O norueguês
Lars Saabye Christensen falava há apenas meia hora
no Café Literário, na tarde de sábado,
quando o entrevistador Silio Boccanera teve de encerrar a
sessão em função de um "evento perturbado"
que aconteceria em seguida. Traduzindo: a organização
da Bienal do Livro do Rio precisava evacuar o já pouco
ocupado recinto e prepará-lo para receber a fila que
ansiava do lado de fora pela chegada dos humoristas do Casseta
& Planeta.
A cena ilustra a constatação de que não
existe uma bienal, mas duas acontecendo no Riocentro, até
o próximo domingo. A primeira, tema dos cadernos de
cultura dos jornais, tem como destaques autores estrangeiros
e, como cenário mais freqüente, auditórios
praticamente vazios.
A segunda, mais real e razão de ser do evento, é
a que moveu mais de cem mil pessoas no último fim de
semana (49.432 no sábado e 57 mil no domingo) para
uma exposição em torno de livros, que ainda
não fazem parte do cotidiano da maioria dos brasileiros.
O que se busca nas ruas lotadas dos pavilhões, principalmente,
são promoções (livros baratos), escritores
best-sellers (Ziraldo, Lya Luft, Luis Fernando Verissimo)
e celebridades (Casseta & Planeta, a apresentadora Eliana
e o ex-jogador de futebol Bebeto, por exemplo).
"Não seria melhor a gente ir para um bar conversar?",
perguntou o bem-humorado escritor australiano DBC Pierre às
30 pessoas que formavam a platéia de sua conferência,
na noite de sábado.
O autor de "Vernon God Little - Uma Comédia na
Presença da Morte", livro vencedor do Booker Prize
em 2003, certamente teria tido maior público se se
sentasse em um dos lotados restaurantes dos pavilhões.
Também cheios ficaram os estandes com atrações
para crianças e/ou livros de R$ 1 a R$ 3.
Voltado para o público infantil, mas com maior gabarito
literário, o estande da Melhoramentos atraiu no sábado
cerca de 3.000 pessoas para a sessão de autógrafos
coletiva realizada, durante três horas, por Ziraldo,
Ana Maria Machado, Ruth Rocha e Pedro Bandeira.
No mesmo Pavilhão Verde, o lote da Comix Book Shop
superlotava de adolescentes de todas as idades, comprando
desde mangás (gibis japoneses) por R$ 3 até
sofisticadas obras em quadrinhos como "Prelúdios
e Noturnos", da série "Sandman", por
R$ 54.
"Estou vendendo de 30% a 40% a mais do que na última
bienal", exultava Carlos Mann, dono da Comix há
19 anos. "Com o advento dos mangás, formaram-se
novos leitores de quadrinhos. E, pela minha experiência,
quem começa a ler mangás, depois evolui para
coisas mais elaboradas, como livros", disse.
A aposta de Mann pode ser excessivamente otimista, mas impressionava
no fim de semana o grande número de visitantes em estandes
de editoras menos comerciais --algumas pequenas e médias
e outras maiores, como a Companhia das Letras e a Jorge Zahar,
que juntaram seus livros no mesmo endereço da bienal.
A fila era maior em uma editora como a Sextante, a campeã
dos livros de auto-ajuda e que estreou na ficção
com nada menos do que "O Código Da Vinci"
(800 mil exemplares já vendidos). "Reconheço
que é uma cavalice, os livros estão vendendo
muito", espantava-se Marcus da Veiga Pereira, um dos
donos da Sextante. A empresa tem vendido em média 250
mil livros por mês.
Chamado de "Dan Brown francês" por ter desbancado
"O Código Da Vinci" do topo da lista de mais
vendidos da França com o seu "Da Próxima
Vez", Marc Levy ainda não tem a mesma popularidade
no Brasil. Sua palestra, no sábado à noite,
não cativou mais do que cem pessoas, apesar do chamariz
de seu livro anterior, "E Se Fosse Verdade...",
ter tido os direitos comprados para o cinema por Steven Spielberg
por US$ 2 milhões.
Ele aproveitou para bater na crítica de seu país,
que normalmente bate nele. "Minha relação
com os críticos é péssima, horrível
mesmo. Isso me tranqüiliza muito. Na França, há
um complexo em relação à felicidade,
como se ser feliz fosse sinônimo de ser idiota. Os intelectuais
são infelizes e, apesar de defenderem a esquerda, detestam
tudo que é popular", disse, desvelando um pouco
do divórcio que há entre as duas bienais.
País homenageado da feira deste ano, a França
enviou 16 autores para o Rio em uma missão de conquista
de novos leitores, já que o país há muito
deixou de ser referência marcante para os brasileiros.
Até o momento, o lucro da missão parece tímido.
Lolita Pille, a única da delegação que
já fazia sucesso aqui por causa de "Hell",
mostrou-se bem mais acanhada do que a protagonista de seu
romance, que trata do mundo de sexo e drogas da alta burguesia
francesa. Fez um pequeno gracejo no Café Literário
--toparia viver com um traficante caso ele fosse bonito--
e chamou mais atenção por não conseguir
ficar muitos minutos sem um cigarro na boca.
Como compensação, o estande do Consulado da
França se firmou como um dos mais bonitos e visitados
da bienal. As atrações literárias eram
boas, mas certamente os pães e biscoitos feitos na
hora contribuíram bastante para o movimento. Entre
um tchauzinho para a câmera da Globo e um grito de "Eliana!",
muita gente passava para comer um croissant ou uma madeleine.
LUIZ FERNANDO VIANNA
da Folha de S.Paulo
ANA PAULA CONDE
Colaboração para a Folha de S.Paulo
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