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Discussões
sobre conceitos como consumo consciente, economia solidária,
rede de trocas, responsabilidade social, entre tantos outros,
saem dos bancos das universidades ou de eventos específicos
com a presença de estudiosos, para ganhar mais adeptos
por meio da internet e, principalmente, a juventude. Uma das
ferramentas que tem servido para ampliar estes debates no
meio virtual é o Orkut. Este é um banco de dados
virtual, criado pelo programador do Google (site de busca),
chamado Orkut Buyukkokten, nos Estados Unidos, e que vem ganhando
cada vez mais os brasileiros.
No Orkut, os internautas após serem convidados pro
alguém que já participa do grupo, cadastram
seus dados e características em geral, e podem procurar
pessoas, adicioná-las ao seu grupo de amigos, criar
e participar de comunidades. E é neste espaço,
que surgem a cada dia, novas comunidades que reúnem
desde estudantes, profissionais, ativistas de movimentos sociais
ou curiosos para debater temas sociais e em voga no terceiro
setor. São pessoas de diversas partes do Brasil e até
do exterior que se unem para trazer estes assuntos para pauta
de debate. Numa rápida busca no Orkut, é possível
encontrar quatro comunidades com o tema "economia solidária"
ou "economia social". A maioria criada no segundo
semestre de 2004 reúne juntas cerca de 500 internautas
interessados no tema. Uma única comunidade sobre "responsabilidade
social" reúne em média três mil pessoas.
Os motivos que levam estes internautas a criar ou simplesmente
participar destas comunidades são diversos: interesse
pelo assunto, a atuação profissional ou a vontade
de conhecer mais. O interessante, no entanto, é que
as informações sobre os assuntos se espalham
e as idéias dos jovens se aprofundam com a troca de
experiências. "É importante participar de
ações como esta, nas comunidades, porque discutir
estes assuntos é o mesmo que discutir o desenvolvimento
econômico, que busca o bem estar da sociedade, diferente
do crescimento econômico. É discutir a política,
é começar a se conscientizar e buscar uma sociedade
e quem sabe um mundo melhor", comenta Ana Carla Cunha,
23 anos, economista e criadora de uma comunidade sobre economia
solidária. Para Flávia Teixeira, relações
internacionais, participante de uma comunidade a respeito
do consumo consciente, significa mostrar para a sociedade
civil a importância de sua participação
como sujeito político.
A conscientização aparece, portanto, como
foco central desses grupos de internautas. A comunidade sobre
consumo consciente, por exemplo, já expõe na
sua primeira página para que veio: "Uma comunidade
para refletir sobre os impactos que o comportamento de um
mero consumidor pode ter". E traz ainda pensamentos.
"Nós não somos audiência, usuários
finais ou consumidores. Nós somos seres humanos - e
nosso alcance vai além de sua compreensão. Encare
isso". (Manifesto Cluetrain).
Daniel Madsen, 21 anos, estudante de Ciências Sociais,
e criador da comunidade, explica que ela é ainda pequena,
mas as pessoas que participam são realmente interessadas,
com uma "visão desconfiada do discurso presente
na publicidade, nas novelas, no 'senso comum' sobre o que
é consumir, para quê serve e a quem". "E
isso é um ótimo potencial, pois de forma rápida
posso alcançar pessoas que realmente importam, algo
que os publicitários sofrem pra descobrir como fazer",
comenta o jovem, que inicia diversos fóruns de discussões
em sua comunidade. Um deles tinha como tema: "Ora, o
consumo!. Por que não?".
E essas reflexões são constantes para Daniel,
que acredita que consumo consciente é um instante de
hesitação, "uma pausa para suspender a
inércia constante com que fazemos nossas ações
cotidianas de consumo". "Elas estão presentes
no dia-a-dia do habitante urbano, por exemplo, mais do que
qualquer outra coisa. Isso em si já é algo que
merece alguns pensamentos. Mas, além disso, é
preciso haver reflexões sobre a cadeia de conseqüências.
