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conservação ambiental
26/01/2005
Florestas devem ser habitadas e rentáveis

O Projeto do Milênio das Nações Unidas — um plano de ação lançado na semana passada para ajudar os países a cumprirem os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio — contou com a colaboração de brasileiros em quase todas as suas 13 forças-tarefas. Paulo Moutinho, coordenador de pesquisas do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), participou do grupo que estudou como promover o desenvolvimento sustentável no mundo. Em entrevista à PrimaPagina, ele explica que a sustentabilidade ambiental é essencial para a erradicação da pobreza, pois a escassez de recursos naturais geraria desigualdade.

Moutinho alerta que o avanço agrícola, por meio do deslocamento de pastagens, provoca desmatamento. Ilustra sua conclusão com números do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Quanto à conservação, propõe que o governo recompense financeiramente aqueles que optarem por manter a floresta em pé e que incentive a ocupação dessas áreas por comunidades que vivam do extrativismo sustentável.

Sobre o Brasil, adverte: "se repetirmos os últimos 20 anos na Amazônia, ou na Mata Atlântica, ou no Cerrado, estaremos optando pela autodegradação ambiental, pela grande concentração de renda e pela manutenção da pobreza".

Confira abaixo os principais trechos da entrevista:

Como o relatório chegou à conclusão de que a sustentabilidade ambiental é um princípio decisivo para a redução da pobreza?

Paulo Moutinho: A sustentabilidade ambiental está diretamente relacionada à habitabilidade do planeta. Quando existe um ambiente em transformação, é preciso antever se em algum ponto do futuro ele vai comprometer a habitabilidade da Terra. E, nesse caso, a habitabilidade do planeta é fundamental para a erradicação da pobreza.

Mas a China, que tem sido muito criticada do ponto de vista ambiental, conseguiu uma redução de pobreza significativa na última década.

Moutinho: Volto à questão da habitabilidade futura. É possível que haja momentos de riqueza bastante precisos, como acontece na China, que hoje tem um grande crescimento econômico, ou mesmo em alguns lugares do Brasil onde a qualidade de vida aumentou. Só que em bases insustentáveis, ou seja, toda essa riqueza pode estar comprometida no futuro.

Crescimento econômico está diretamente ligado a desenvolvimento socioambiental. Crescer economicamente não significa necessariamente se desenvolver de maneira sustentável. Nós temos exemplos clássicos, como ciclos de extrativismo e riqueza na Amazônia, nos quais há uma explosão de renda, com queda acentuada após o comprometimento do ambiente ou do recurso explorado. E então você entra num ciclo de decadência. Portanto, esse é o desafio. A pobreza, agora ou no futuro, só vai ser erradicada tendo sustentabilidade ambiental.

O Sr. falou em extrativismo. Historicamente, o Brasil dependente economicamente do seu setor primário, sobretudo de atividades ligadas ao cultivo do solo, como é o caso da soja hoje em dia. O avanço da agricultura compromete os recursos naturais? Ele necessariamente desmata?

Moutinho: Esse é um assunto bastante polêmico. Na Amazônia, se pegarmos os dados de monitoramento do desmatamento feito pelo INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) desde 1978, chegamos à nítida conclusão de que a floresta deu lugar ao pasto. Mais recentemente nota-se que a produção de grãos está muito ligada à expansão de pastagens. Hoje se planta soja em pastagens antigas, mas o gado tem que ser deslocado para uma nova área.

Uma coisa interessante é o crescimento da soja na Amazônia, no norte do Mato Grosso e sul do Pará, onde existem cidades experimentando um boom de riqueza e de aumento de PIB, mas é preciso ver se esse crescimento gera uma distribuição de renda melhor do que a que temos historicamente na região amazônica, onde a concentração é muito grande.

Então o deslocamento dessas pastagens é para aéreas desmatadas?

Moutinho: Exato. Os últimos dados do INPE, referentes a 2003-2004, mostram que mais de 70% das áreas desmatadas foram convertidas em pastagens, que, apesar de ter um rendimento baixo, é um investimento seguro. Para grandes e pequenos produtores ela é tida muitas vezes como uma poupança.

Uma das coisas identificadas em nossa força-tarefa do Projeto do Milênio é que essas opções por atividades econômicas que têm impacto significativo no ambiente devem ser revistas. Por exemplo, é necessário que se encontrem maneiras de valoração de florestas, o que promoveria uma competição por florestas preservadas, e de áreas que estão sendo utilizadas de maneira sustentável, com outro tipo de uso da terra. Essa é uma das recomendações do relatório.

Os defensores da agricultura alegam que um dos principais fatores de extermínio das florestas são as queimadas. Como o Projeto do Milênio tratou dessa questão?

Moutinho: Nossa força-tarefa realmente liga o fogo com o desaparecimento de florestas tropicais. Tomemos de novo a Amazônia, que é o exemplo mais nítido brasileiro. Foram identificados na região ciclos de empobrecimento da floresta, sendo o fogo um dos principais agentes desse processo.

