A OMS
(Organização Mundial da Saúde) abriu
uma nova frente de combate ao cigarro. Depois de costurar
o primeiro acordo internacional na área de saúde,
pelo qual 128 países aceitaram tomar medidas para reduzir
o consumo de fumo, ela agora quer incluir o controle de tabagismo
nos programas de combate à pobreza.
A proposta foi apresentada ontem em painel na 11ª Unctad
(Conferência das Nações Unidas para o
Comércio e o Desenvolvimento). Especialistas defenderam
a inclusão do controle do tabaco nos programas de redução
de pobreza das agências da ONU.
A idéia que sustenta a proposta é que cigarro
e pobreza formam um círculo vicioso -os pobres fumam
mais porque têm menos informação; como
gastam muito com tabaco, eles têm menos recursos para
aplicar na educação e na saúde dos filhos.
A socióloga Katharine Esson, pesquisadora do Centro
para o Desenvolvimento Global em Saúde da Universidade
Columbia, em Nova York, disse que o controle do tabaco "pode
parecer um luxo" quando comparado a necessidades básicas,
como esgoto. "Mas isso é falso", defendeu.
Segundo ela, as mortes causadas pelo cigarro são muito
maiores do que outras causas, e vão ocorrer cada vez
mais em países pobres.
A OMS prevê que, se nada for feito, o tabaco provocará
10 milhões de mortes no mundo em 2030 -7 milhões
das quais em países pobres ou em desenvolvimento. Nos
países mais ricos, segundo a OMS, as doenças
causadas pelo cigarro consomem de 6% a 15% dos gastos com
saúde.
"Só haverá redução das mortes
com controle do tabagismo", defendeu Katharine
Esson.
Segundo ela, a abertura do comércio que acompanhou
a onda neoliberal dos anos 90 aumentou o lucro das corporações,
mas foi um péssimo negócio para a saúde
pública. Esson cita o exemplo do continente africano,
onde a abertura dos mercados deve provocar um aumento de 75%
no número de fumantes entre 1995 e 2005.
A pesquisadora cita um estudo feito em Bangladesh, país
asiático com 130 milhões de habitantes no qual
64 crianças em cada grupo de mil morrem antes de completar
um ano -no Brasil, o índice é quase a metade
(38). Lá, se o gasto com cigarro dos mais pobres sofresse
uma redução de 70%, seria possível alimentar
corretamente cerca de 10,6 milhões de crianças
subnutridas.
Maiores consumidores
Estatísticas apresentadas por Heather Selin,
da Opas (Organização Pan-Americana de Saúde),
em Washington, mostram que cigarro torna-se cada vez mais
um produto de pobres. Do total de cigarros consumidos, só
27% são fumados nos países desenvolvidos; 73%
ficam com os países em desenvolvimento ou pobres.
"O tabaco tem de ser tratado como um caso especial nos
acordos comerciais. Ele não pode receber os mesmos
benefícios que outros produtos", afirmou.
A proposta de Selin, falando como representante da OMS, é
que o fumo seja excluído dos acordos bilaterais ou
multilaterais -com isso, não teria redução
de taxas, por exemplo. A idéia básica é
encarecer o cigarro como forma de reduzir o consumo.
Selin apresentou três formas de reduzir o consumo de
cigarro: 1) aumento de preços e impostos; 2) uso de
alertas nos maços; e 3) proibição de
publicidade.
O Brasil é citado como um país de vanguarda
no controle do tabaco, com uma legislação só
comparável à do Canadá, mas o preço
do cigarro ainda é dos mais baixos no mundo.
Um quadro comparativo da OMS mostra que um trabalhador do
Rio precisa trabalhar, em média, 22 minutos para comprar
um maço de Marlboro e 52 minutos para levar para casa
1 kg de pão. Em nenhum outro país o cigarro
custa tão pouco, em termos relativos -a exceção
é o Canadá, onde um maço de cigarros
"custa" 21 minutos de trabalho, mas lá isso
ocorre porque os salários são altos, não
porque o tabaco é barato.
Um estudo citado por Selin aponta que o aumento de 10% no
preço do cigarro resulta em queda de 8% no consumo.
MARIO CESAR CARVALHO
da Folha de S.Paulo
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