Em outras palavras é trazer à consciência,
para dentro do que consideramos como 'efeitos de nossas ações',
fatos e relações que sempre foram ocultadas,
deixadas de lado pela visão tipicamente individualista
da sociedade de consumo".
Já para a participante desta comunidade, Graziella
Giannini, 23 anos, estudante de jornalismo, consumo consciente
é consumir sem excessos e exageros. "Não
é apenas consumir somente aquilo que é ecologicamente
correto, mas sim, consumir, reciclando a embalagem após
o uso, comprando em um lugar de preço acessível,
conferindo se a empresa é politicamente correta, se
não faz uso de animais para testes e para abuso de
utilização", comenta.
Do discurso à ação
E mais do que apenas discutir, os jovens participantes destas
comunidades começam a colocar os conceitos em prática.
A jovem Graziella Giannini aponta o que faz no dia-a-dia em
relação a este consumo. "Em casa o lixo
é reciclado, só compro se realmente for necessário
e depois de grandiosas pesquisas de preço, custo-benefício,
qualidade do produto e sua origem".
Já Mauricio Falleiros, 35 anos, instrutor de yoga
e participante da mesma comunidade sobre consumo consciente,
vai um pouco além. Ele afirma que se possível,
não compra os produtos e faz ele mesmo. Agora, se precisar
consumir, será o produto mais natural, reciclável
e próximo possível, para diminuir transportes,
evitar importação, privilegiar pequenos produtores
e comerciantes, além daquele que tenha a melhor relação
custo/benefício. Mauricio acredita que, com estes parâmetros
fundamentais, ele irá gerar o mínimo possível
de resíduos, preservando assim o ambiente, além
de dinamizar as relações locais e evitar em
contribuir com a concentração de renda gerada
pelas grandes distribuidoras. Ele já começou
também a fazer compostagem caseira do lixo orgânico.
Mas essa disposição em colocar em prática
estes "conceitos" não ocorre somente quando
o assunto é consumo consciente. Os jovens se envolvem
em ações práticas no dia-a-dia e em suas
comunidades e já avaliam resultados nestes locais.
André Miami, 28 anos, militante da ONG ambientalista
chamada Bio-Bras e criador da comunidade sobre rede de trocas,
por exemplo, conta que na sua profissão - desenvolvedor
de sites - sempre que possível tenta dar a opção
de realizar alguma troca com os clientes.
"A última troca foi antes de sair de viajem.
Consegui a melhor mochila que eu podia ter para a minha viagem.
O meu cliente conseguiu o sistema que ele queria e uma terceira
empresa conseguiu saldar parte de um débito que tinha
com esse cliente", explica. Além disso, enquanto
estava no Brasil - agora mora em Montevidéu, no Uruguai,
para estudar a Economia Solidária por lá - participava
da Feira de Trocas na cidade de Mogi das Cruzes, interior
de São Paulo, além da feira do Centro Cultural
Jacutinga.
Para ele, os benefícios aos participantes de uma
rede de trocas são diversos, como a valorização
e recuperação do ser humano. "Partindo
do princípio de que todas as pessoas têm talentos
para alguma coisa e que apenas a economia formal baseada em
uma falsa escassez não valoriza todas as formas de
economia, muitas dessas pessoas começam a ver seus
talentos sendo novamente requisitados, o que faz com que se
sintam úteis novamente para a comunidade. Começamos
a compreender que é possível criar nossa própria
moeda social para destravar essa produção, comércio
e consumo que está travado".
Já Renata Ártico, cientista social, 26 anos
e participante de uma comunidade sobre economia solidária,
vivenciou na prática o dia-a-dia de um projeto com
este enfoque. Durante a gestão da prefeitura Marta
Suplicy, em São Paulo, a jovem trabalhou na Secretaria
do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade (SDTS), num programa
social chamado "Oportunidade Solidária".
