Um jornal
editado por estudantes causou polêmica nos corredores
da faculdade de direito mais tradicional do país, a
da USP, localizada no largo São Francisco (SP). No
número mais recente do informativo, sem periodicidade
fixa, piadas de teor racista e homofóbico causaram
indignação.
A "Gazieta" traz dizeres como "a escravidão
como salvação dos negros africanos", que
fazia parte de um conjunto de proposições logicamente
impossíveis.
O que causou estranhamento foi o fato de o jornal ser editado
por integrantes da Escória, chapa que hoje está
na direção do Centro Acadêmico XI de Agosto,
conhecido por sua luta a favor dos direitos humanos.
Fernando Borges, 21, presidente do XI de Agosto, afirma que
a publicação não é vinculada à
gestão do centro acadêmico nem reflete sua posição,
que "repudia veementemente qualquer iniciativa de cunho
discriminatório".
"Foram membros da chapa, não do centro acadêmico,
e essas pessoas já se retrataram publicamente",
diz Borges.
O informativo, que não foi produzido nas dependências
da faculdade, segundo afirma o XI de Agosto, teve tiragem
de cerca de 800 exemplares e já existe há quatro
anos, enquanto a eleição da chapa Escória
para a direção do centro acadêmico só
aconteceu no começo de 2005 (a vigência do mandato
é anual).
Nos corredores, cartas e notas assinadas por alunos negros
e pela direção do centro repudiavam a discriminação
racial, e os membros da Escória responsáveis
pela "Gazieta", que se auto-intitulam "Mão
de Deus", fizeram um comunicado de retratação.
Algumas ONGs, como a Educafro, que luta pela inclusão
de negros no ensino superior, viram no fato o reflexo da desinformação
de alunos sobre a questão racial. "As piadas acabam
gerando um pensamento. Foi um comportamento ingênuo,
mas a universidade deve discutir a questão do negro
dentro de seus quadros", diz Thiago Thobias, 25, assessor
de políticas públicas da ONG.
A estudante do terceiro ano Liane Lira, 22, que lê
o jornal desde que entrou na faculdade e é amiga de
membros da chapa --inclusive dos que não participam
da direção do centro acadêmico, afirma
que o jornal foi mal-interpretado. "A intenção
deles foi de fazer uma brincadeira. Quando você não
sabe o que levar a sério, algumas vezes até
estranha. Mas, quando eu os conheci, vi que eles tinham a
intenção de brincar com a hipocrisia, com o
preconceito dos outros. Porque preconceituosos eles não
são."
"O que é chato é as pessoas ficarem pensando
que isso reflete a mentalidade dos alunos em geral, o que
não é de forma alguma verdade", disse Juliana
Ranzani, 21, também do terceiro ano. "Fazemos
uma série de trabalhos voltados à comunidade
carente, como assistência jurídica a pessoas
de baixa renda, mas fica parecendo que temos uma posição
discriminatória." São ações
como a do Diretório Jurídico XI de Agosto --tida
como a ONG mais antiga do país--, que desde 1919 presta
assistência jurídica gratuita.
O diretor da Faculdade de Direito da USP, Eduardo Cesar Silveira
Vita Marchi, declarou em comunicado oficial que, sobre "frases
de suposto caráter racista, lançadas isoladamente
por alguns alunos em jornal estudantil, tornamos público
que a instituição repudia veementemente todos
os tipos de forma de racismo e discriminação.
Como é notório, a Faculdade de Direito do largo
São Francisco sempre teve, tem e terá como um
de seus maiores objetivos a promoção e a proteção
dos Direitos Humanos".
LUCIANA PAREJA
da Folha de S.Paulo |