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21/01/2005
Pessoas doam seu tempo para ouvir desabafo de quem luta contra a solidão

Madrugada de sábado, 2h. Se para muitos esse é o dia ideal para sair, passear e se divertir com os amigos, para Ademir, sábado é sinônimo de dedicação e disponibilidade total, até às 6h. Ao lado do telefone, no Posto do CVV - Centro de Valorização da Vida - de São Bernardo do Campo, ABC Paulista, ele aguarda o chamado de alguma pessoa desesperada, angustiada e, por que não, alegre também. São pessoas, muitas vezes, que não têm com quem conversar, desabafar e precisam de ajuda. Ouvir é a palavra de ordem. "São quatro horas que você tem que estar totalmente disponível para aquela pessoa. O nosso trabalho é estar junto com ela. Valorizamos aquilo que é importante para ela e não para nós", ressalta.

É com princípios como este que há 43 anos o CVV desenvolve o seu trabalho pelo país. O centro foi fundado em 1962, em São Paulo, em decorrência do aumento no número de casos de suicídio nas grandes metrópoles. O objetivo principal é a valorização da vida como prevenção ao suicídio, por meio do apoio emocional oferecido pelos voluntários. São mais de 2700 voluntários no Brasil, que atuam em 57 postos de atendimento, em 50 cidades de 17 estados e do Distrito Federal. Em 2003, os voluntários do CVV atenderam a aproximadamente um milhão de telefonemas (uma ligação a cada 33 segundos).

O serviço do CVV é gratuito e é oferecido de forma ininterrupta, 24 horas todos os dias por telefone, e também pessoalmente, das 8h às 18h. Em cada posto do CVV há de dois a quatro telefones, atendidos por 40 a 60 voluntários, em seis turnos diários de trabalho, de quatro horas cada. A proposta do trabalho do CVV não é aconselhar, mas permitir que a pessoa perceba sozinha o que precisa e possa dar um novo rumo para a sua vida. Não é uma terapia, mas sim um apoio emocional, baseado na oferta de atenção e calor humano. Como a pessoa não precisa se identificar, sequer dizer o nome, sente-se livre para falar, ou mesmo ficar em silêncio, pelo tempo que necessitar e lhe é garantido o sigilo.

A pessoa que liga direciona a conversa. Ela fala o que quer, desliga quando deseja e volta ou não a ligar. Se no momento do telefonema, pedir socorro, o CVV buscará formas de ajudá-la. O voluntário se identifica somente quando a pessoa pede. Isso porque, muitas vezes, para quem liga é importante e lhe dá mais conforto conversar com uma mulher ou com um jovem, por exemplo.

"Afinal, será que aquela pessoa quer ouvir o que você acha ou a sua experiência? No momento da solidão, ela pode esperar algo diferente de você", comenta a voluntária Tânia. Ela lembra que a idéia é "aplicar uma vacina da prevenção", ou seja, incluir ingredientes para amenizar o sofrimento dela, como amor, afeto, ânimo, atenção, alegria, palavras positivas, respeito, compreensão, ajuda, valorização, aceitação, e tantas outras coisas. É tudo isso que irá permitir minimizar as razões que a levaria ao suicídio: desespero, depressão, solidão, baixa auto-estima, vícios, violência, complexos, doenças.

Segundo dados divulgados pelo CVV, cinco em cada 100 mil brasileiros, com idade entre 15 e 24 anos, cometem suicídio. De acordo com o próprio CVV, os números, no entanto, podem não representar a realidade, pois em muitos casos o real motivo da morte é camuflado devido à vergonha, motivos religiosos e necessidade de receber pagamentos de seguros de vida. Diferentemente das demais formas de violência, o suicídio tem como agressor a própria vítima; e como principal causa, a solidão.

Por isso, o voluntário deve estar preparado para saber compreender todas as pessoas, sejam elas crianças, jovens, adultos e idosos que decidem ligar para o CVV. Afinal, a solidão pode atingir qualquer um, independentemente de idade, sexo, classe social ou profissão. São situações diversas e que envolvem todos os tipos de sentimentos, desde remorso, ódio, problemas de saúde e sexuais, ou de relacionamentos afetivos.

Para manter a privacidade das pessoas que ligam, os voluntários não podem expor os casos que atendem, mas, em sua maioria, não são situações extremas, como muitos possam pensar, em que a pessoa do outro lado da linha pode estar prestes a se matar. "Há casos até de pessoas que ligam para contar coisas alegres, que receberam uma promoção, justamente porque não têm ninguém na família para dizer", comenta Ademir. A voluntária Alaíde lembra ainda de uma pessoa que ligou para agradecer pelo CVV existir, pois há 30 anos ela ligava. "É estranho, mas a competitividade do mundo de hoje impede até de algumas pessoas contarem sua felicidade para as outras, com medo de que isso se vá".