O programa atuava no estímulo e na organização
da população que vivia abaixo da linha da pobreza
em cooperativas e micro-empresas. O objetivo era, principalmente,
à emancipação do beneficiário
no seu auto-sustento sem, no entanto, abrir mão da
perspectiva do trabalhador como ser humano, promovendo, dessa
maneira, geração de trabalho e renda por meio
de iniciativas de economia solidária.
A partir dessa experiência e como pesquisadora atualmente,
a jovem consegue analisar os benefícios dessas ações,
tanto no âmbito econômico quanto os impactos subjetivos,
que reforçam a cidadania dos trabalhadores e a coesão
da comunidade. "O trabalho em grupo não-hierarquizado,
assim como a divisão equânime dos lucros entre
os membros de uma cooperativa organizada com base nos princípios
da economia solidária, propicia uma cultura diferente
daquela na qual, via de regra, este trabalhador está
inserido. O trabalhador da economia solidária aperfeiçoa
os elos de solidariedade para com os outros cooperativados,
já que percebe que seu trabalho depende também
do trabalho dos demais. E esta forma de organização
do trabalho é contrária àquela que o
lucro pelo lucro, contrária à individualidade
postulada pela economia capitalista neo-liberal. Ela é
importante, principalmente, na reorganização
do mundo do trabalho e das relações humanas",
avalia.
Participação precisa aumentar
Mas, o que interessa para os participantes das comunidades
sobre os temas apontados, independente da motivação
inicial, é que os conceitos se expandam cada vez e
ganhe novos adeptos para a causa. E parece que a idéia
está dando certo. Rafael Tomy, 29 anos, estudante de
Ciências Sociais, por exemplo, havia ouvido falar sobre
economia solidária, mas não conhecia muito bem
do que se tratava. No orkut, encontrou uma comunidade sobre
o tema e resolveu participar para se informar melhor.
Hoje, apesar de ainda não conhecer com profundidade
o tema e não saber até mesmo apontar em que
locais esses projetos estão ocorrendo, ele já
consegue apontar os benefícios que ações
com este enfoque podem ter. "Estas experiências
são importantes como alternativas viáveis ao
modo de produção mercadológico-consumista
típico do sistema capitalista. O maior benefício
é as oportunidades para as comunidades produzirem e
comercializarem em concorrência justa com grandes corporações".
Assim como Rafael, outros internautas podem se interessar
pelos temas das "comunidades sociais" e virem a
se engajar nas ações. Alguns participantes acreditam
que os jovens se interessam por estes temas, como avalia Marcus
Vinicius Bonfim, relações públicas, 26
anos, e criador de uma comunidade sobre economia solidária.
"Os jovens se interessam e muito pelo tema. Há
um engajamento social muito importante que a economia solidária
desperta. O sentido de cooperação é muito
forte. O caráter revolucionário contra o capitalismo
vigente encontra muito eco na juventude, por excelência
uma época de muito idealismo".
"Os jovens nos anos 80, por exemplo, não eram
tão preocupados em consumir com consciência.
Já os jovens da década de 90 são mais
interessados no tema. Hoje, temos mais formas de descobrir
sobre o assunto, acesso à internet, leitura acessível,
dentre mil outras formas de se saber sobre o assunto",
comenta Graziella, destacando que, com essas novas informações
disponíveis, não é fácil mais
enganar o consumidor. "Se você diz que sua embalagem
é reciclável e ela não é, pode
ter certeza que não terá mais aquele consumidor
comprando nenhum de seus produtos".
Outros, no entanto, acham que ainda há um longo caminho
a percorrer. "Muitos optam pelo caminho mais fácil.
Alguns acham, com algum acerto, que dar um passo é
melhor que ficar parado e, com muito erro, que isso já
é o suficiente. Muito poucos vão até
o fim, mergulham de cabeça, corpo e alma", acredita
Mauricio. Mas é preciso, na opinião dos participantes,
fazer muito mais para que a população brasileira
se torne mais consciente sobre novas posturas a assumir.