Esse ciclo tem início com a exploração madeireira de alto impacto, sem cuidados nem manejo florestal. Na medida em que se tira a madeira numa derrubada seletiva, abre um número grande de clareiras — pois, para se ter uma idéia, a cada árvore derrubada outras cinco são destruídas, porque são esmagadas ou porque são puxadas para o chão junto com a maior, devido ao entrelaçamento de cipós. Logo, tem-se a incidência mais direta do sol na floresta, ou seja, o interior da mata que era úmido passa a sofrer uma secagem. Assim, com a massa de material morto que fica, a temperatura mais alta e a umidade mais baixa, essa floresta torna-se extremamente inflamável.

Somada à ausência de programas efetivos de prevenção de incêndio na Amazônia, essas florestas exploradas correm um risco ainda maior de pegar fogo. Um produtor que não tem florestas em sua propriedade, ao não fazer o controle do fogo, pode deixar o fogo escapar para a área de preservação. Incêndio que pode se alastrar mais facilmente nas florestas que já haviam sofrido extração de madeira. Uma vez queimadas, essas florestas ficam mais vulneráveis à conversão para pasto ou pra outro tipo de uso da terra. E assim se fecha o ciclo degradante extração, queimadas e pasto ou agricultura.

É possível, se não controlarmos esses desmatamentos e o planeta continuar aquecendo, que tenhamos grandes incêndios florestais na Amazônia. Há uma opção do governo e de setores da produção pelo avanço agropecuário, com o risco do comprometimento futuro, ou seja, pode ser que todo o potencial agrícola que está se instalando na região possa estar comprometido, pois num clima mais aquecido haveria uma redução drástica de chuvas na região.

No caso do Brasil, para se conter esse avanço madeireiro ou dos pastos, faltam leis ou falta fiscalização?

Moutinho: A legislação brasileira é bastante avançada nesse quesito, mas obviamente esbarra no cumprimento dessas leis. No caso específico do controle do desmatamento, é preciso que se tenham algumas garantias básicas. A primeira delas é uma opção política do governo de que as florestas Amazônica, Atlântica e até mesmo o Cerrado e os biomas brasileiros passem a ter uma taxa expressiva de conservação, e não só preservação. Não se trata de colocar uma cerca em volta e não deixar ninguém entrar, mas de conservação, de uso sustentável.

É preciso também reconhecer definitivamente que as florestas têm um valor e prestam um serviço extremamente importante para o país. É preciso que a comunidade internacional, ou mesmo o governo, encontre meios para que esse serviço ambiental seja remunerado. Ou seja, quem fizer a opção por manter a floresta em pé, ao invés de fazer uma pastagem ou um campo de soja, seja financeiramente compensado pela manutenção daquela floresta. É preciso valorizar economicamente recursos a que hoje só se dá valor quando estão destruídos — ou seja, floresta boa é aquela que está derrubada.

Por último, é preciso que se desenvolvam políticas direcionadas à manutenção de pessoas dentro da floresta. É fundamental para a conservação da soberania nacional que, ao se fazer a opção por floresta, se coloque gente dentro desta, pois a mata sem gente está vulnerável à todo tipo de ganância, impacto e várias outras coisas.

Mas como colocar essas pessoas na floresta?

Moutinho: Nós temos já exemplos muito claros [de floresta sustentavelmente habitada], e com incentivos é possível aprimorar isso — tanto em reservas extrativistas quanto na própria exploração madeireira de baixo impacto ou certificada, como já existe hoje na Amazônia. O governo lançou um projeto bastante interessante chamado Assentamento Florestal [parte do Plano Nacional de Reforma Agrária], no qual se tem assentamentos do Incra em florestas, em que a população pode usar de maneira sustentada os recursos não-madeireiros, e às vezes até madeireiros, e recebem incentivos para isso. Na medida em que se cria esse mecanismo de valorização das florestas, estabelecem-se situações de competição econômica com outros usos da região, com outros usos da terra.

E como a força-tarefa da qual o sr. participou no Projeto do Milênio da ONU avaliou a importância do Brasil para que o mundo atinja os Objetivos do Milênio?

Moutinho: O Brasil tem um papel fundamental nessa história. O país tem dimensões continentais e detém o maior bloco de florestas tropicais do mundo. Tem, no caso específico da Amazônia, uma população tradicional, com íntima e histórica ligação com o recurso florestal. No Cerrado, no Pantanal e na Mata Atlântica ocorre a mesma coisa. É preciso que o governo e a própria população perceba isso e faça uma opção pelo caminho da sustentabilidade.

Se repetirmos os últimos 20 anos na Amazônia, ou na Mata Atlântica, ou no Cerrado, estaremos optando por uma autodegradação ambiental, pela grande concentração de renda e pela manutenção da pobreza.

ALAN INFANTE
do PNUD Brasil

   
 
 
 

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