Se você
nunca sai e deixa as luzes acesas, só escova os dentes
com a torneira fechada, separa o lixo para a reciclagem, desliga
aparelhos quando não estão em uso, mas compra
por impulso, nunca pede a nota fiscal, acha produtos orgânicos
e feitos com papel reciclado uma besteira e, ao se sentir
lesado por uma empresa, diz a si mesmo que não vale
a pena reclamar, não se preocupe. Você pertence
ao grupo que reúne a maior parte dos brasileiros. Ou
melhor, preocupe-se. Há ainda muito a fazer para se
tornar um consumidor 100% responsável.
Pesquisa realizada no fim do ano passado pelo Instituto Akatu
em 11 das maiores capitais brasileiras constatou que apenas
6% da população pode ser classificada como consciente
no que diz respeito às relações de consumo.
No outro extremo, só 3% são indiferentes em
relação ao tema.
O meio de campo, por sua vez, é preenchido por 54%
de iniciantes, os que engatinham em termos de consciência,
e 37% de pessoas que já têm comprometimento com
certas responsabilidades, mas ainda deixam outras de lado.
Ou seja, a realidade pode ainda não ser a ideal, mas
promete.
Essa é a avaliação que Helio Mattar,
diretor-presidente do Akatu, faz dos resultados do estudo.
A opinião é compartilhada por representantes
dos principais órgãos de defesa do consumidor
de São Paulo: o Procon (Fundação de Proteção
e Defesa do Consumidor) e o Idec (Instituto Brasileiro de
Defesa do Consumidor).
O otimismo se justifica, diz Mattar, porque a soma dos conscientes
com os comprometidos resulta em 43% dos entrevistados (leia
entrevista abaixo.). Isso significa que quase metade das pessoas
disseram adotar pelo menos 8 dos 13 comportamentos que formam
um consumidor responsável.
"É uma boa surpresa", comemora Marilena Lazzarini,
coordenadora institucional do Idec.
É claro que não estão descartadas pequenas
mentiras na hora de responder às perguntas, nem a distância
que separa o discurso da prática. "Mas o crescimento
do nível de consciência é algo irreversível,
e as empresas que não entenderem isso vão ter
poucas chances de sobrevivência no futuro", sentencia
o chefe de gabinete do Procon-SP, Vinicius Zwarg.
Para o Akatu, o consumidor consciente é o que mostra
disposição para transformar em práticas
cotidianas os valores com que se identifica e tende a reconhecer
a relação do indivíduo com o coletivo
e com as futuras gerações.
Perfis
O que mais parece pesar no grau de consciência
dos consumidores são grau de escolaridade e renda.
Entre os conscientes, o percentual de pessoas com ensino médio
ou superior completo é de 63% -enquanto na amostra
geral elas representam 44%. No mesmo grupo, a fatia de entrevistados
das classes A e B ficou em 48%, contra 30% no geral.
Entre os indiferentes predominam pessoas na faixa de 18 a
24 anos, da classe D, com menor grau de instrução,
solteiras e com uma renda média mensal domiciliar de
cerca de R$ 900 (53% ganham no máximo R$ 600).
Os iniciantes seguem praticamente o mesmo perfil da amostra
geral em termos de classe social, sexo e idade, com uma renda
média mensal domiciliar de aproximadamente R$ 1.027.
O mesmo ocorre com os comprometidos, que apresentam, porém,
uma concentração maior na faixa de 25 a 39 anos,
tendem a ter um grau de instrução levemente
superior ao dos iniciantes e renda média familiar de
cerca de R$ 1.060.
Já entre os conscientes estão pessoas das classe
A e B, com mais de 40 anos, casadas e com filhos, além
de um grau de instrução mais elevado e renda
familiar por volta de R$ 1.330 (sendo que 14% ganham mais
de R$ 2.000).
"É preciso haver um maior investimento na orientação
da sociedade como um todo [para o consumo consciente]",
defende Zwarg. Ele diz que o Procon-SP está buscando
agilizar e simplificar seus procedimentos e o acesso à
informação para evitar que as pessoas desistam
de reclamar por causa de trâmites burocráticos.
Já Lazzarini diz que a educação para
o consumo é fundamental, principalmente entre as camadas
mais pobres. Ela afirma que a publicidade e a televisão
criam necessidades e padrões de consumo iguais para
pessoas com poderes de compra diferentes, uma distorção
que precisa ser superada.
MARIANA VIVEIROS
da Folha de S. Paulo
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