O trabalho do voluntário, portanto, está longe de ser algo simples. Alaíde, que é voluntária do CVV há 11 anos, lembra que, na correria no dia-a-dia, as pessoas falam muito mais do que ouvem, expõem suas necessidades e, muitas vezes, não se importam com o que outro está precisando. "As pessoas acham que é só sentar lá na cadeira, esperar o telefone tocar e ouvir. E não é assim fácil não. Nós estamos acostumados a escutar e não a ouvir. E são coisas muito diferentes. Você tem que trabalhar os seus próprios preconceitos. É ver aquela pessoa com os olhos dela e não com os meus. É a vivência do outro", comenta Ademir, que é voluntário há dois anos. "Claro que não é aceitar tudo com naturalidade, mas com muito amor e respeito", completa Alaíde.

Por isso, para se tornar um voluntário do CVV é preciso, além de ter mais de 18 anos, e disponibilidade de tempo, ter espírito solidário e estar disposto ao autoconhecimento. "É um trabalho difícil porque mexe com o sentimento das pessoas, com o emocional mesmo. Tem que estar preparado. Às vezes, é você que está precisando de ajuda e passa isso para quem está do outro lado da linha. Não pode haver essa relação", explica Ademir.

Desta forma, os novos voluntários precisam participar de um curso de formação e capacitação. Na primeira semana, são transmitidos os princípios e a filosofia do trabalho, abordando os seguintes temas: o CVV; a pessoa que procura o CVV; o voluntário; e a relação de ajuda. Na segunda parte do treinamento, são realizados exercícios práticos, com nove encontros, sempre com acompanhamento de monitores e em grupos, para que haja troca de experiências.

Segundo Ademir, é a própria pessoa que vai fazendo, ao longo do processo, a sua seleção. Isso porque, muitos acabam percebendo que não estão preparados para assumir esta responsabilidade. "É um trabalho que requer muito da pessoa. Ela tem que se doar e precisa trabalhar consigo mesma. E, às vezes, as pessoas não estão dispostas a mudar naquele momento", comenta Alaíde. Os cursos, que ocorrem normalmente três vezes por ano em cada posto, chegam a reunir cerca de 50 pessoas por turma. No entanto, no final, o número acaba chegando a cerca de 15.

Maria de Lourdes, por exemplo, participou pela primeira vez do curso em julho do ano passado. Na época, ela percebeu que aquele ainda não era o seu momento no grupo. "Eu é que estava precisando de ajuda", conta. Agora, ela resolveu voltar para poder colaborar. "É muito bom imaginar que o fato de você estar ali para ouvir já fez uma pessoa sorrir".

Muitos ainda, na opinião de Alaíde, preferem optar por aqueles trabalhos voluntários em que é possível ver o resultado final palpável, o que não ocorre com o CVV. "Eu não sei o que acontece depois que a pessoa desliga. Só durante a ligação. Claro que muitos ligam novamente para agradecer a ajuda ou para conversar novamente porque se sentiram bem. É assim que analisamos", comenta Ademir. Para Alaíde, o fato da pessoa demonstrar estar mais tranqüila e aliviada já é um indicador de que a ligação fez bem.

Mas não é somente no início das atividades que os voluntários passam por treinamento. Há um trabalho constante, para que possam se aperfeiçoar e também não trazer para si os problemas de quem os procura, ficando deprimidas. Alaíde ressalta que, muitas vezes, as histórias de vida dessas pessoas ficam muito vivas na sua cabeça, mas é preciso entender que, quando ela deixa o seu plantão, aquilo ficou para trás. "E o contrário também é válido. Aqui dentro [no posto] esquecemos de nós mesmos", completa.

Se o trabalho do CVV se torna importante para as pessoas que precisam ser ouvidas, ele muda também a vida daqueles que estão ali, dispostos a ajudar. Para Alaíde, 11 anos dedicados ao voluntariado permitiram que ela mesma se conhecesse melhor. "Passei a compreender o mundo de outra maneira. Sem falar que me encanto muito com o trabalho do CVV. É uma filosofia de vida maravilhosa. Sonhamos com uma sociedade mais justa, em que não precise existir o CVV, em que as próprias pessoas possam se bastar". Para Ademir "cada ligação é sempre a primeira".

* Para manter o sigilo e a privacidade do trabalho, os voluntários se identificam somente pelo primeiro nome. A profissão não é divulgada.

Serviço:
Centro de Valorização da Vida
Informações sobre atendimento: no site do CVV é possível encontrar o endereço de todos os postos de atendimento. Pessoas interessadas em serem voluntárias, também podem se cadastrar.
Novos postos do CVV: qualquer entidade filantrópica pode instalar um posto do CVV. Esses postos, ainda que sob a responsabilidade de uma entidade já reconhecida por sua atuação benemerente, passam a se designar Postos do CVV e recebem material didático e orientação, por intermédio dos voluntários do CVV. Os postos se mantêm com a contribuição dos próprios voluntários, além da realização de eventos, festas, bazares.


DANIELE PRÓSPERO
do site setor3

   
 
 
 

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