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Aos 15
anos de idade, quando foi fazer uma gravação
– trabalhando como assistente de produção
–, o ator Marcos Palmeira conheceu a aldeia xavante
São Marcos, no município de Barra do Garças,
no Mato Grosso. Lá, firmou um eterno laço de
amizade com os índios, tanto que acabou recebendo da
tribo o nome de Tsiwari, que significa "Filho Valente"
na língua xavante. Em julho do ano passado, 25 anos
depois, Marcos retornou ao encontro dos índios, mas
desta vez a situação da tribo entristeceu o
ator. As disputas territoriais levaram os xavante a se mudar
para o município de Campinápolis, onde fundaram
a aldeia São Pedro e a comunidade, que anteriormente
vivia da caça e da coleta, passou a sofrer com a devastação
do meio ambiente e sobretudo com as disputas com os proprietários
de terra. A devastação do cerrado e as questões
fundiárias impediram, ao longo do tempo, a estruturação
de projetos de saneamento e de produção de alimentos.
Para solucionar alguns destes problemas, os xavante puderam
contar com a ajuda de seu Filho Valente.
Enquanto pensava em caminhos para ajudar os índios,
Marcos Palmeira procurou o Sebrae, que sugeriu o projeto Mandalla
como a melhor solução para a tribo. Implantado
pioneiramente na Paraíba, em 1999, pela Agência
Mandalla Desenvolvimento Holístico Sistêmico
Ambiental, o projeto é uma forma inovadora de agricultura
familiar, que utiliza mangueiras domésticas, hastes
de cotonete e garrafas PET. Baseada no sistema solar, a tecnologia
consiste em diversos anéis de plantação
com um reservatório de água no centro. Em nove
círculos ao redor do reservatório, são
plantados vegetais a serem irrigados com essa água.
Nos anéis mais próximos ao reservatório,
estão as culturas de subsistência e nos mais
afastados, as destinados à venda. No último
círculo, plantas de alto porte servem para proteger
o conjunto contra insetos e outros animais.
Em 2001, o Projeto Mandalla foi premiado pela Fundação
Banco do Brasil, que passou a financiar sua implantação
em regiões carentes do país. Foi a própria
Fundação, em parceria com o Sebrae, que implantou
a primeira mandala na aldeia São Pedro. Na semana passada,
os índios comemoraram a colheita dos primeiros frutos.
Baseada no sucesso dessa implantação, a Fundação
pretende disseminar o projeto por outras aldeias e também
em assentamentos rurais, comunidades quilombolas e agricultores
familiares que vivem na região do semi-árido.
Segundo Jacques Pena, presidente da Fundação,
nos próximos 18 meses a entidade pretende implantar
mais de mil mandalas.
Fórum Social Mundial
Durante o Fórum Social Mundial, esta história
vai ser contada por Marcos Palmeira, que fará uma palestra
ao lado de Jacques Pena. O ator leva ao encontro internacional
um documentário de 80 minutos, filmado em julho do
ano passado, durante a visita de 15 dias que fez aos xavante.
O nome não poderia ser mais adequado: Expedição
A’Uwe: A volta de Tsiwari, cuja edição
está sendo concluída em Florianópolis,
com estréia no dia 28, será exibido três
vezes durante o Fórum. Ele é fruto de uma parceria
entre a TVi e o Sebrae.
"O documentário faz um levantamento das necessidades
dos índios. O que eles mais querem atualmente é
produzir o próprio alimento e deixar de ser extrativistas.
A Mandalla tem tudo a ver com o que a gente procurava para
aproveitar da melhor forma os recursos da natureza. A nossa
luta também é para que os índios não
se espalhem", contou Marcos Palmeira.
A idéia de cultivar alimentos utilizando ao máximo
os recursos da natureza ronda, há tempos, os planos
do ator. Há oito anos, ele comprou um terreno de 300
hectares em Teresópolis, na região serrana do
Rio de Janeiro, e o transformou na fazenda Vale das Palmeiras,
onde são produzidos diariamente quatro quilos de alimentos
orgânicos – hortaliças, legumes, frutas,
flores comestíveis e laticínios. Todo o processo
é natural, do adubo – fabricado por minhocas
– à reciclagem do lixo produzido na fazenda.
Para que isso fosse possível, o ator contou com o apoio
dos xavante, que ensinaram algumas das técnicas da
cultura indígena. Marcos retribuiu ensinando o que
aprendeu sobre os produtos orgânicos. É uma espécie
de intercâmbio. Os índios ficam em média
um ano na fazenda do ator. Encantado com as mandalas, que
visitou por todo Brasil junto com a Fundação
BB, Palmeira pensa em instalar uma delas em sua propriedade,
para a subsistência da fazenda. Lá, Marcos, grande
incentivador da agricultura familiar, conta com o trabalho
de cinco famílias. "A agricultura familiar é
importante em tudo. Na melhoria da qualidade de vida dos agricultores,
na fixação do homem ao campo", justifica.