Para Cláudio Gonçalves Mello de Souza, 25
anos, estudante de Economia pela Universidade Federal Rural
do Rio de Janeiro, a participação e articulação
das pessoas precisar ser maior e, para que isso possa ocorrer,
é necessário divulgar mais as ações
de economia solidária, mostrando que existem pessoas
necessitadas de ajuda devido aos problemas sociais que o país
enfrenta. "Vivemos uma situação de recessão
austera desde 1997 com um leve desenvolvimento em 2004. Se
o mercado de trabalho formal não absorve anualmente
o total de formandos nas universidades brasileiras (mão-de-obra
qualificada e formadora de opinião), que dirá
então as pessoas que estão desatualizadas, que
não têm a capacitação necessária
exigida pelos empregadores?. O governo tenta fazer sua parte,
mas com essa política recessiva não vai obter
tanto sucesso", acredita.
Na opinião de Marcus Vinicius Bonfim, falta uma maior
consciência sobre o que é e quais são
as propostas da economia solidária. "O mundo capitalista
vende conceitos como responsabilidade social das empresas,
mas o que de concreto fazem?. Apenas ofertam as migalhas,
o peixe mesmo está escondido, o banquete dos 'escolhidos'
é para poucos. A grande imprensa e a sociedade como
um todo só enxerga esses valores, como consumo consciente,
comércio justo, por exemplo, quando as empresas entram
no circuito e mimetizam isso e transformam tudo sob a marca
da responsabilidade social. Mas as pessoas que já atuam
em economia solidária têm muita consciência
do seu papel e sempre buscam reforçar os conceitos".
Mas não é somente Marcus que pensa sobre essa
forma. Os participantes destas comunidades acreditam que a
responsabilidade das empresas deve ir muito além do
discurso. Muitos avaliam, assim como Daniel Madsen, que as
tentativas no meio empresarial ainda são tímidas
e fracas. "Não dou a mínima para essas
coisas. Elas atravancam ao invés de estimular. Para,
as empresas estão apenas testando o potencial de vendas
de suas atividades sociais, ver qual é o mínimo
necessário que precisam gastar com isso pra deixar
seus conscientes consumidores satisfeitos. Isso não
muda sua forma essencial de pensamento, de visão das
coisas. Uma visão utilitarista, própria da sociedade
de consumo. O consumo consciente ainda não entrou nas
empresas", acredita.
Para André Miami, o que está ocorrendo atualmente
é uma exposição excessiva dos temas como
comércio justo e consumo consciente e de alguns empreendimentos
interessados em criar um diferencial mercadológico
para seus produtos. Ele aponta que até mesmo em espaços
em que esses conceitos deveriam estar presentes, como o Fórum
Social Mundial de 2005, muitos empreendimentos que lá
estavam de solidário só tinham o nome.
"Muitas empresas vem se beneficiando do potencial das
trocas, criando verdadeiros sistemas de compensação
financeira alternativa aos sistemas bancários. Porém,
as empresas em geral ainda tiram o seu lucro da exploração
de trabalhadores ou ao custo da exploração do
meio ambiente".
Por isso, os jovens querem fazer mais. Daniel conta que
seu "próximo passo" será mobilizar
pessoas para criar um portal de consumo consciente cuja produção
seja colaborativa e completamente horizontal. "A idéia
é abrir possibilidades, e sei de muitas pessoas que,
como eu, não querem ser heróis nem ter seu nome
na história de uma bandeira social. Querem simplesmente
fazer parte de uma multidão caótica de iniciativas
transformadoras, e para isso, precisamos sempre pensar num
aumento, de preferência descontrolado, do volume dessa
multidão", aponta o jovem.
DANIELE PRÓSPERO
do site setor3
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