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discriminação
21/06/2004
Residentes em favelas ganham 30% menos

A desigualdade brasileira — que já expôs sua face nas diferenças de escolaridade, rendimento, origem familiar, lugar de nascimento — se revela também nos locais de moradia. Nas três principais capitais do país (Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte), já são evidentes o abismo entre a renda dos moradores das favelas e dos bairros, bem como a discrepância das oportunidades educacionais para crianças e jovens. Estudo inédito do professor Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (Ippur-UFRJ), mostra que, no mercado de trabalho carioca, quem vive nas comunidades populares ganha de 14% a 31% menos que os habitantes do asfalto. Ainda que tenham o mesmo grau de instrução.

Coordenador do programa Observatório das Metrópoles, uma rede de 24 entidades que reúne 70 pesquisadores dedicados a temas econômicos, sociais, urbanísticos e governamentais, Queiroz Ribeiro usou as informações do último censo demográfico para agrupar os indícios da chamada segregação residencial. Para ele, a sensação de isolamento, não apenas físico mas sociocultural, das populações que vivem nas favelas ou em bairros pobres é mais um elemento de reprodução da desigualdade brasileira, que está entre as quatro maiores do mundo:

"Estar num bairro ou área empobrecida alimenta um ciclo de reprodução da pobreza. Significa dizer que o bairro onde se mora também é um bloqueio ao acesso às oportunidades de trabalho e de educação."

No estudo intitulado “Segregação residencial e segmentação social: o efeito vizinhança na reprodução da pobreza nas metrópoles brasileiras”, Queiroz Ribeiro revela que mesmo trabalhadores analfabetos ganham menos se morarem em favelas. Enquanto um morador do asfalto ganha cem reais, o outro não passa de R$ 86. A diferença aumenta à medida que a escolaridade cresce: trabalhadores com quatro a sete anos de estudo ganham 29% menos, se viverem nas comunidades populares. Quem estudou de oito a dez anos perde 31%.

‘É como a corrida entre a tartaruga e o coelho’
Formado em economia e contabilidade e com o curso de direito interrompido no nono período, Danilo Ferreira de Souza acumula histórias de discriminação em razão do lugar onde vive desde que nasceu, há 54 anos, o Morro dos Cabritos, em Copacabana:

"Quem mora em certos locais é considerado inferior. Esse é um dos tipos de discriminação no Brasil. Quem vive na favela enfrenta uma desvantagem de 30% a 40% em relação aos que nasceram na elite. É como uma corrida entre uma tartaruga e um coelho."

Souza já foi subgerente de renda fixa de banco, controller , gerente de empresa de mudanças, administrador, mas há nove anos está sem emprego formal. Nesse período, para manter a casa de cinco quartos, três andares e 120 metros quadrados, trabalhou como pedreiro, carpinteiro e professor:

"Sofri discriminação duplamente. Perdi uma vaga de economista porque tinha trabalhado como motorista. E deixei de me empregar como motorista porque era formado em economia."

A assessora política Erika Ferreira de Souza, filha mais velha de Danilo, herdou do pai a vocação para o direito. Passou no vestibular em 2003, mas não começou o curso por falta de dinheiro para pagar a universidade: investe boa parte dos quatro salários-mínimos que ganha na escola particular da filha, de 9 anos.

"Ainda não consegui realizar meu sonho. Entre a minha faculdade e a escola da minha filha, optei por ela. Se vivesse no asfalto talvez fosse diferente: eu ganho metade do salário dos profissionais da minha área que não moram em comunidade", diz Erika, que também é presidente da União de Mulheres do Morro dos Cabritos e técnica em fitoterapia.

O desconforto com a discriminação, contudo, não imobiliza nem Erika nem sua família. O pai tem 11 irmãos, mas foi o único a concluir o curso superior. Seus dois filhos mais novos, assim como Erika, planejam cursar a universidade. Os Souza jamais esconderam a origem no Morro dos Cabritos, que vem da bisavó materna de Erika, remanescente de uma comunidade de escravos que habitou a região dois séculos atrás:

"Penso em sair do morro pelas dificuldades que enfrentamos e para dar uma vida melhor à minha filha. Mas jamais vou esquecer ou esconder minha origem."

A convicção de Erika contrasta com a de outros moradores de comunidades populares que preferem lidar com a segregação residencial camuflando-a. É comum moradores de favelas ou da periferia usarem endereços de parentes em bairros para não serem eliminados em processos seletivos ou sofrerem discriminação. Uma moradora do Complexo da Maré que não quis se identificar conta que nem a irmã de seu namorado sabe que ela vive em favela. Formada em jornalismo, nunca conseguiu trabalho na profissão: é secretária.

Esconder o endereço foi a alternativa encontrada
O segurança e serralheiro Luiz Fernando da Silva Castro, de 42 anos, também já usou endereço de familiares para disputar vagas. Ele diz que se mencionar que vive no morro corre o risco de nem ser chamado para uma entrevista. E não tem dúvida de que moradores de favelas ganham menos:

"É só falar em favela para ser discriminado. O salário é menor, sim, mas acho que isso acontece também pela falta de estudo das pessoas das comunidades", diz Castro, morador do Morro dos Cabritos que estudou até a terceira série do ensino fundamental e começou a trabalhar aos 12 anos para ajudar o pai após um acidente.

O sociólogo Adalberto Cardoso, professor do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), diz que Castro está correto ao relacionar as poucas chances no mercado de trabalho à baixa escolaridade:

"Um adulto terá mais chances de estar desempregado e uma criança, de estar fora da escola se morarem em favelas. A formação escolar é pior por estarem na escola pública, de pior qualidade. Se a qualidade do ensino é pior, é difícil disputar as melhores vagas e ter os maiores salários."

Queiroz Ribeiro dividiu os locais de habitação em três grupos que reúnem baixa, média e alta escolaridade e rendimento dos moradores. Cruzou esses dados com o percentual de crianças e jovens com atraso escolar. A conclusão é que as áreas do Rio onde há concentração de moradores de baixa renda e escolaridade têm quase o dobro de crianças fora da série recomendada para sua idade que nas áreas de alta renda e nível de instrução — 62% contra 37%:

"O desempenho muda de segundo o grau de heterogeneidade de uma região: crianças que moram numa favela instalada num bairro de classe média alta tendem a ter um desempenho escolar melhor que as que moram em comunidades em que a pobreza é homogênea."


As informações são do jornal O Globo.

   
 
 
 

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