Da Mandalla à agricultura familiar
Fixação do homem no campo. Esta é
a principal justificativa dos especialistas em geografia humana
que defendem o incentivo à agricultura familiar, expressão
surgida na década de 1990. Uma conceituação
adequada, no entanto, demorou mais algum tempo para surgir.
Baseado no Censo Agropecuário 1995/96 do IBGE, o Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(Incra), em convênio com a Organização
das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação
(Fao), desenvolveu dois critérios fundamentais para
que o agricultor seja caracterizado como familiar. O primeiro
estabelece que o produtor familiar deve ser o responsável
pela direção dos trabalhos do estabelecimento.
Se ele for dirigido por um gerente, passa a ser considerado
patronal. O segundo estipula que o trabalho familiar –
UTF (Unidade de Trabalho Familiar) – deve ser superior
ao trabalho contratado – UTC (Unidade de Trabalho Contratada).
A importância econômica da agricultura familiar
brasileira ganhou visibilidade em 2003, por causa de um levantamento
da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas
(Fipe), encomendado pelo Núcleo de Estudos Agrários
e Desenvolvimento Rural (Nead) do Ministério do Desenvolvimento
Agrário. O estudo revelou que a agricultura familiar
é responsável por 40% da riqueza gerada no campo
no Brasil, o que equivale a aproximadamente R$ 57 bilhões.
Só em 2003, a agricultura familiar representou 10,1%
do PIB do agronegócio, movimentando R$ 156,6 bilhões.
No entanto, mesmo tendo esta importância, o agricultor
familiar ainda encontra entraves para seu trabalho. O principal
deles, segundo Marcos Palmeira, é a distribuição:
"As estradas brasileiras estão em péssimas
condições. Os pedágios são caros
demais e isso torna o frete muito caro. Por isso, eu sempre
defendi que a fome não é falta de comida e sim
comida mal distribuída. A mesma coisa ocorre com as
riquezas no Brasil. Existe uma concentração
muito grande na mão de poucos."
Para facilitar o escoamento da produção agrícola
familiar, o governo criou em 2003 o Conselho Nacional de Segurança
Alimentar e Nutricional (Consea), que atua em parceria com
o Projeto Fome Zero. O Consea compra, armazena e distribui
os alimentos produzidos por agricultores familiares de todo
país. A maioria dos alimentos é destinada a
doações do próprio Fome Zero e o restante
fica em armazenamento estratégico para o caso de desabastecimento.
Segundo Silvio Porto, diretor de logística e gestão
empresarial, o Consea é um complemento do Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf),
criado em 1995. Conduzido pela Secretaria de Agricultura Familiar
do Ministério do Desenvolvimento Agrário, o
Pronaf fornece suporte financeiro, com encargos favorecidos,
aos produtores rurais que desenvolvem suas atividades agropecuárias
e agrícolas utilizando, basicamente, mão-de-obra
familiar.
Os investimentos no Pronaf seguem com força total
neste ano. Em dezembro de 2004, Miguel Rossetto, ministro
do Desenvolvimento Agrário, anunciou que em 2005 o
governo pretende investir R$ 7 bilhões na agricultura
familiar por meio do programa – 1,2 bilhão a
mais do que o valor investido em 2004. Segundo Porto, em 2005
o Consea também pretende aumentar os recursos voltados
para os agricultores familiares. Em 2003 cerca de 40 mil famílias
foram atendidas pelo conselho. No ano passado, esse número
foi superado.
"Um balanço do nosso trabalho em 2004 ainda não
está concluído, mas acreditamos que tenhamos
atendido mais de 55 mil agricultores familiares. Além
da compra direta, nós fazemos também a compra
antecipada, adiantando recursos para que os agricultores tenham
condições de investir nos meios de produção.
O Consea tem, inclusive, parcerias com a Fundação
Banco do Brasil em projetos sociais como é o das Minifábricas
de caju no Ceará e no Piauí", explicou
Silvio.
Além da Fundação, o Banco do Brasil
também tem sua parcela de contribuição
no incentivo à agricultura familiar. Por meio de um
Balcão de Agronegócios virtual (https://balcao.bb.com.br/balcao/app/login),
o banco facilita as transações comerciais entre
agricultores. No endereço, é possível
negociar animais vivos, grãos, cereais, insumos, máquinas
e equipamentos agrícolas, produtos orgânicos,
entre outros. Além de atender aos grandes produtores,
o espaço é aberto aos agricultores familiares
e aos assentados pela reforma agrária. Para fazer negócios
online, no entanto, é preciso que o agricultor seja
cliente do Banco do Brasil.
Os agricultores familiares e os povos indígenas agradecem
o apoio.
"Não me considero um xavante. Me considero um
branco com uma ligação afetiva muito grande
com os índios. Um guerreiro tentando ajudá-los
nessa luta", conclui Marcos Palmeira.
DANIELLE CHEVRAND
da Fundação Banco do Brasil
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