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entrevista
26/01/2005
Por uma globalização da solidariedade

Começa hoje o Fórum Social Mundial e o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, 64 anos, um de seus organizadores, fala ao Cidadania-e sobre suas expectativas para o novo encontro em Porto Alegre . Grande observador da política brasileira, Boaventura que durante a semana lançará os livros O Fórum Social Mundial: Manual de uso (Cortez Editora) e os volumes 4 e 5 de Reinventar a emancipação social (Editora Civilização Brasileira) se mantém como uma das mais potentes vozes contra a globalização neoliberal. Seu ideário político, no entanto, não reza pela cartilha do contra, mas pela teoria de que é possível uma globalização solidária cuja moeda de troca são as redes e os movimentos sociais. Ainda nesta entrevista, o professor da Universidade de Coimbra fala, com certo desencanto, dos primeiros anos do governo Lula.


Cidadania-e: No ano passado, o Fórum Social Mundial foi realizado em Mumbai, na Índia, para tornar o encontro mais internacional e político. O senhor acha que essa mudança alterou a percepção da comunidade internacional sobre o Fórum?

Boaventura de Sousa Santos: Para mim, até então, havia uma idéia de que o Fórum, embora mundial no nome, era fundamentalmente latino-americano, com fortes componentes europeus e norte-americanos. As Áfricas estavam ausentes, assim como a Ásia. A ida para Mumbai foi um desafio em muitos níveis.


Cidadania-e: Em quais níveis?

Boaventura de Sousa Santos: Politicamente falando, foi um desafio levar o Fórum para um grande país democrático como a India, mas com uma cultura diferente da cultura ocidental e com novos modos de atuação política, distintos daqueles que prevalecem no Ocidente. Foi também um desafio a nível organizativo, dada a extensão do país e dados os tipos de desigualdade que ainda prevalecem nele, alguns dos quais estranhos ao Ocidente.


Cidadania-e: Como a divisão social por castas, por exemplo?

Boaventura de Sousa Santos: Exatamente. O outro desafio foi o da política internacional, principalmente pelo fato de o Fórum acontecer numa região muito próxima da guerra. Não da guerra colonial, mas a guerra dos Estados Unidos, nomeadamente no Afeganistão. E numa região com duas potências nucleares: a Índia e o Paquistão. Por tudo isso, a decisão de organizar o quarto Fórum em Mumbai foi considerada uma política de risco.


Cidadania-e: E quais foram os resultados?

Boaventura de Sousa Santos: O resultado foi o melhor possível. Foi um êxito. Valeu a pena arriscar. Conseguiu-se plenamente a visibilidade, e para a Índia foi importante. Poucos meses depois, o partido do governo, que era de direita, perdeu as eleições. Penso que o Fórum não foi um estranho naquela região da Índia. Acredito que tenha sido uma vitória.


Cidadania-e: O que o senhor espera para esta quinta edição do Fórum, que agora retorna a Porto Alegre?

Boaventura de Sousa Santos: São muitos altas as nossas expectativas, em primeiro lugar porque o FMS em Mumbai correu tão bem que elevou o grau de exigência. Então o Fórum em Porto Alegre tem que ser melhor, e para isso é preciso um grande esforço. Em segundo lugar, o Fórum em Porto Alegre se assenta num novo modelo organizativo. Antes, havia uma divisão entre as atividades organizadas centralmente pelo comitê organizador e as outras atividades, organizadas pelos movimentos sociais. Em nosso novo modelo, desapareceu a distinção entre as atividades dos movimentos sociais e pelo comitê organizador.


Cidadania-e: Durante esses cinco anos de Fórum, houve algum freio na relação entre capital e trabalho?

Boaventura de Sousa Santos: É muito difícil fazer um balanço do Fórum nestes termos. Eu penso que o Fórum é a primeira grande reação global à globalização neoliberal. E ele está a construir um fundo de resistência cujos resultados são provavelmente indiretos. Mas eu citaria vários: primeiro lugar, a alteração do discurso das agências multilaterais como o Banco Mundial e o FMI. Eles tiveram que mudar de discurso para se tornarem mais sensíveis com questões como a da fome e a da dívida externa. Mudou o discurso, mas não mudou, ainda, a prática. O outro exemplo é a própria diplomacia brasileira. Eu penso que não se compreende a diplomacia brasileira sem levar em conta as discussões que tiveram lugar nas duas primeiras edições do Fórum. A marcha mundial de 15 de fevereiro de 2003 (manifestações mundiais contra a guerra no Iraque que tomaram conta de várias capitais mundiais –incluindo Londres, onde cerca de um milhão de pessoas se reuniu no protesto) também não seria possível sem o Fórum Social Mundial. Em diferentes continentes, existem muitas lutas locais que se alimentam do novo impulso criado pelo Fórum. Por exemplo, as lutas na Bolívia contra a privatização da água em Cochabamba, os movimentos populares na Argentina, dentre outros. Ou seja, o FSM vai manifestando sua força por vias indiretas, por meio das ações dos movimentos e associações que o integram. A grande preocupação deste Fórum é transformar os dias do Fórum em dias de planejamento das ações coletivas. Estamos muito preocupados que o FSM não seja apenas discurso, mas ação.


Cidadania-e: Isso é possível?

Boaventura de Sousa Santos: É. Estamos a lutar onde os movimentos de diferentes paises começam a articular as suas demandas. Por exemplo, o movimento feminista da América Latina está em estreita colaboração com o movimento de mulheres da Ásia...


Cidadania-e: É a força das redes, na elaboração de políticas sociais...

Boaventura de Sousa Santos: Exatamente. É através da rede que se passa dos discursos para a ação.


Cidadania-e: O senhor acompanha o governo Lula?

Boaventura de Sousa Santos: Tenho acompanhado de perto. Há duas leituras possíveis. A primeira é que se trata de um governo esquizofrênico. A política externa é distinta da política interna. A segunda leitura, aquela que eu desejo que seja a correta, me diz que a política externa visa a fortalecer a posição do Brasil de modo que em um futuro próximo o governo tenha melhores condições para negociar e implementar uma nova política interna. São duas leituras, mas gostaria que a última estivesse correta. Nós estamos no grau zero do medo e da esperança. Portanto, pode vencer a esperança sobre o medo, como pode o medo vencer a esperança. Depende, a meu entender, dos movimentos sociais do Brasil. Eu tenho sugerido aos movimentos que eles devem utilizar o FSM para pressionar o governo Lula, tal como o Fórum de Mumbai pressionou o governo da Índia. No caso da Índia, o governo era conservador e totalmente hostil. No caso do Brasil, é um governo que, para ser aliado das classes populares, tem de ser pressionado ativamente por estas através de seus movimentos e associações.


Cidadania-e: Teivo Teivainen, da Rede pela Democratização Global, afirma que o discurso do presidente Lula contra a fome atrapalha a sua proposta de taxação sobre especulação financeira como forma de financiar uma ONU mais democrática. Como o senhor analisa essa questão?

Boaventura de Sousa Santos: Eu penso que essas duas iniciativas estão relacionadas. Não haverá luta contra a fome se não houver taxação contra a especulação financeira. Acredito mais no trabalho da diplomacia brasileira na OIC e no Banco Mundial sobretudo quando se articula com a Índia e a África do Sul. Acredito mais nessa iniciativa do que na iniciativa do presidente Lula na ONU.

As informações são da Fundação Banco do Brasil.

   
 
 
 

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