Ousadia
é a palavra de ordem para a SBPC (Sociedade Brasileira
para o Progresso da Ciência) no que diz respeito a idéias
para a tão falada reforma universitária. Numa
proposta que ainda está em fase de discussão
e retoques, a instituição sugere a extinção
dos cursos superiores tais como estão organizados e
a criação de uma nova dinâmica, composta
por ciclos mais curtos e com grau crescente de especialização.
Essa foi a principal idéia, de uma série, apresentada
ontem por Luiz Davidovich, físico da UFRJ (Universidade
Federal do Rio de Janeiro) que está intimamente envolvido
no desenvolvimento da proposta encampada pela SBPC. A palestra
dele aconteceu durante a 56ª reunião anual da
sociedade, que acontece até amanhã em Cuiabá
(MT).
Ela deveria ter sido precedida por uma apresentação
do ministro da Educação, Tarso Genro, a respeito
da reforma, que não aconteceu em razão de seu
não-comparecimento ao evento.
As mudanças propostas pela SBPC são audaciosas.
Hoje, um estudante que decide ser engenheiro precisa logo
de cara definir sua área de especialização,
sobre a qual estudará pelos quatro anos seguintes.
Na nova proposta, o aluno entraria num curso um pouco mais
geral, algo como "ciências básicas de engenharia",
com dois anos de duração. Por si só,
ele já daria direito a um diploma.
Para os alunos que quisessem seguir adiante e perseguir uma
formação acadêmica mais completa, ele
seria sucedido por um curso de dois ou três anos com
formação mais específica, como engenharia
civil, eletrônica, mecânica, aeroespacial etc.
Ao apresentar as primeiras diretrizes do Ministério
da Educação para a reforma universitária,
no início de junho, Tarso Genro já havia proposto
a criação de um ciclo inicial de formação
dos alunos do ensino superior com duração de
dois anos.
Ao encerrar essa etapa, segundo a proposta, o estudante receberia
um título, chamado de "estudos universitários
gerais", sem valor de habilitação, que
corresponderia à formação básica
superior.
O modelo sugerido pela SBPC é similar ao adotado no
exterior, especialmente nos EUA. Segundo Davidovich, a proposta
diminuiria alguns dos problemas hoje enfrentados na universidade,
como o alto índice de evasão nos primeiros anos
do curso. Para o pesquisador, boa parte dessa evasão
se dá em razão de escolhas equivocadas por parte
dos alunos, que são obrigados a definir muito cedo
a futura profissão.
Além disso, a reorganização dos cursos
superiores nesses novos moldes permitiria oferecer aos estudantes
um espectro mais amplo de conhecimento, uma necessidade crescente
diante do desenvolvimento de campos fortemente interdisciplinares,
tanto no mercado de trabalho como no âmbito acadêmico
de pesquisa.
Discussão ampla
O desenvolvimento da proposta --que também
foi defendida pelo presidente da SBPC, Ennio Candotti, na
abertura do Encontro Nacional do Programa de Educação
Tutorial, um evento paralelo à reunião anual--
foi pedido pelo próprio Ministério da Educação.
Cerca de 30 entidades, entre as quais a SBPC, deverão
apresentar suas sugestões ao MEC até novembro
(embora a data ainda não esteja confirmada).
Segundo Davidovich, é preciso reavaliar a atual carga
didática. Com uma média de sete disciplinas
por semestre, o atual modelo não permite que o aluno
explore ao máximo os conteúdos apresentados.
Para o físico da UFRJ, uma redução no
número de disciplinas seria um dos pontos fundamentais
dos novos cursos.
Além disso, métodos mais eficientes de controle
e avaliação da qualidade de ensino nos cursos
superiores seriam necessários. Para isso, a SBPC defende
a criação de uma Agência Nacional de Acompanhamento
do Ensino Superior. "Seria uma espécie de "vigilância
sanitária'", brinca Davidovich, "uma maneira
de controlar a "privataria'", usando o termo para
se referir à expansão das instituições
privadas de ensino.
LUCIANA CONSTANTINO
SALVADOR NOGUEIRA
da Folha de S.Paulo
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