Manoel
Francisco Pires da Costa, presidente da Fundação
Bienal de São Paulo, sorria sem parar anteontem, de
alívio, ao ver a multidão que compareceu ao
grande evento de abertura do ano cultural do Brasil na França:
a exposição “Brasil índio: As artes
dos ameríndios”, nas majestosas Galeries Nationales
du Grand Palais, em Paris.
Inicialmente financiada pelo Banco Santos, por um triz ela
não saiu: o banco foi interditado em novembro, pelo
Banco Central, deixando os organizadores sem dinheiro suficiente
para bancar a exposição. Na última hora,
o próprio Grand Palais teve que entrar com uma parte
do orçamento, mas fez os brasileiros assinarem um contrato
dizendo que o primeiro retorno dos lucros vai para o museu.
Em meio a comentários de admiração dos
convidados, Costa um dos patrocinadores do evento, confessava
que há um mês era um homem desesperado:
Nossa participação só foi garantida
em fevereiro, depois do carnaval. Se não tivéssemos
tido um pouco de agilidade, teria sido difícil. O risco
de não acontecer existiu, de fato. Felizmente, deu
tudo certo.
Quatro ministros e Jorge Benjor
A abertura foi em grande estilo: dois ministros franceses,
o da Cultura, Renaud Donnedieu de Vabres, e o das Relações
Exteriores, Michel Barnier, além do ministro da Cultura
brasileiro, Gilberto Gil, e da ministra da Cultura da Espanha,
Carmen Calvo, compareceram. Uma parte da exposição
é dedicada ao antropólogo Claude Lévi-Strauss,
famoso por seu trabalho com os índios brasileiros e
por recusar a idéia de que a civilização
ocidental é “privilegiada” ou “única”.
A lojinha do Grand Palais, que vende livros e artesanato indígenas,
parecia uma feira: as pessoas compravam de tudo, brincos,
colares, cartões-postais. Até o cantor Jorge
Benjor, que desembarcou em Paris com Gilberto Gil depois de
tocar com o ministro e a cantora Maria Rita num baile da princesa
Caroline, em Mônaco, estava comprando bolsas. O cantor
percorreu a exposição maravilhado, como se estivesse
descobrindo a arte indígena brasileira:
Tem coisas aqui que parecem de costureiro francês. Estou
vendo ali, ó, parece uma bolsa de Cartier. Os índios
já faziam isso antes. E os cocares são tão
elaborados... eu não sabia. É tudo muito bonito.
A “última hora” dos brasileiros, para
surpresa dos franceses, deu certo. E muito. Com 350 peças
que vão de magníficos cocares e vasos funerários
a filmes mostrando os índios na época de hoje,
a mostra é visualmente grandiosa e desperta fascínio
na imprensa francesa. Ela traça o trajeto dos índios
brasileiros, da Pré-História até os dias
de hoje. O jornal “Le Figaro” a chamou de “deslumbrante”,
ressaltando o “esplendor” dos objetos escolhidos.
Gilberto Gil aposta no sucesso de público. Numa das
últimas exposições do Grand Palais, dos
pintores Turner, Monet e Whistler, o público chegou
a seis mil pessoas por dia.
Tenho a impressão de que vai ser um momento magnífico
da presença histórica do Brasil junto à
França avalia o ministro Gil. A dimensão indígena
da vida brasileira é uma das dimensões mais
importantes. Os indígenas são o povo local,
histórico. Nesta exposição há
um panorama muito interessante sobre o que foram os índios
no passado, o que são hoje e o que nos prometem ainda
como contribuição importante à civilização
brasileira no futuro.
A exposição começa com grandes fotos
coloridas do artista Arthur Omar, em que troncos de árvores
parecem esculturas, fruto de uma série de viagens que
ele fez ao Amazonas, e que gerou a série Esplendor
dos Contrários, publicada num livro, há pouco
mais de um ano.
É uma percepção contemporânea,
radical, sobre as formas. Quis olhar a forma não só
no sentido documental, turístico, mas procurar renovar
o olhar sobre a Amazônia, que está muito estereotipada,
explicou Omar.
Depois, numa enorme sala, estão expostos vasos de
cerâmica e grandes urnas funerárias, além
de peças valiosas como uma tanga feita pelos índios
marajoaras. A exposição traça a civilização
dos marajoaras, dos maracas e dos aruas. A decoração
sóbria da exposição feita por dois designers
brasileiros, Daniela Thomas e Felipe Tassara, agradou ao público:
cada peça tem destaque, como se fosse peça única.
Cristina Barreto, arqueóloga e uma das organizadoras
da exposição, explicava o significado das urnas
funerárias aos jornalistas estrangeiros:
Os maracas deixavam os mortos ao ar livre. E, quando os corpos
se decompunham, pegavam os ossos, pintavam-nos ou esculpiam-nos,
e os depositavam, seguindo uma ordem rigorosa, dentro de vasos
com a cabeça em cima. As urnas ficavam na aldeia, e
eles conversavam com elas, pediam conselhos. Os ancestrais
continuavam a fazer parte da vida da tribo.
Numa outra sala, dentro de enormes cilindros iluminados,
destacam-se máscaras. Descobre-se ainda uma impressionante
cabeça mumificada pelos munduruku (1880), lembrando
que este povo guerreiro mumificava as cabeças de seus
inimigos, acreditando que elas tinham um poder mágico.
Depois do passado, filmes apresentam ao público os
índios de hoje, com seus ritos e danças. Mas
é a sala dos cocares que mais chama atenção.
Diademas monumentais com plumas multicoloridas de araras fizeram
os franceses sonhar. A mostra é um dos 400 eventos
sobre o Brasil planejados para acontecer na França
até o fim do ano.
DEBORAH BERLINK
do jornal O Globo
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