no
dia 2 de fevereiro, começa um outro curso de fresador
ferramenteiro no Senai.
Na véspera de Natal, mais uma nova surpresa: ele
saiu do albergue e está conseguindo alugar um quarto.
Para 2005, ele pretende encontrar uma mulher que o ame, casar
e constituir família. Também quer guardar dinheiro
para, aos poucos, comprar uma casinha. Além disso,
quer continuar atuando como voluntário no Arsenal da
Esperança. "É uma forma que eu tenho de
ajudar quem me ajudou", conclui.
As informações são
do site setor3.
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