Tão
perto geograficamente, tão longe economicamente. Numa
cidade de extremos como o Rio de Janeiro, ainda há
espaços de intersecção entre duas juventudes
que são vizinhas, mas estão afastadas pelo abismo
social.
A relação entre elas é marcada, em alguns
casos, pela violência; em outros, desafia preconceitos
e medos das duas partes.
O interesse por manifestações culturais "populares"
(como rodas de choro, jongo ou bailes funk) é uma das
principais formas de acesso dos jovens de classe média
carioca ao mundo -desconhecido para a maioria- dos morros
e do subúrbio.
Há casos de meninas de classe média que se apaixonam
por jovens do tráfico e passam a viver em morros cariocas.
Há outros, no entanto, menos relatados, de quem acha
graça em todo esse medo de parte da classe média.
As irmãs Moline, 22, e Meline Aguiar, 20, moradoras
de Copacabana, sobem três vezes por semana o morro do
Cantagalo (que fica no mesmo bairro) para ter aulas de circo
com moradores da favela em um espaço da ONG AfroReggae.
Elas passaram a freqüentar bailes funk também
e dizem que a imagem desses bailes como locais perigosos para
se divertir é, em parte, fruto da imaginação
da classe média carioca.
"Já fui à Baroneti [boate da zona sul do
Rio] e não volto mais lá. Os homens pisavam
no meu pé e não pediam desculpas. Também
já fui a baile funk no Scala [casa de espetáculos
no Leblon] e os meninos lá ficavam sem camisa, parecendo
se exibir para eles mesmos. No Pavão-Pavãozinho,
os garotos pedem desculpas quando esbarram nas meninas",
compara Moline.
Sua irmã concorda e diz que não é verdadeira
a imagem de que, ao subir o morro para ir a bailes funk, a
classe média fica exposta ao tráfico e às
drogas.
"Essas meninas se apaixonaram por traficantes porque
quiseram. Ninguém é obrigada. A gente vai ao
baile funk para se divertir. É hipocrisia achar que
só no morro há drogas. Em Ipanema, basta ter
dinheiro no bolso para comprar maconha, mas não é
isso que vai fazer um jovem fumar ou não", argumenta
Melina.
As duas afirmam que foram muito bem recebidas pelos colegas
de aula no AfroReggae, mas temem que a recíproca não
seja verdadeira quando Melina convidar seus amigos do Cantagalo
para freqüentar locais da classe média na zona
sul.
A pesquisadora da Fiocruz Fátima Cecchetto, autora
do livro "Violência e Estilos de Masculinidade",
concorda com as irmãs Moline e Meline.
"Há espaços onde a classe média
convive com a juventude mais pobre. No entanto, essa via não
é de mão dupla. A classe média consegue
freqüentar um baile funk, mas é mais difícil
para um jovem pobre freqüentar os espaços da classe
média."
Para a antropóloga Alba Zaluar, coordenadora do Núcleo
de Pesquisa das Violências da UERJ, a geografia carioca
facilita a sociabilização, mas isso não
significa que as relações sejam sempre tranqüilas.
"Essa dificuldade pode ser superada pelo diálogo",
diz Zaluar.
ANTÔNIO GOIS
RAFAEL CARIELLO
da Folha de S. Paulo
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