RIO -
Sem certidão em cartório, 745 mil crianças
nascidas no Brasil em 2003 - 21,6% do total - são,
oficialmente, inexistentes, revela pesquisa divulgada ontem
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE). A proporção é menos de dois pontos
porcentuais menor do que há mais de uma década
- em 1993, era de 23,4%.
Segundo o gerente de Estatísticas Vitais e Estimativas
Populacionais do IBGE, Antônio Tadeu de Oliveira, "uma
parcela importante" dos moradores de 3.600 dos 5.562
municípios brasileiros não retirou sua certidão
no prazo legal de até 90 dias após o nascimento,
caracterizando o sub-registro. "São pessoas que
não estão exercendo a sua cidadania. Precisamos
reduzir o porcentual de 22% para algo como o índice
de países desenvolvidos, que é de 5%."
A situação é mais crítica nas
Regiões Norte e Nordeste.
Os principais entraves para a retirada do documento, disse,
são a dificuldade de acesso aos cartórios e
a falta de informação sobre a importância
da certidão e sobre a lei de gratuidade, que desde
1997 aboliu as taxas para a retirada da primeira via dos registros
de nascimento e de óbito. Embora a lei tenha contribuído
para queda acentuada em 1999 - chegou a 16,5% -, a evasão
voltou a subir nos anos subseqüentes.
Desenvolvida com base nas informações dos cartórios
de registro civil de pessoas naturais e das varas de família,
foros ou varas cíveis, a publicação Estatísticas
do Registro Civil é anual e constitui instrumento fundamental
para estudos demográficos, acompanhamento do exercício
da cidadania e elaboração de políticas
públicas. Por isso, a evasão na notificação
dos nascimentos e óbitos, explica o pesquisador, pode
prejudicar, por exemplo, o cálculo para repasse de
verbas de governo feito com base nos índices populacionais.
No lançamento da pesquisa, o presidente da Associação
Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais, Jaime de Alencar
Araripe Júnior, observou que, apesar da gratuidade,
há quem deixe de retirar o documento ainda por dificuldades
financeiras. "Há pessoas que não têm
dinheiro nem para o transporte coletivo. Por isso, criamos
o cartório-móvel." A definição
da paternidade é outro obstáculo. "Como
no Brasil existem muitas relações informais,
as mães vão postergando o registro, na esperança
de que o pai reconheça o filho." O País
tem 8.300 cartórios em todos os municípios.
Para Celso Simões, da Coordenação de
População e Indicadores Sociais do IBGE, os
programas sociais do governo, como o Bolsa-Escola e o Fome
Zero, têm impacto importante na redução
da evasão, já que para requerer o benefício
é preciso apresentar certidão de nascimento.
Ele acredita ainda que a mudança feita este ano nas
estatísticas, deixando de contar como registros tardios
- após três meses - os efetuados no ano seguinte
ao do nascimento, melhorará o indicador nos próximos
anos.
O indicador de registro tardio apresentou uma ligeira melhora
de 1993 até o ano passado, caindo de 25,6% para 22,5%
do total de registros de nascidos vivos. Geralmente, o grau
de cobertura é melhor nos anos de eleições
municipais, já que o documento é necessário
para participar da votação.
Óbitos
Os dados relativos aos óbitos no País
também têm acentuada subnotificação.
Outra vez, a baixa cobertura ocorre no Norte e Nordeste, onde
o sub-registro estimado em 2003 foi de 35,2% e 31,3% do total
de mortes - quase o dobro da avaliada para o País (18,5%).
Ressalte-se que, ao contrário dos nascimentos, os dados
sobre óbitos são, geralmente, irrecuperáveis.
Em relação aos óbitos de crianças
com menos de 1 ano, a subnotificação no País
é elevada, 48%, e atinge níveis ainda piores
no Norte (50%) e Nordeste (70%). "Isso terá implicações
muito grandes no cálculo de indicadores como o de mortalidade
infantil", disse Simões. De 1993 a 2003, a proporção
sobre o total de mortes caiu de 9,6% para 4,5%. Mas, outra
vez por causa da subnotificação de mortes, os
dados precisam ser relativizados no caso do Nordeste. "A
evasão na região é baixa. Portanto, o
dado de que a proporção em 2003 foi 5,1% não
é real."
KARINE RODRIGUES
do jornal O Estado de S. Paulo
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