O aumento
da gravidez na adolescência verificado na década
de 90 não é restrito às classes menos
escolarizadas e mais pobres.
Estudo do Instituto de Medicina Social da Uerj mostra que,
no Rio e em São Paulo, houve aumento em quase todas
as classes sociais e, no caso de São Paulo, o aumento
verificado entre as adolescentes de famílias mais escolarizadas
e de maior renda foi até superior ao verificado entre
de famílias menos escolarizadas e mais pobres.
Em 1991, o Censo do IBGE apontou que a taxa de filhos nascidos
vivos por mulher de 15 a 19 anos no segmento específico
das meninas cujas mães tinham ao menos 11 anos de estudo
era de 58 filhos por grupo de 1.000 mulheres em São
Paulo. Em 2000, subiu para 86, uma variação
de 48%.
Já a variação dos casos de gravidez entre
as jovens de famílias de maior renda (mais de 15 salários
mínimos de renda média familiar) foi de 43%.
No grupo de menor escolaridade (adolescentes cujas mães
tinham menos de quatro anos de estudo), essa variação
foi de 11%. Passou de 282 filhos por 1.000 nascidos vivos
para 314 filhos por 1.000 nascidos vivos.
Esses dados não negam que a renda e a escolaridade
são fatores que influenciam, e muito, a decisão
sobre o número de filhos que a adolescente quer ter
ou sua capacidade de evitar uma gravidez não prevista.
Mas eles mostram que o aumento da gravidez precoce não
pode ser atribuído à pobreza ou à falta
de escolaridade.
O pesquisador Mário Francisco Giani Monteiro, autor
do estudo apresentado no 14º Encontro Nacional da Abep
(Associação Brasileira de Estudos Populacionais),
fez a mesma tabulação para o Rio e comparou,
tanto no Rio quanto em São Paulo, também a variação
da taxa de acordo com o rendimento.
O resultado mostra que em todas as classes de rendimento e
de escolaridade foi verificado aumento da fecundidade precoce.
A única exceção foi entre as adolescentes
em São Paulo com rendimento familiar inferior a dois
salários mínimos. Esse grupo continua tendo
a taxa mais alta, mas ela foi reduzida em 11%, de 392 por
1.000 para 349 por 1.000.
Tanto no Rio quanto em São Paulo, os maiores aumentos
percentuais foram verificados entre os grupos médios
de escolaridade (mães entre quatro e sete anos de estudo
ou de oito a dez anos).
Aborto e costumes
A pesquisadora Suzana Cavenaghi, do Núcleo
de Estudos de População da Unicamp, diz que,
no caso das jovens de classe mais alta, o dado de filhos por
mulher não reflete o número real das que engravidaram:
"Há muitas meninas de classe alta que fazem aborto.
Nas classes de menor renda, o acesso à prática
é mais difícil".
"Adolescentes de todas as classes estão iniciando
sua vida sexual mais cedo. Além disso, valores como
preservar a virgindade antes do casamento foram gradualmente
perdendo a importância", afirma Monteiro.
Segundo Cavenaghi, a tendência de aumento da gravidez
na adolescência é mundial:
"O problema é que essa mudança no comportamento
sexual dos adolescentes nem sempre é acompanhada de
uma mudança nas atitudes das famílias e da preparação
do sistema público de saúde".
Para o demógrafo Humberto Corrêa, da Unicamp,
que também apresentou um estudo sobre mães adolescentes
no encontro da Abep, a questão da gravidez na adolescência
não deve ser vista apenas como problema. "Se a
mulher já está preparada, do ponto de vista
biológico, para ter um filho, e isso faz parte do projeto
de vida dela, não há problema."
Cavenaghi concorda que, principalmente quando a adolescente
tem 18 ou 19 anos, nem sempre a gravidez é indesejada.
Ela afirma, no entanto, que esse fenômeno deve ser visto
como possível problema quando se analisa o impacto
na escolaridade da mulher, já que uma gravidez precoce
pode interromper os estudos e prejudicar a inserção
no mercado.
Nesse sentido, outro estudo apresentado no encontro da Abep
mostra que o impacto, do ponto de vista econômico, de
ter um filho antes de 20 anos de idade, varia muito de acordo
com o nível de escolaridade da mulher.
Estudo de Ivo Chermont, Alinne Veiga e Adriana Fontes, do
Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade, mostra que,
nas classes mais escolarizadas, o impacto negativo na renda
da mulher que teve gravidez precoce é maior.
Os autores compararam, a partir da Pnad (Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílio) de 2002, do IBGE, a renda
média de mulheres entre 24 e 40 anos que tiveram filhos
antes ou depois dos 20 anos. No grupo com mais de 12 anos
de estudo, mulheres com gravidez precoce apresentavam uma
média de rendimento de R$ 877, enquanto as que não
tinham tido filhos antes dos 20 anos ganhavam R$ 1.290. No
grupo de mais baixa escolaridade, praticamente não
houve diferença.
Segundo o relatório "Situação da
População Mundial 2004", elaborado pelo
Fundo das Nações Unidas para a População,
a taxa de 86 filhos por grupo de 1.000 mulheres em São
Paulo (no grupo mais escolarizado) é bastante superior
à média verificada na Europa em todas as classes
sociais (20 nascimentos por grupo de 1.000 mulheres de 15
a 19 anos) e semelhante à média da América
Central (76 nascimentos por 1.000 mulheres de 15 a 19 anos).
A taxa encontrada entre as meninas paulistas e fluminenses
menos escolarizadas (314 por 1.000) é superior até
mesmo à taxa mais alta encontrada entre os 153 países
que constam desse relatório. Essa taxa na África
Central (a maior entre todas as regiões comparadas)
foi de 200.
ANTÔNIO GOIS
da Folha de S.Paulo
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